Analistas veem Fed preocupado com atividade e não descartam nova alta de juros em setembro

Economistas destacam que há duas visões dentro do Comitê sobre impactos da continuidade do ciclo de aperto nos juros

Roberto de Lira

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Um tom mais leve a respeito da inflação e outro mais duro em relação à resiliência da atividade econômica foram os dois pontos destacados pelos analistas sobre a Ata da reunião do Fomc dos dias 25 e 26 de julho, quando o Comitê do Fed decidiu elevar as taxas de juros nos EUA em 25 pontos-base. Como foi observada também uma divisão sobre os impactos da política monetária sobre atividade e inflação, não é descartada uma nova alta de juros na próxima reunião, marcada para 19 e 20 de setembro.

Andressa Durão, economista da ASA Investments, afirma que, apesar de uma avaliação sobre a inflação mais “dovish” que na decisão anterior, a Ata deixou mais clara a reavaliação dos membros do Fomc a respeito da resiliência da atividade econômica. Portanto, o documento teve um tom geral mais duro (“hawk”) pelo Fed.

A economista destaca que a Ata cita a possibilidade de um ajuste adicional dos juros – assim como já havia feito o comunicado pós-reunião. Isso caso a totalidade dos dados de inflação e atividade sugiram que há necessidade de mais aperto.

“Parece que estão dando peso considerável aos dados fortes de atividade no sentido de indicarem riscos altistas para a inflação à frente, confirmando um viés de alta para os juros”, avalia..

Para André Cordeiro, economista-sênior do Banco Inter, o documento mostrou que existe uma certa divisão entre os membros do Comitê. Um grupo ainda enxergam riscos de alta para a inflação e que o mercado de trabalho ainda está bastante aquecido. “Na visão desse grupo, altas adicionais na taxa de juros podem ser necessárias”, afirma.

O outro grupo, por sua vez, observa que apesar desses fatores, ainda existe um risco de recessão devido ao efeito defasado da política monetária, cuja contração ainda pode não ter se materializado completamente na atividade real.

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“Para esse grupo, o cenário atual aumenta a incerteza sobre a capacidade do Comitê em alcançar o seu mandato duplo, fazendo necessário que as decisões considerem o balanço de riscos. Evitando assim o risco de contrair a política monetária além do necessário”, detalha.

Cordeiro comenta, entretanto, que ambos os grupos concordam que a recessão, se houver, não ocorrerá esse ano, e continuam enxergando resiliência na atividade econômica. “Portanto, a Ata indica que os próximos passos do Fed são incertos e dependerão dos dados econômicos”, afirma.

O economista lembra que, antes da próxima reunião, haverá a divulgação de mais um dado do mercado de trabalho (Payroll) e da inflação de agosto e que esses dados serão essenciais para a reação do Fed.

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“Por um lado, vemos a tendência de desinflação se manter. Ao mesmo tempo, observa-se um mercado de trabalho ainda muito apertado e os dados de atividade mostrando uma forte retomada. Portanto, não se pode descartar a possibilidade de uma nova aceleração da inflação, o que pode levar a novas altas nas próximas reuniões”, conclui.

Já Marcos de Marchi, economista-chefe da Oriz Partners, viu a última ata do Fomc demonstrando que a maioria dos membros ainda percebe riscos altistas significativos para a inflação. Assim, afirma, poderá ser necessário um novo aperto da política monetária no futuro.

“Importante destacar, no entanto, que após a reunião a inflação de julho apresentou números mais benignos do que os esperados pelo mercado. Portanto, a divulgação desses dados pode ter proporcionado algum alívio a essas preocupações.”

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Marchi lembra que, uma vez que o próprio presidente da instituição (Jeorme Powell) ressaltou que os dados de inflação e do mercado de trabalho teriam um papel crucial na orientação da próxima decisão, é possível acreditar – por ora –  que a desaceleração das contratações em julho e a diminuição do núcleo da inflação aumentam a probabilidade de que os juros sejam mantidos na próxima reunião.

Sávio Barbosa, economista-chefe da Kínitro, afirma que o principal objetivo da leitura da ata do Fomc nesta quarta-feira era buscar alguma informação que ratificasse ou não a leitura do mercado que o ciclo de alta de juros teria se encerrado na reunião de julho. Mas para ele, os sinais foram mais “hawkish”, ou altistas em relação a perspectiva de juros.

“A Ata relata que a maioria dos membros do Comitê acredita que o risco para a inflação ainda é altista e que isso pode fazer com que seja necessário novos aumentos de juros à frente”, comenta.

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Em relação à inflação, Barbosa comenta que os participantes destacaram diversos sinais de moderação, como a desaceleração do núcleo de bens, preços mais baixos na internet, evidência de menores repasses de preços por parte das empresas, redução de ritmo da inflação de moradia e queda das expectativas de inflação de curto prazo. Mas diversos participantes afirmaram que essa moderação ainda precisa se mostrar de forma mais clara na inflação de serviços ex-moradia.

“Os participantes também ressaltaram que, mesmo com a melhora recente, a inflação segue muito acima do objetivo do Comitê. Assim precisarão ver mais dados para que consigam ter confiança que a economia está alcançando um equilíbrio melhor entre oferta e demanda. Em suas discussões sobre estabilidade financeira os participantes afirmaram que o sistema bancário segue saudável e resiliente, que o estresse no setor acalmou nos últimos meses.”

Dúvida

Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, afirma que a citação na Ata da resiliência do desemprego (baixo) e da inflação (ainda alta) sugerem que o ciclo de alta ainda não terminou, mas que as opiniões divergentes dentro do Fomc devem aumentar apostas em pausa na reunião de setembro.

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Para ele, as informações adicionais de percepções e projeções, tanto de analistas do Fed como do mercado, não confrontam a principal mensagem do comunicado divulgado após a reunião: existe o entendimento de que a atividade evolui com ritmo moderado, mas com taxas de desemprego baixas e inflação ainda elevada.

“A decisão de elevar a taxa de juros foi apoiada pela maioria dos participantes como meio de restabelecer o equilíbrio entre oferta e demanda na economia. Entretanto, houve o reconhecimento de que condições de crédito iniciavam um processo de aperto e que a defasagem dos impactos da restrição monetária poderia produzir um desaquecimento maior do que o pretendido”, comenta Igliori.

O economista lembra que a última leitura do índice de preços ao consumidor (CPI), que subiu marginalmente em julho de 3,0% para 3,2% em 12 meses, com o núcleo caindo ligeiramente (de 4,8% para 4,7%), foi interpretada por muitos analistas como evidência de que as chances de uma pausa na próxima reunião do Fomc teriam aumentado. “É possível que a análise da ata vá na mesma direção por parte do mercado.”

“Existe uma possibilidade real de que ocorra uma pausa nos aumentos em setembro, mas se isso significará o encerramento do ciclo ou não ainda está totalmente em aberto. Em conjunto com as incertezas domésticas dos EUA existe um cenário internacional com renovadas turbulências, particularmente vindo da China”, pondera.

Pausa?

Mas também há quem considere que os sinais apontam mais para uma pausa do que para uma alta em setembro. Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital, destaca que a minuta do Fed trouxe elementos que sugerem um colegiado que deseja mais graus de liberdade nessa nova fase da política monetária. Ela citou o trecho da Ata em que o Comitê expôs dúvidas sobre a intensidade do impacto da política restritiva.

A economista afirma que o comunicado condiz com uma pausa na próxima reunião para análise dos dados correntes. “Ainda não é um ambiente no qual se sintam confortáveis para afirmar que o ciclo já terminou”, pondera.

Para ela, o problema surge dos dados de atividade divulgados nos últimos dias, que impulsionaram as projeções econômicas para o terceiro trimestre. “O varejo e a indústria tiveram um desempenho muito forte em julho. Pode ainda haver um problema no ajuste sazonal, nós temos sido afetados por essa questão no pós-pandemia, mas no mínimo devem justificar um discurso ‘hawkish’ por trás da pausa nos juros na próxima reunião”, avalia.

Débora diz que ainda espera que até novembro se tenha mais clareza sobre a moderação da atividade. “Na confirmação de nossa expectativa de uma janela benigna de dados de inflação, o Fed não subirá os juros também em novembro, mantendo-os no nível atual de 5,5%”, prevê.