Analistas destacam discurso duro de Lagarde após BCE reduzir ritmo de alta dos juros

Estratégia foi a mesma adotada por Fed, ontem, e BoE, mais cedo, de alertar para a necessidade de elevar as taxas ainda mais

Roberto de Lira

Christine Lagarde, presidente do BCE
Christine Lagarde, presidente do BCE

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O Banco Central Europeu (BCE), o Banco da Inglaterra (BoE) e o Federal Reserve (Fed) decidiram adotar a mesma estratégia: combinaram uma decisão que poderia ser considerada mais branda – a redução no ritmo de alta dos juros – com um comunicado um discurso pós-decisão mais duro, na clara intenção de não permitir leituras pelo mercado de que as autoridades monetária serão complacentes com a alta dos preços, mesmo ao custo de incentivar uma recessão.

Sobre a decisão de hoje do BCE, Francisco Nobre, economista da XP Investimentos, destacou não só a decisão de reduzir a velocidade dos juros de 75 pontos-base (das duas reuniões anteriores) para 50 pontos hoje, mas também a revisão para cima pela equipe do Banco Central das projeções de inflação.

O BCE agora espera que a inflação medida pelo IHPC atinja uma média de 8,4% em 2022, 6,3% em 2023 e 3,4% em 2024 (de estimativas anteriores de 8,1%, 5,5% e 2,3%, respectivamente).

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As projeções médias dos núcleos de inflação também foram revisadas para 3,9% em 2022, 4,2% em 2023 e 2,8% em 2024.

Essa estratégia se assemelha à dotada ontem pelo Fed, que também reduziu o ritmo de cortes e apresentou revisões para cima em suas projeções de inflação do núcleo do PCE: para 2022 aumentou de 4,5% para 4,8%, e, para 2023, de 3,1% para 3,5%.

Sobre a decisão do BCE, Nobre acredita que daqui para a frente, novos aumentos serão necessários para interromper os altos níveis persistentes de inflação e controlar as expectativas.

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Na coletiva pós-decisão, Lagarde chegou a prever, que, de acordo com as informações atuais, a próxima reunião vai exigir a manutenção do ritmo em 0,50% de alta, assim como na próxima, e talvez até na seguinte.

“Ao contrário das reuniões anteriores em que o BCE forneceu muito pouca orientação futura, desta vez informou claramente que as taxas terão de continuar a aumentar ‘significativamente a um ritmo constante’, o que significa que mais aumentos de 50 pontos-base podem ser esperados até que o núcleo da inflação comece a mostrar sinais de desaceleração”, prevê.

Além disso, lembrou, a principal taxa de refinanciamento ainda está atrás do Fed (4,5%) e do BoE (3,5%), o que deve permitir ao BCE divergir seu ritmo de aperto de outros bancos centrais. “Apesar de não haver indicações do nível terminal da taxa de juros, a presidente Lagarde afirmou na coletiva de imprensa que o atual preço de mercado da taxa de juros terminal (em torno de 3%) ‘não permite um retorno da inflação à meta de 2% em tempo hábil’”, afirmou o economista da XP.

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Para ele, isso sugere condições financeiras consideravelmente mais apertadas no futuro. “Acreditamos que a avaliação da taxa terminal apropriada dependerá em grande parte dos desenvolvimentos geopolíticos futuros e dos efeitos subjacentes nos próximos dados de inflação”, disse.

Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, disse que a redução do ritmo de altas ocorre num momento em que, na margem, a inflação dá sinais de ter atingido o seu pico, mas que ainda é cedo para afirmar que essa tendência deve continuar.

“O BCE deixou claro que irá acompanhar o estado da economia e as próximos decisões serão debatidas reunião a reunião. Em relação à atividade econômica, as projeções da autoridade monetária mostram que a recessão poderá ser relativamente rasa e de curta duração”, destacou. “Nossa expectativa é de que a Zona do Euro passe por uma recessão em 2023 e terá mais dificuldades de sair de uma crise do que EUA e China”, alertou.

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O presidente do Banco da Inglaterra manteve a mesma conduta de Jerome Powell (Fed) e de Christine Lagarde (BCE), ao destacar em sua coletiva sobre a decisão do BoE de reduzir o ritmo de lata para 50 pontos-base que o risco de um mercado de trabalho ainda forte pode impedir que a inflação recue significativamente.

“Esperamos que a inflação comece a cair mais rapidamente, provavelmente a partir do final da primavera. Mas existe o risco de não acontecer dessa forma, até porque o mercado de trabalho e a oferta de trabalho neste país estão muito apertados. E é por isso que, realmente, tivemos que aumentar as taxas de juros hoje, porque vemos esse risco como realmente bastante pronunciado”, disse em entrevista.

A situação lá é um tanto diferenciada, comentou ao The Wall Street Journal David Coombs, diretor de investimentos em ativos múltiplos da gestora de fundos britânica Rathbones. “A economia do Reino Unido já está sob mais pressão do que os EUA e a EU.  O Reino Unido tem pressões sobre a inflação semelhantes às da Europa. No entanto, é  uma economia própria e é muito sensível às taxas de juros em termos do mercado de hipotecas”, disse.