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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passará a ter em 2025 um nome com quem tem relação direta no comando do Banco Central dois anos após assumir seu terceiro mandato reclamando de ter que conviver com uma pessoa escolhido para o cargo por seu antecessor, Jair Bolsonaro.
Se a nomeação de Gabriel Galípolo era amplamente esperada, o futuro da política monetária sob seu comando ainda é, para muitos, uma incógnita.
Atual diretor de Política Monetária do BC e ex-número 2 do Ministério da Fazenda, o economista de 42 anos é visto como heterodoxo por seus pares, formado pela PUC-SP, com mestrado em economia política pela mesma instituição.
Sua chegada à autoridade monetária em julho do ano passado levantou desconfianças por muitos no mercado que, reservadamente, apontavam sua falta de bagagem técnica para a função.
De lá para cá, contudo, economistas passaram a engrossar o coro dos que, senão se dobraram à sua atuação, abertamente já o consideravam a melhor opção para comandar o BC por seu perfil notadamente conciliador e trânsito reconhecido com um presidente que fez da batalha verborrágica contra o BC uma de suas bandeiras públicas.
Em comentários que azedaram os mercados, Lula defendeu uma meta de inflação mais alta por meses no ano passado, mas acabou sendo convencido a apoiar sua manutenção em 3% num horizonte contínuo, solução cuja construção teve a participação de Galípolo.
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Insatisfeito com o nível dos juros básicos, atualmente em 10,50%, Lula também fez reiterados ataques ao atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, demonstrando desconforto por, diante de lei de autonomia do banco central de 2021, só ver seu escolhido para chefiar a instituição tomar posse após transcorrida metade de seu mandato, uma situação inédita na política brasileira.
Mas, às vésperas da indicação de Galípolo, a quem já tinha se referido como “menino de ouro,” Lula chegou a dizer, sobre o eventual indicado que “na hora que tiver que reduzir a taxa de juros, ele vai ter que ter coragem de dizer que vai reduzir, na hora que precisar aumentar, ele vai ter que ter a mesma coragem e dizer que vai aumentar”.
A inflexão chamou atenção e coincidiu com um protagonismo assumido por Galípolo em falas públicas, quando ressaltou que um aumento dos juros estava à mesa para a próxima decisão de política monetária em setembro diante de um cenário desconfortável para a inflação.
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A postura deu alívio a preços de ativos de risco, que vinham sendo afetados pela percepção que, uma vez que Lula tivesse a maioria dos seus indicados no comitê de política monetária, a partir do ano que vem, o BC seria mais leniente com a inflação.
“A iniciativa do Galípolo de ser mais hawkish (visão mais dura para a política monetária) demonstrou uma coragem e ou capacidade de convencimento do presidente da República bastante surpreendente, o que foi bom,” disse um agente do mercado, falando em anonimato devido à sensibilidade do tema.
“Meu medo nessa história toda é não estar assim combinado”, acrescentou.
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Uma segunda fonte ponderou que Galípolo está “evoluindo rápido” dentro do BC e parece ter se alinhado à postura essencialmente técnica da instituição, ainda que “muita coisa ainda esteja para acontecer”.
Diferentes mares
Considerado habilidoso no relacionamento interpessoal e bom ouvinte, Galípolo atuou anteriormente como assessor econômico do governo do estado de São Paulo sob o comando do então governador José Serra (PSDB), familiarizou-se com os mercados financeiros como CEO do Banco Fator e fundou uma consultoria especializada em parcerias público-privadas.
Afeito a elogiar publicamente seus interlocutores, ele arregimentou boa vontade no Congresso — que precisa aprovar sua indicação para chefiar o BC — ainda no Ministério da Fazenda, quando ajudou o ministro Fernando Haddad, de quem foi secretário-executivo, a obter importantes vitórias na agenda fiscal, como a aprovação do novo arcabouço para as contas públicas.
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“É bom nome, já foi sabatinado aqui, tudo tranquilo, pessoal gostou dele,” disse o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, colegiado que precisa referendar a indicação antes de ela ir ao plenário da Casa.
Galípolo participou, já como diretor de Política Monetária da autarquia, de várias reuniões fora da agenda no gabinete do ministério da Fazenda em São Paulo, pegando carona em voos da Força Aérea Brasileira com o ministro.
“Ele é uma pessoa que conversa, e conversar significa falar e ouvir,” disse um interlocutor de Galípolo, apontando que há má vontade ideológica em lançar suspeitas sobre o que seria seu comando no BC pelo fato de “o mercado ver fantasmas em tudo que é diferente do que prefere”.
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Câmbio
Uma das áreas em relação às quais os holofotes estarão lançados com mais força no ano que vem, quando o BC terá sete de nove diretores escolhidos por Lula, deverá ser a política cambial, cuja volatilidade é foco de críticas contumazes de economistas ligados ao PT de Lula.
Fora da vida pública, Galípolo construiu uma relação direta com o presidente a partir de 2021, sob as bençãos de Luiz Gonzaga Belluzzo, conselheiro de Lula e professor de Economia na Unicamp, instituição conhecida pela influência do pensamento heterodoxo.
Em um dos três livros que escreveram juntos, “Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo”, ambos criticaram a facilidade com que empresas transnacionais fazem arbitragem com juros e câmbio, com subsidiárias contraindo dívidas a juros baixos nos países das matrizes, e ganhando com a aplicação alavancada desses recursos a juros brasileiros, “travestindo o investimento em renda fixa com a fantasia do investimento direto”.
“O Banco Central do Brasil assegura que em Pindorama os controles são eficientes. Eu acredito, canta a torcida do Galo Mineiro,” acrescentou o livro, em referência irônica ao cântico da torcida brasileira de futebol para situações difíceis.
Contudo, na posição de diretor de política monetária, responsável pela importante mesa de câmbio, Galípolo não implementou nenhuma mudança de política cambial no BC, que não interveio no mercado em meio à intensa volatilidade recente do real, afirmando que não foram identificadas disfuncionalidades e que via intervenções sendo tomadas por decisões colegiadas.
O BC tampouco mudou, até aqui, os prazos dos tradicionais leilões de swap cambial, mesmo com o governo tendo formalizado em abril que a autoridade monetária teria aval formal para oferta de swaps em prazos mais longos.
No ano, o dólar já subiu mais de 14% sobre o real.
Belluzzo ponderou à Reuters que países com moedas mais fracas que o dólar têm sofrido no mundo inteiro, mas que é preciso encontrar “fórmulas e meios de amortecer essa instabilidade,” e que “dá para você se defender com swaps“.
Sobre a gestão de Galípolo à frente do BC, afirmou que ele certamente vai dar um outro tom ao comportamento da autarquia enquanto instituição pública.
“Última coisa que você pode esperar dele é um gesto egótico, individualista,” disse.