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O GetNinjas (NINJ3) se transformou em uma empresa negociada na Bolsa de Valores no começo de 2021, durante uma semana muito difícil para as empresas de tecnologia na B3. O momento atual está novamente difícil para as techs brasileiras: as públicas enfrentam desvalorização há meses, enquanto a correção está começando a chegar para as privadas.
E ninguém sabe dizer quando essas empresas vão voltar a se valorizar, na visão de Eduardo L’Hotellier, fundador e CEO do GetNinjas. “A pergunta do milhão é: o movimento de recuperação da valorização das empresas de tecnologia vai acontecer em um mês, um trimestre, um ano ou mais?”, questionou durante entrevista ao Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney.
O GetNinjas é uma das techs que mais espera essa recuperação. O valor de mercado do GetNinjas era de R$ 1,02 bilhão na época de sua abertura de capital. Desse montante, L’Hotellier costuma ressaltar que R$ 320 milhões era o que a companhia tinha em caixa e R$ 700 milhões era o valor real que investidores viam no negócio. Hoje, o GetNinjas tem um valor de mercado de R$ 200 milhões. Com isso, a empresa é negociada por uma quantia menor do que o seu caixa, atualmente em R$ 290 milhões.
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Para L’Hotellier, a desvalorização se atribui a um “efeito manada” desencadeado por altas taxas de juros e procura por ativos menos arriscados diante de incertezas econômicas e políticas. “O preço é formado por oferta e demanda, e a visão macroeconômica acaba afetando negócios que têm pouca gente comprando e vendendo. O ‘efeito manada’ pode fazer a ação subir ou cair muito. Nossa percepção é de que o sofrimento do GetNinjas e dessas outras empresas é muito mais relacionado a esse ‘efeito manada’ do que aos negócios em si. (…) A gente acredita que o GetNinjas vale mais do que zero, e muito mais do que R$ 90 milhões negativo.”
Na entrevista ao Do Zero Ao Topo, L’Hotellier também falou sobre a maré alta e a maré baixa dos IPOs; sobre o perfil do investidor brasileiro e do investidor em tecnologia; e sobre a correção nas techs de capital fechado. “Nesse último ano, teve muito empreendedor de unicórnio que postergou rodada porque não queria marcar para baixo sua avaliação. (….) Mas a conta chega em alguma hora, o empreendedor vai precisar do capital para dar o próximo passo”.
Veja os principais trechos da entrevista com Eduardo L’Hotellier, fundador e CEO do GetNinjas:
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Do Zero Ao Topo – Lá em maio de 2021, por que o GetNinjas decidiu pelo IPO?
Eduardo L’Hotellier – O GetNinjas é uma empresa de tecnologia e, como diversas empresas de tecnologia do mundo, precisa de um investimento inicial para desenvolver a plataforma, trazer usuários e criar um efeito de rede. São negócios que consomem muito capital nos seus primeiros anos. Uma forma de acelerar o crescimento em um mercado super competitivo é fazer captações privadas e públicas. O objetivo é investir esse o dinheiro no presente, criar uma empresa maior e auferir uma geração de caixa também maior no futuro. É algo que acontece há muitos anos nos Estados Unidos e no Brasil.
Em um processo de captação privada no ano passado, percebemos o interesse de investidores em ações da companhia. Esses investidores buscavam companhias de alto crescimento em um mundo que já havia presenciado a pandemia. Tivemos um recorde de IPOs nos Estados Unidos e no Brasil – ainda com uma presença pequena de tecnologia por aqui, porque é um mercado ainda nascente no país.
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O que levou muitos desses IPOs a acontecerem foi um cenário de juros muito baixos, o que fez com que investidores tomassem mais riscos e aceitassem esperar mais para alcançar retornos com maiores valorizações. As companhias de tecnologia são empresas que dão prejuízo no presente para gerar muito mais lucro no futuro. Foi nesse contexto que tivemos uma captação bem-sucedida.
Conheça a história de mais de dez anos do GetNinjas – desde o começo do negócio e as viradas feitas ao longo dos anos até o difícil processo de fazer um IPO, e lidar com as expectativas dos analistas e investidores depois:
Tanto nacional quanto internacionalmente, estamos vendo neste momento uma disparada na taxa básica de juros e um cenário instável na economia e na política. Você acha que esse cenário tira a disposição do investidor médio de enfrentar a realidade de negócios que precisam gastar dinheiro para crescer e só então distribuir resultado?
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Tira. Vale lembrar que boa parte dos IPOs tem como objetivo levar capitalização para a empresa naquele momento. Seja para investimentos em marketing e tecnologia, como no GetNinjas, ou em capex, como maquinário e ativos imobiliário. Salvo para empresas que estão reestruturando dívidas, todo IPO tem esse componente de futuro maior do que o presente, especialmente nas empresas de tecnologia.
Com o aumento da taxa de juros, o investidor médio pensa: “por que eu vou tomar risco nesse tipo de empresa, se eu posso ter uma renda fixa pagando 12% a 13% ao ano?”. A queda que tivemos na Bolsa de Valores foi muito relacionada a esse aumento de juros. Não parece que caiu tanto olhando o índice [Ibovespa], porque ele é puxado por Petrobras e Vale. Por conta da situação entre Ucrânia e Rússia, as commodities receberam maior fluxo de capital e dispararam. Se você tirar essa classe de empresas, a maioria das companhias perdeu parte de sua capitalização.
O investidor gira seu portfólio e busca investimentos mais previsíveis neste momento. Para comprar Petrobras, precisa vender o papel de outra companhia. O balanço entre oferta e demanda pela ação dessa outra companhia mudou, ainda que o fundamento e o prognóstico da empresa não tenham mudado. E o preço do papel cai. Isso pode ser um risco para alguns investidores, mas para outros é oportunidade. Se o preço caiu apenas por substituição, não é um bom momento de estar na ponta contrária e comprar o mesmo papel por 80% menos do que ele valia a um ano? Vale uma análise caso a caso.
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O investidor brasileiro já tem maturidade para investir em uma startup na Bolsa de Valores? Ou seja, para encarar resultado negativo atrás de negativo, e que a distribuição de dividendos só vai acontecer daqui muitos anos?
Nosso país tem o rentismo e a segurança como cultura, e consequentemente uma grande aversão ao risco. Estamos aprendendo: temos investidores na nossa base que viram que quem investiu em tecnologia na última década teve o melhor resultado.
Porém, neste exato momento, o mercado inclusive lá fora não está ajudando. A Netflix foi o exemplo mais recente de empresa de tecnologia que sofreu. Vale lembrar que Netflix caiu quase 70% no último ano, mas cresceu cerca de 2.000% desde que abriu capital em 2002. O negócio gerou um valor extraordinário se você olhar em um longo horizonte, apesar dessa correção em curto prazo. O portfólio de tecnologia é o que gera mais retorno no longo prazo.
Quem é investidor e não especulador tem que preocupar menos com tempo, e mais com fundamento. Esse é um bom ativo para ter nos próximos anos e está com um bom preço hoje? Entre no papel e não pague para ver se o preço está melhor amanhã, foque no longo prazo. Obviamente, é mais fácil falar do que fazer. Todo mundo acha que consegue um bom timing do mercado.
As pessoas também precisam estimar seu apetite. Cada investidor deveria ter uma porcentagem do seu patrimônio em tecnologia, e essa porcentagem se baseia no risco que ele gostaria de tomar: 2%, 10%, 20%, 30%, 50%…
Como a avaliação de mercado do GetNinjas mudou desde o IPO?
A avaliação de mercado do GetNinjas era de R$ 1,02 bilhão na época de sua abertura de capital: R$ 320 milhões em caixa e R$ 700 milhões em valor do negócio. Hoje, o GetNinjas vale R$ 200 milhões: R$ 290 milhões em caixa e R$ 90 milhões negativo em valor do negócio. Então, quem compra GetNinjas hoje está comprando um negócio por menos do que ele tem em caixa.
É uma oportunidade para quem acredita que nossa plataforma será bem-sucedida, que usaremos o caixa para gerar negócios. O contra-argumento: será que a queima de caixa hoje vai justificar o cenário de lucro futuro, em um cenário de juros tão altos? Para retornar o capital investido, temos de devolver um resultado muito maior por conta dessa taxa de juros.
O GetNinjas e outras empresas valerem menos do que seu caixa, terem um enterprise value negativo, é algo muito pouco usual. O preço é formado por oferta e demanda, e a visão macroeconômica acaba afetando negócios que têm pouca gente comprando e vendendo. O “efeito manada” pode fazer a ação subir ou cair muito. Nossa percepção é de que o sofrimento do GetNinjas e dessas outras empresas é muito mais relacionado a esse “efeito manada” do que aos negócios em si.
O fundamento é sempre discutível, para alguns analistas poderíamos ter performado melhor. Dependendo da expectativa de cada um, a empresa pode valer R$ 500 milhões, R$ 700 milhões ou R$ 1 bilhão. O fato é que o negócio avançou e está maior do que quando a gente estreou na Bolsa. A gente acredita que o GetNinjas vale mais do que zero, e muito mais do que R$ 90 milhões negativo. E que a avaliação negativa se dá mais por um fator macroeconômico do que de negócio. Não se justifica uma lacuna tão grande entre a avaliação na nossa saída e onde estamos hoje.
A gente vê faz alguns meses essa correção nas avaliações das empresas de tecnologia no mercado público. A correção das empresas de tecnologia no mercado privado já está acontecendo?
O mercado privado demora um pouco mais para receber uma correção porque o empreendedor sempre tem a possibilidade de postergar sua rodada. Como o valuation é a avaliação na última captação de investimento, ninguém vai ficar sabendo que sua empresa está valendo menos. Já uma empresa pública tem uma captação a cada segundo, porque os papéis estão sempre trocando de mãos.
Nesse último ano, teve muito empreendedor de unicórnio que postergou rodada porque não queria marcar para baixo sua avaliação. O down round não é uma boa mensagem para investidores, funcionários e planos de stock option. Mas a conta chega em alguma hora, porque o empreendedor vai precisar do capital para dar o próximo passo. Sua empresa foi corrigida, mas ele não vai assinar um contrato mostrando a nova marcação. Por isso, vemos algumas empresas optando por desacelerar investimentos e realizar demissões. Elas vão esperar tempos melhores para fazer uma nova rodada.
Já quem não quer parar seu plano de crescimento vai fazer uma rodada com avaliação menor mesmo. A pergunta do milhão é: o movimento de recuperação da valorização das empresas de tecnologia vai acontecer em um mês, um trimestre, um ano ou mais? Quanto mais tempo o mercado público for corrigido, mais o mercado privado vai ser também.
Por aqui, estamos segurando os investimentos em marketing e em contratações para termos uma expansão mais natural e não precisarmos colocar o pé no freio. No resultado do quarto trimestre, mostramos redução com despesas com marketing e estamos otimizando esses gastos para os próximos trimestres. A maior expansão de time também já aconteceu, naquela virada para uma empresa pública.
Temos muito capital ainda, mas estamos sendo prudentes porque é uma grande vantagem competitiva ter capital em um mercado com escassez dele. Se estamos construindo uma empresa para os próximos dez anos, tudo bem desacelerar no próximo trimestre para garantir que a companhia terá combustível independente do cenário. Temos que ser otimistas, mas também garantir que vamos sobreviver.
Você teria feito o IPO do GetNinjas naquele começo de 2021, se pudesse olhar pelo retrovisor? E, se tivesse uma empresa privada agora, faria um IPO?
Dada as informações que tínhamos, eu acho que fizemos nosso IPO no momento certo. Foi uma captação que garantiu a sobrevivência da companhia nos próximos anos, que a profissionalizou e que trouxe uma boa base de acionistas.
Mas, como empreendedor, foi sim difícil passar por essa correção logo depois do IPO. A empresa teve pouco tempo para comemorar. Essa situação dói muito especialmente nos empreendedores, porque a maior parte dos seus patrimônios está nas próprias companhias.
Eu sou bastante otimista com o setor, mas existe uma responsabilidade de gerir expectativas, minhas e do time, e de ser realista com o investidor. Tenho certeza de que teremos outras correções nos próximos 10 ou 20 anos. O empreendedor deve focar no seu negócio e não no valor do seu papel. Porque o papel sempre espuma, sobe e desce. Mas se o negócio não for bom por trás também, tudo vira fumaça. Nosso foco está no negócio e espero que todo esse momento seja um susto, e que tenha sido um bom negócio ter entrado no IPO daqui alguns anos.
Se eu fosse um empreendedor procurando um IPO, agora não é o momento porque as empresas estão muito descontadas. Parte devido a uma taxa de juros que mudou o custo de capital e o valor das empresas, mas outra parte relevante é “efeito manada”. Quando os investidores perceberem isso, o setor vai se recuperar e as ações vão crescer rapidamente.
Obviamente, sou enviesado nessa análise. Mas não vejo um mundo em que empresas de tecnologia vão negociar abaixo do seu caixa por muito tempo. Se o empreendedor puder esperar, melhor. Qualquer IPO que sair agora será num valor menor do que ele conseguirá daqui alguns meses–- e justamente por isso que poucos IPOs estão acontecendo.