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Cautela foi a principal mensagem transmitida na manhã desta sexta-feira (25) no discurso que o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, proferiu no simpósio de Jackson Hole. Segundo analistas, o chairman da autoridade monetária dos Estados Unidos reforçou que há muita incerteza sobre os efeitos defasados da política contracionista sobre a inflação e a atividade economia, embora alguns resultados já estejam sendo observados. E ele tentou ainda afastar leituras que o Fed poderia tolerar uma inflação superior à meta de 2%.
Para Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, Powell seguiu a diretriz apresentada na última reunião do Fomc e tentou não dar muitos detalhes sobre os próximos passos da política monetária.
“O presidente do Fed alegou que os preços de bens já arrefeceram bem como o mercado imobiliário, mas que a inflação de serviços se mantém pressionada e possivelmente pode exigir mais esforços da política monetária especialmente pelo aquecimento do mercado de trabalho”, comentou Mercadante.
O economista da Rio Bravo destacou ainda que Powell reconheceu a existência de um ciclo atípico da política monetária, causado especialmente pela pandemia. Para reforças a ideia de cautela, o presidente do Fed usou no discurso a imagem de o BC local estar atualmente navegando usando as estrelas, porém com um céu nublado. “A fala de hoje foi marcada especialmente por esse aspecto: cautela”, repetiu Mercadante.
Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, por sua vez, viu no discurso uma tentativa de Powell afastar qualquer tipo de discussão de que eles estariam dispostos a parar o aperto monetário ou a começar a cortar no ano que vem, quando a inflação estiver girando perto de 3%. “Ele deixou bem claro que o trabalho é 2% e que ele só vai descansar quando o trabalho estiver feito”, afirmou.
Para Cruz, uma antecipação de corte de juros para o primeiro semestre do ano que vem parece fora da mesa, seguindo o raciocínio apresentado por Powell atualmente. “Ele menciona que os preços de moradias estavam caindo, mas ao mesmo tempo fala que o mercado imobiliário voltou a aquecer na ponta, que o mercado de trabalho ainda tem um longo período para se reequilibrar e que a atividade ainda está se mostrando bem resiliente”, listou.
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Ou seja, não foi dado nenhum sinal de que o Fed está perto de encerrar o trabalho. Pelo contrário, Powell disse que poderia até apertar mais as condições se achar necessário. “Entendo que a inflação ainda é bem desafiadora: se pegar o CPI americano, 2% é só moradia. Os preços de combustíveis voltaram a subir”, lembrou Cruz.
Compromisso com a meta
André Cordeiro, economista-sênior do Banco Inter, destacou que o tema “Mudanças Estruturais na Economia Global”, escolhido para o simpósio deste ano em Jackson Hole, gerou uma expectativa de que Jerome Powell pudesse anunciar alguma alteração na condução da política monetária, mas o discurso veio ainda mais duro do que muitos esperavam.
“Powell se mostrou pouco satisfeito com o progresso feito no controle da inflação até esse momento, dizendo que dois meses de bons resultados de inflação não são suficientes. Também se mostrou preocupado com o fato de a economia não estar desacelerando como esperado, o que poderia ensejar novas altas de juros”, destacou.
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Outro ponto importante, segundo Cordeiro, foi que Powell eliminou completamente a possibilidade de alterar a meta de inflação, reforçando mais uma vez que o Fomc está comprometido em levar a inflação de volta à meta e que o Fed está preparado para aumentar juros se for necessário.
Outro ponto interessante na fala desta manhã apontado pelo economista do Inter foi a incerteza sobre o atual estágio da política monetária. “Powell reforçou que é muito difícil avaliar o nível de restrição da política monetária em tempo real, que há muitas dúvidas sobre qual é a taxa de juros real de equilíbrio, o que sugere que a taxa terminal ainda está em aberto”, avaliou.
O economista disse ainda Powell elencou diversos motivos que podem levar a novos aumentos na taxa de juros, como o mercado de trabalho e os gastos com consumo. “Entretanto, ele ponderou que há dois riscos: o de apertar demais e o de fazer de menos. Por conta disso, reforçou a necessidade de ser ‘data dependent’ e conduzir a política monetária de maneira gradual”.
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Marcos De Marchi – economista-chefe da Oriz Partners, classificou o discurso como equilibrado e com um tom muito parecido com declarações recentes. “Eu destacaria o fato de ter sido dito que os juros reais da economia, de acordo com várias estimativas, estão bem acima do nível considerado neutro. É um sinal de que mais altas de juros a partir daqui terão que acontecer em cima de dados econômicos mais fortes, especialmente aqueles relacionados ao mercado de trabalho, que seguem mostrando aumentos reais de salários e demanda robusta por mão de obra.”
Marchi cimentou ainda que ficou muito claro que existe muita incerteza nesse momento na condução da política monetária e nesse sentido as declarações sugerem que a manutenção dos juros em patamar elevado por um período prolongado é preferível a subir ainda mais a taxa básica.
O economista da Oriz também citou a ênfase do presidente do Fed de que a meta de inflação é de 2% e que seguirá assim. “Um claro recado para aqueles que cogitam que o Fed está mirando um outro patamar de inflação”, disse. “Aqueles que acreditam que o Fed vai cortar os juros com apenas um sinal ou outro de fraqueza da economia ou com a queda da bolsa, estão fazendo uma aposta ousada nesse momento”, analisou Marchi
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Paciência
Para o Morgan Stanley, o discurso adotou um tom semelhante ao da ata do Fomc da semana passada, que continuou a sublinhar que o Fed dependerá dos dados e considerará a “totalidade” dos dados para determinar que aperto adicional da política poderá ser necessário.
“O tom foi globalmente equilibrado, mas tendeu um pouco mais para a cautela. Ele destacou que o crescimento acima da tendência pode justificar um novo aumento. Por outro lado, observou que a inflação progrediu e destacou que considera que as taxas são restritivas, uma vez que ainda pode haver um obstáculo significativo devido aos aumentos anteriores.”
A mensagem principal, para o Morgan Stanley, é que este foi um discurso de paciência. “Ainda há muito tempo para observar os dados que chegam e Powell considera que a política já é muito restritiva. Como tal, eles precisam de tempo para decidir se aumentam ainda mais ou apenas mantêm as taxas mais altas por mais tempo.”
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Já na opinião de Álvaro Bandeira, coordenador da Comissão de Economia da Apimec Brasil, a fala de Powell não trouxe maiores novidades se comparada com declarações anteriores. “Como quase sempre, ele foi suave em expressar sua posição, dizendo que o caminho para a meta de 2% é longo e os sinais recentes (dois meses seguidos de queda da inflação) não tornam essa tendência mais firme.”
Bandeira também citou a menção sobre cautela com os juros. “E é um dado importante porque os reflexos da alta recente demoram um pouco a aparecer. E destacou que a economia firme, principalmente o setor imobiliário, junto com o mercado de trabalho, pode dificultar um pouco a queda mais forte da inflação.”
Para Sávio Barbosa, economista-chefe da Kínitro, o presidente do Fed ressaltou que a inflação no curto prazo é bem-vinda, mas que é apenas o primeiro passo em uma sequência de dados que o BC americano busca. “Também deixou claro que uma ameaça à inflação advinda de um crescimento mais forte do que a tendência de longo prazo e uma interrupção no processo de moderação do mercado de trabalho poderiam levar a novas altas de juros.”
Ele lembrou ainda que um ponto muito debatido era qual seria o posicionamento de Powell a respeito do juro neutro. “Basicamente o presidente do Fed afirmou que os membros do Fomc acreditam que o nível atual de juros é restritivo, ou seja, que o nível atual da taxa de juros coloca pressão para baixo sobre a economia, o mercado de trabalho e a inflação”.
Fernando Fenolio, economista-chefe da WHG, também viu um discurso balanceado. A mensagem foi que a política monetária está restritiva, que ela funciona e que a atividade tem desacelerado, que o mercado de trabalho tem se reequilibrado e a inflação tem desacelerado”, disse.
Para ele, Powell deixou claro que o nível de inflação ainda é alto, não está na meta, então há mais trabalho a ser feito. “A economia está caminhando na direção que se espera. Mas tem risco, que é basicamente a inflação parar de desacelerar, dado que só houve dois dados bons e precisa de mais para ter convicção de que realmente a inflação está convergindo para a meta.”
Para o JP Morgan, Powell mostrou em Jackson Hole que o Fed está em espera prolongada, embora exista o risco de aumentar os juros no próximo mês se os dados entre até 20 de setembro vierem muito aquecidos.
Segundo relatório do banco de investimentos, cerca de metade do discurso passou pela agora familiar discussão em três partes sobre os principais impulsionadores da inflação: bens básicos, serviços de habitação e serviços básicos não habitacionais
“Como sempre, ele vinculou esta última categoria ao mercado de trabalho. O reequilíbrio do mercado de trabalho registou progressos, mas está incompleto, e as provas de que a tensão no mercado de trabalho já não estão diminuindo também podem exigir uma resposta de política monetária.”
Já o Goldman Sachs destacou a observação do Powell de que o Fomc “procederá com cautela” ao decidir se aumentará ou manterá a taxa básica constante em reuniões futuras. “Entendemos que isto significa que o Fomc não pretende aumentar a taxa na reunião de Setembro. Powell foi ligeiramente mais agressivo do que na conferência de imprensa de julho ao caracterizar os riscos para as perspectivas, dizendo que o Fomc está atento aos sinais de que a economia pode não estar a arrefecer como esperado.”
O banco também comentou que Powell não apresentou opiniões fortes sobre a taxa neutra, mas observou que não se pode identificar com certeza a taxa de juro neutra. “Continuamos a esperar que o Fomc acabe por decidir que é desnecessário um maior aperto da política, tornando o aumento na reunião de julho o último do ciclo.”
Jason England, gerente de Portfólio de Renda Fixa da Janus Henderson, afirmou que, depois de um discurso ‘hawkish’, ao estilo Paul Volker, no Simpósio de Jackson Hole do ano passado, o tom foi menos severo deste ano, embora com inclinação também dura, já que foi destacado que o trabalho em relação à inflação ainda não terminou e que é muito cedo para declarar vitória.
“Powell observou que, embora os dados de inflação tenham sido mais favoráveis recentemente, o processo ainda tem um longo caminho a percorrer, e dois meses de bons dados são apenas o começo”, comentou.
England comentou ainda a mensagem passada por Powell de que a política monetária restritiva é necessária para alcançar o progresso e a intenção do Fed é mantê-la até que esteja confiante de que a inflação está se movendo de forma sustentável para sua meta de 2%. “Ele também deixou claro que 2% é e continuará sendo sua meta, silenciando qualquer conversa de economistas para aumentar a meta.”
Outro ponto destacado no discurso foi sobre o desafio da política monetária daqui para frente, à medida que se aproxima o fim do jogo e a incerteza de identificar a taxa neutra de juros, embora ele tenha afirmado que estão preparados para aumentar ainda mais as taxas, se necessário. “Isso dá continuidade à estratégia de gerenciamento de risco de Powell de se mover mais lentamente, confiando nos resultados reunião a reunião e ponderando a totalidade dos dados à medida que o Fed se aproxima do fim dessa campanha agressiva de aperto.”
Para Danilo Igliori, economista-chefe da Nomad, Powell, como sempre, foi cauteloso ao dizer que as medidas serão tomadas com o devido cuidado, observando a evolução da inflação em conjunto com dados de mercado de trabalho e atividade em geral. “Mas o reconhecimento de que exagerar na dose pode ser tão ruim quanto uma dose fraca demais não deve ser suficiente para dissuadir o mercado de que o cenário base é de juros altos”, comentou.
“A semana se encerra com o reconhecimento de que o dragão da inflação continua vivo. Embora muitos estejam alertando para os riscos de se manter políticas monetárias restritivas por períodos prolongados, ressaltando as dificuldades de se mapear as defasagens dos seus impactos na economia real, a leitura neste momento é uma só: ainda não conseguimos enxergar o final da era dos juros altos”, disse Igliori.