Startup de inteligência artificial para indústria vale R$ 320 milhões – e conquista o fundador da Locaweb e a TOTVS

Tractian captou aporte de R$ 80 milhões com gestora americana Next47, com fundo de corporate venture da TOTVS e com Gilberto Mautner, cofundador da Locaweb

Mariana Fonseca

Gabriel Lameirinhas e Igor Marinelli, cofundadores da Tractian (Divulgação)
Gabriel Lameirinhas e Igor Marinelli, cofundadores da Tractian (Divulgação)

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Os empreendedores Gabriel Lameirinhas e Igor Marinelli criaram um negócio para conectar 90 milhões de equipamentos com a internet. Mas a startup da dupla não está olhando para celulares ou computadores. A Tractian tem como alvo máquinas de diversas indústrias, da aeronáutica até o agronegócio. Em troca dessa digitalização dos seus equipamentos, as companhias do setor podem detectar falhas antes mesmo que elas aconteçam.

A tecnologia proprietária da Tractian, que vai da inteligência artificial até os sensores dotados de internet das coisas (IoT), atraiu agora uma gestora internacional de investimentos e executivos de grandes companhias brasileiras de tecnologia. A startup anunciou nesta terça-feira (17) uma rodada de R$ 80 milhões.

O aporte série A foi liderado pela Next47, gestora americana que já investiu em negócios como a empresa aberta de infraestrutura para veículos elétricos ChargePoint e a startup de computação visual DeepScale, adquirida pela Tesla. Este foi o primeiro investimento da Next47 em uma startup da América Latina.

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Acompanharam a rodada Gilberto Mautner, cofundador da empresa brasileira de hospedagem de domínios Locaweb (LWSA3), e a gigante de softwares de gestão empresarial TOTVS (TOTS3), por meio de seu fundo de corporate venture capital de R$ 300 milhões.

A rodada precificou a Tractian em um valor de mercado de R$ 320 milhões. “Tivemos conversas com investidores brasileiros em que eles mostravam aversão a construir uma tecnologia proprietária e defendiam que era melhor comprar da China, envelopar e vender. Essa nova captação mostra que nossa tese de investir pesado em hardware estava certa. A Next47 vai nos ajudar em nossa expansão de produtos e de geografias”, afirmou Igor Marinelli, cofundador da Tractian, em entrevista ao Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney.

Marinelli e Gabriel Lameirinhas começaram a operação da Tractian em abril de 2020. Seus pais trabalham em plantas industriais e citavam a falta de manutenção como um problema constante. Os colegas de engenharia da computação já tinham tentado criar outros empreendimentos, como a plataforma de financiamento coletivo sem fins lucrativos Somos Todos Heróis e a startup de predição de doenças crônicas Blue.

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Como engenheiro de software na empresa de papel e celulose Klabin, Marinelli desenvolveu um protótipo para prever quando uma máquina ia quebrar. “Além dessa experiência na Klabin, uma extensão da graduação em engenharia da computação na Califórnia também abriu meus olhos. Vi startups de hardware que inclusive viraram unicórnios, um feito que não é comum no Brasil”, afirmou o cofundador em uma conversa anterior com o Do Zero Ao Topo. Uma inspiração da Tractian é a Uptake, startup americana que desenvolve uma plataforma de análise preditiva para prevenir falhas em processos produtivos. O negócio captou US$ 218 milhões com investidores, segundo a base de dados Crunchbase.

“Nunca caímos no ‘conto da indústria 4.0’. Os representantes de máquinas industriais não sabiam nos responder como o sistema conseguia fazer predições, as soluções vendidas eram um placebo. Era um problema não apenas no setor de papelaria, mas para setores industriais em geral. Eu e o Gabriel [Lameirinhas] pedimos demissão e fundamos a Tractian”, completou Marinelli.

A Tractian é uma evolução daquele protótipo da Klabin, entregando previsibilidade e rastreabilidade de manutenção para mais de 200 clientes industriais, como Bosch, Danone, Embraer e Hyundai.

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A startup instala sensores que medem temperatura, vibração, rotações por minuto e horas trabalhadas em bombas hidráulicas, compressores e motores – alguns clientes ultrapassam 800 equipamentos monitorados. Sua plataforma para celular e computador acompanha esses sensores em tempo real e alerta para falhas mecânicas e elétricas. A tomada de decisão vem de uma tecnologia proprietária de inteligência artificial da Tractian, que faz a análise de dados de problemas anteriores, realiza simulações e propõe soluções para evitar ocorrências similares. A startup prevê problemas como consumo exagerado de energia, desbalanceamento, desligamento inesperado e falta de lubrificação com 89% a 95% de assertividade.

“Tradicionalmente, o funcionário descobre que uma máquina quebrou, anota em um papel, vê se a peça para conserto está no almoxarifado e pode esperar semanas para receber esse material e realizar o conserto. As empresas conseguem antecipar em média apenas 30% das falhas. Já a gente nem deixa a máquina quebrar. Alertamos o funcionário por aplicativo que existe uma folga mecânica e isso vai levar a uma falha programada, por exemplo. Ele consulta no próprio app se a peça de substituição está no almoxarifado e, se não estiver, já a solicita”, explicou Marinelli.

Sensor da startup Tractian (Divulgação)
Sensor da startup Tractian (Divulgação)

Recentemente, a Tractian também lançou um sistema para gerir rotinas de trabalho no chão de fábrica, entrando na concorrência pelo melhor ERP. “A dor principal era quebra por falha mecânica, e depois recebemos as demandas de falha elétrica e organização da rotina. As indústrias gastam duas ou três horas por dia subindo ordens de serviço, que precisam ser integradas com o almoxarifado. É um processo muito específico para softwares como Asana, Pipefy ou Trello. Gigantes como SAP têm bons sistemas de gestão de rotina para a controladoria dessas indústrias, mas eles não são tão práticos quanto o nosso aplicativo para o pessoal no chão de fábrica”, afirmou Lameirinhas.

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A Tractian cresceu o número de indústrias atendidas em quatro vezes ao longo dos últimos doze meses. O faturamento cresceu cinco vezes no mesmo período, porque alguns clientes contrataram mais soluções ou aumentaram o número de equipamentos monitorados (cross-sell e up-sell). A startup se monetiza por uma mensalidade que depende dessas duas variáveis. Os valores por mês podem ir de R$ 3 mil até mais de R$ 50 mil.

A startup já tinha captado um aporte pré-semente de R$ 3 milhões e um aporte semente de R$ 17 milhões. Investidores dessas rodadas acompanharam a atual rodada série A, como a aceleradora americana Y Combinator; o family office de grupos do setor industrial Citrino; e a gestora DGF Investimentos, que investiu em negócios como RD Station.

“As tecnologias de inteligência artificial e computação em nuvem começaram a ser adotadas primeiro, por motivos compreensíveis, no mundo dos softwares de gestão. Com o advento de IoT, estamos apenas no começo de uma grande transformação na indústria”, afirmou Mautner ao Do Zero Ao Topo. “Acredito que mais modelos de negócio se viabilizarão no futuro, e a Tractian está preparada para capitalizar novas oportunidades que certamente surgirão. (…) A Tractian é um raro exemplo em que se juntam um produto verdadeiramente inovador e disruptivo, um empreendedor extremamente capaz e um modelo de negócios sustentável e escalável”.

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O cofundador da Locaweb investiu na pessoa física, apesar de fazer parte do comitê de fusões e aquisições da empresa e ela ter começado seu próprio corporate venture capital, assim como a TOTVS. Mautner e Claudio Gora, outro cofundador da Locaweb, também criaram a Mago Capital. A gestora explora oportunidades para além do mercado de hospedagens de sites, e já aportou recursos em 18 fundos de venture capital. Confira a história da Locaweb nesta entrevista profunda de Mautner ao podcast do Do Zero Ao Topo:

A Tractian usará os novos R$ 80 milhões para criar outras soluções com base em seus sensores e para expandir geograficamente. A startup começou a operar em janeiro deste ano no México, por demanda dos próprios clientes. Até o final deste ano, pretende abrir um escritório em Atlanta (Estados Unidos). Por fim, estuda aquisições ou aportes minoritários em empresas do mesmo ramo.

Para os próximos doze meses, o objetivo da startup é triplicar o número de clientes atendidos e, mais uma vez, quintuplicar o faturamento. Lameirinhas e Marinelli apostam num futuro em que aquelas 90 milhões de máquinas brasileiras estejam digitalizadas – e os executivos da Locaweb e da TOTVS concordam.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.