“Um conselho sem diversidade é como uma empresa tocada apenas por um CFO”, diz conselheira de cinco companhias

Para Ana Paula Pessoa, a diversidade nos conselhos faz parte da evolução e amadurecimento das empresas

Letícia Toledo

Ana Paula Pessoa (Divulgação)
Ana Paula Pessoa (Divulgação)

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SÃO PAULO – É um daqueles casos ainda raros entre as mulheres brasileiras. A executiva Ana Paula Pessoa acumula em seu currículo a atuação em mais de dez conselhos de administração de grandes empresas do país e do exterior.

Atualmente, apenas 11,5% dos cargos em conselhos de administração de empresas brasileiras de capital aberto são ocupados por mulheres, segundo dados do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). A média mundial é de 23,8%.

“O Brasil ainda está atrasado. Tem avançado muito no tema da diversidade, mas precisamos fazer mais”, afirma Ana Paula em entrevista ao Do Zero ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney.

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Ela começou a atuar como conselheira na década de 1990 e atualmente é membro do conselho global do banco Credit Suisse, em Zurique; da News Corporation, dona do The Wall Street Journal, em Nova York; e do Grupo Vinci, focado em concessões e em obras de infraestrutura, em Paris. No Brasil, integra o conselho da fabricante de papel e celulose Suzano e do grupo Cosan, dono de marcas como Raízen, Compass e Rumo.

Para Ana Paula, a diversidade nos conselhos faz parte da evolução e amadurecimento das empresas. Para acelerar esse processo, ela lançou o programa Conselheira 101 no ano passado. Juntamente com nomes como Lisiane Lemos, gerente de novos negócios no Google Brasil, e Marienne Coutinho, sócia da KPMG no Brasil, criou o projeto para incentivar a presença de mulheres negras em conselhos de administração.

Na primeira turma do Conselheira 101 foram selecionadas 20 mulheres com experiência corporativa mínima de 15 anos para participar de encontros sobre governança, dinâmicas de conselhos e ampliar suas redes de contatos.

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“Antigamente os conselhos eram formados apenas por homens, que eram CEOs, CFOs ou sócios da empresa. Hoje em dia você tem perfis diferentes. Ter apenas homens brancos no conselho é como tocar uma empresa só com CFO(…). Um conselheiro não vai atuar em uma área específica, claro, mas traz ângulos e visões diferentes, principalmente se tiver um histórico diverso”, afirma.

Confira os principais trechos da entrevista a seguir.

Do Zero ao Topo (ZAT) –  Quais foram as suas primeiras experiências em conselhos de empresas?

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Ana Paula Pessoa – Eu era executiva na Globopar, holding da Globo, nos anos 90. Comecei em conselho representando a Globo em parcerias que ela tinha. É um papel diferente do que tenho hoje, como conselheira independente. Eu representava os interesses da Globo, mas também olhava a viabilidade e o crescimento do negócio.

No início dos anos 2000, eu era diretora financeira da Infoglobo e fui para o conselho do Zap [empresa de venda de imóveis] e do Valor Econômico.

A primeira experiência como conselheira independente foi na News Corporation, em 2013. Eu havia tido contato com eles na época da Globo e mantive esse contato. Na época em que me convidaram, eu já não estava mais em uma empresa de mídia, atuava no setor de tecnologia e em uma companhia 100% brasileiras. Mas eu procurava sempre olhar o que estava acontecendo no mercado e na indústria [de mídia] e eles me procuraram. O meu conselho para quem quer participar de conselho é que mantenha sempre contato com pessoas interessantes e que agregam. Faça conexões, elas têm valor.

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ZAT – O que acredita ser o mais interessante na atuação como conselheira?

AP – Eu sou muito operacional, adoro entrar no detalhe dos negócios, mas o interessante do conselho é que você ganha uma distância e consegue ver problemas e possibilidades que quem está no dia a dia não consegue enxergar.

ZAT – Há outras mulheres nesses conselhos internacionais em que você atua? Como é a diversidade?

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AP – No Credit Suisse fui a terceira mulher a entrar. Na News Corp somos três mulheres entre os seis conselheiros independentes. Cada um é de um lugar diferente do mundo, é muito diverso, inclusive em viés político. A mesma coisa no conselho da Vinci, lá somos em seis nacionalidades. Na França há uma lei em que o conselho precisa ter pelo menos 40% de mulheres, a Vinci ultrapassou a cota e hoje tem mais mulheres do que homens.

Toda empresa que tem mulheres no conselho acaba tendo mais diversidade também em cargos executivos. Isso porque, quando há mulher no conselho, sempre existe uma pergunta: “Para essa posição de diretor… Por que não está sendo indicada uma mulher?”

ZAT – Você foi conselheira de companhias internacionais e só depois de muitos anos, em 2019, se tornou conselheira independente de brasileiras. As empresas brasileiras estão atrasadas na discussão da diversidade no conselho?

AP – Para mim é dúvida zero de que estamos atrasados, mas não é apenas em conselho. É um problema estrutural. Até o momento do mercado aberto no Brasil é outro e estamos atrás. Existe uma evolução natural do mercado e existe também a necessidade de acordar para essa questão de diversidade. Essa preocupação vem aumentando rapidamente. Várias empresas estão se preocupando e se adequando. Ainda temos entre 10% e 12% de mulheres no conselho, o que é muito pouco, mas temos visto um aumento.

ZAT – As ações já anunciadas por empresas são suficientes para acabar com esse atraso?

AP – O movimento está crescendo, melhorando, mas precisa ser mais rápido e mais amplo. As empresas ainda estão muito focadas no resultado financeiro. Alguns investidores estão proativamente limitando investimentos em empresas que não se adequem às questões do ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês). As empresas estão mudando aos poucos e os investidores precisam cobrar.

Antigamente, os conselhos eram formados apenas por homens, que eram CEOs, CFOs ou sócios da empresa. Hoje em dia você tem perfis diferentes. Ter apenas homens brancos no conselho é como tocar uma empresa só com CFO,. Isso não existe, você precisa ter diretor de marketing, de rh, comercial, de tecnologia. Um conselheiro não vai atuar em uma área específica, claro, mas traz ângulos e visões diferentes, principalmente se tiver um histórico diverso. Falta diversidade regional também, a maioria [dos conselheiros] no Brasil vem do sudeste. Como pode uma empresa que atua no Brasil inteiro só ter gente do sudeste?

As empresas globais em que estou querem que eu tenha um ângulo diferente, querem que eu traga a visão de mercado da América do Sul, do Brasil. Elas não querem que eu replique o que elas estão pensando. As empresas brasileiras precisam pensar exatamente nisso.

ZAT – Quando questionados sobre a falta de diversidade em conselhos, muitos conselheiros e executivos dizem que não há mulher, pessoas negras e outras minorias preparadas para entrar em conselhos. Como você vê isso?

AP – Com certeza tem muita gente preparada. No Conselheira 101, em que trabalhamos especificamente com as mulheres negras, a gente fez no ano passado a primeira turma durante a pandemia. Eu descobri 20 mulheres incríveis, várias das quais poderiam estar em qualquer conselho, e que não faziam parte do meu network [rede de contatos], assim como eu não fazia parte do network dos homens executivos.

São mulheres que eu simplesmente desconhecia e que headhunters desconheciam. Então, o que a gente está tentando fazer é torná-las conhecidas.

A gente fez um curso para conversar mais sobre governança, mostrar os riscos e ganhos, a diferença entre modelos de empresas e também fizemos networking.

Tem muito essa questão do network. A gente só conseguiu chegar até essas 20 mulheres incríveis porque parte das organizadoras do Conselheira 101 são negras.

Muitas mulheres não conseguem fazer parte do network de homens porque possuem uma tripla jornada, com casa, filhos e trabalho. É muito difícil participar de happy hour e outros encontros sociais noturnos. Por isso muitas mulheres acabam construindo seu network em cafés da manhã, depois de levar o filho para a escola, juntamente com outras mulheres.

Para as mulheres também é importante sempre fazer network com homens. Eu sempre fiz questão disso.

ZAT – O que executivos e empresas que querem trazer mais diversidade, mas esbarram no discurso da falta de minorias qualificadas devem fazer?

AP – Primeiro, as mulheres quando estão no conselho precisam defender essa causa, precisam estender a mão para ajudar outras a subir.

Claro que existe uma lacuna educacional entre pessoas que estudaram em escolas privadas ou universidades públicas e tem maior preparação. Nestes casos, é preciso ajudar proativamente. O RH precisa entender as diferentes realidades e preparar as pessoas.

Todo mundo que entra em uma nova organização precisa ter uma preparação. Todo mundo tem o momento de aprendizado. Se o funcionário é alinhado com a cultura da empresa mas não tem inglês, por exemplo, é possível fornecer curso de inglês. É mais fácil fazer esse treinamento do que tentar encaixar um profissional com currículo preparado, mas sem o ajuste cultural.

Eu digo que as empresas contratam por currículo e mandam embora por atitude. É um desalinhamento com a cultura da empresa. A cultura você não consegue ver no currículo, então a contratação não pode ser baseada apenas nele.

Letícia Toledo

Repórter especial do InfoMoney, cobre grandes empresas de capital aberto e fechado. É apresentadora e roteirista do podcast Do Zero ao Topo.