Analistas acham difícil que alta da produção industrial em março represente reversão de tendência

Crescimento de 1,1% apenas recupera perdas dos últimos meses; projeções apontam para indústria ainda patinando em 2023

Roberto de Lira

(Shutterstock)
(Shutterstock)

Publicidade

Apesar do resultado positivo da produção industrial em março, com registro pelo IBGE de alta de 1,1% ante fevereiro, os analistas ainda não enxergam sinais de que esse desempenho possa representar uma reversão na tendência de estagnação da atividade. Os especialistas alertam que o dado veio após duas queda seguidas e também que o desempenho tem sido heterogêneo, variando entre os setores.

O resultado veio em linha com as projeções do Banco Original, que destaca a alta no mês da indústria de transformação (1,4%) e a queda da indústria extrativa (-0,1%).  “O resultado não é uma tendência, mas sim uma recuperação após leituras fracas. A indústria é o setor da atividade econômica que mais sofre e o único que ainda está em nível bem abaixo do período pré-pandêmico (-1,3%)”, comentam os economistas Marco Caruso e Igor Cadilhac.

Eles destaca, sob ótica das categorias, que os bens de capital avançaram consideravelmente em março. “Analisando estes dados em conjunto com os insumos típicos para a construção civil, que também expandiram, percebemos que o desempenho da ‘proxy’ do PIB de investimentos vem apresentando uma melhora na ponta”, afirmam

Para 2023, o Original projeta uma queda de 0,9% da produção industrial brasileira. Esse desempenho, afirmam Caruso e Cadilhac, vai refletir o cenário de economia global com baixo crescimento, o que traz redução dos preços de commodities e consequente perda para as exportações. Além disso, os juros altos e o alto comprometimento de renda das famílias são ruins para consumo de bens de maior valor agregado e dependentes de crédito.

Ele colocam como ponto de alerta extra a recente quebra de alguns bancos regionais nos Estados Unidos, que tem gerado um temor de risco de recessão local.

Dois pontos que podem pesar a favor do setor são a atuação governamental, com medidas direcionadas à infraestrutura nacional, e a melhor perspectiva para a China, forte demandante das commodities brasileiras.

Continua depois da publicidade

A XP Investimentos também faz a ressalva que, a apesar do avanço em março, a produção industrial ficou estável no primeiro trimestre de 2023 (0% ante o trimestre anterior e -0,4% ante o mesmo trimestre do ano passado) e que esse é o quarto resultado fraco na comparação trimestral.

Na distribuição setorial, onde 16 das 25 atividades industriais cresceram na comparação mensal, a XP destaca as evoluções mensais de Máquinas e Equipamentos (5,1%) e de Outros Equipamentos de Transporte (4,8%), que levaram a uma expansão mais acentuada do que o esperado na produção de Bens de Capital (6,3%).

Mesmo esse bom resultado não aponta para uma trajetória de alta consistente nos próximos meses, segundo a XP. “De fato, a produção de bens de capital caiu 1,8% no primeiro trimestre, apesar do movimento positivo em março”, pondera o relatório.

Continua depois da publicidade

Pelos cálculos da XP, o carregamento estatístico (carry-over) para a produção industrial do segundo trimestre foi de 0,7% e, ainda assim a estimativa preliminar para abril é de uma queda de 0,8% na comparação mensal e de 2,1% na anual.

Para o Santander Brasil, março representou um mês de recuperação para a produção industrial. “A quebra mostra um impacto positivo da manufatura após três contrações consecutivas, enquanto a mineração permaneceu praticamente estável contratada mais uma vez. O índice de difusão manteve-se próximo ao nível de fevereiro, e as contribuições negativas foram relativamente pequenas”, diz relatório assinado por Gabriel Couto.

Mirella Hirakawa, economista sênior da AZ Quest, também afirma que a composição do indicador de março chamou a atenção tanto pela alta de bens de capital, com pelo avanço dos bens industriais.

Continua depois da publicidade

Para André Kitahara, outro economista da AZ Quest, lembra que o mercado tinha uma precificava um risco de desaceleração acentuada de atividade, flertando com estagnação econômica no ano e que, aos poucos, esse risco parece estar sendo afastado.

O desempenho superior da produção industrial e as revisões da série histórica recentes fizeram o carregamento estatístico sair de -0,9% um mês antes para +0,3% agora, nos cálculos da AZ Quest. Se a tendência permanecer, isso atribuir um viés altista para as projeções.

Mirella diz que a projeção atual para o PIB industrial é estável (0,0%), mas agora com um viés altista. Para o PIB, a estimativa está em 0,5% em 2023, mas com possibilidade de avançar para 0,7% caso o PIB agrícola sofre revisão de alto, algo provável de acontecer.

Continua depois da publicidade

A economista destaca ainda que a AZ Quest faz um acompanhamento de gargalos e que continua a ver um patamar baixo da produção dos setores relacionados ao vestuário, assim como na produção de veículos. “Por outro lado, a produção de bens de informática e eletrônicos começa a se recuperar. Então, podemos ter algum alívio vindo daí”, comenta.

Sobre o desempenho da produção industrial em abril, Mirella lembra que dois indicadores antecedentes vieram mistos. A Anfavea, mostrou queda de 2,4% na comparação mensal, vindo de alta de 13,4%. E a Sondagem da Indústria teve alta de 0,1 ponto na margem ante março (+2,4%).

João Savignon, Head de Pesquisa Macroeconômica da Kínitro Capital, destaca que a heterogeneidade da recuperação do segmento industrial segue relevante. “Dos 25 setores, 17 seguem abaixo dos níveis pré-pandemia”, comenta. A indústria como um todo segue 1,3% abaixo do nível anterior à crise sanitária e 17,9% aquém do nível recorde de maio de 2011.

Continua depois da publicidade

Para ele, o dado de março veio positivo, mas apenas recuperando as perdas nos meses de janeiro e fevereiro. “O resultado de hoje reforça a percepção de um desempenho fraco da indústria para o ano, mesmo tendo ficado de lado no primeiro trimestre”, diz.

“Os desafios para o setor industrial seguem inalterados, com uma conjuntura econômica local e internacional desafiadora, especialmente no que diz respeito à perspectiva de redução da demanda, manutenção dos juros elevados e incertezas com as políticas econômicas do novo governo.”