Carros usados e seminovos: veja como e por que as startups querem dominar esse mercado

Plataformas digitais para comercialização de automóveis usados e seminovos têm crescido no Brasil; mercado é grande, e ainda tem espaço para crescimento

Mariana Fonseca

Centro de inspeção da Creditas Auto (Divulgação)
Centro de inspeção da Creditas Auto (Divulgação)

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SÃO PAULO — Startups já estão de olho no seu carro usado ou seminovo há anos — mas essa aposta cresceu nos últimos tempos. Guiadas por um contexto oportuno, plataformas digitais para a comercialização desses veículos têm atraído investidores e colocado recursos para conquistar brasileiros interessados em vender ou comprar um usado ou seminovo.

O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, traçou um panorama sobre o mercado brasileiro de veículos com até dez anos de estrada. Também conversou com algumas das principais startups em operação — Creditas/Volanty, InstaCarro, Kavak e Karvi — para entender seus modelos de negócio e planos de expansão.

Especialistas no setor automotivo também comentaram sobre a importância atual e futura dessas plataformas digitais na transação de seminovos e usados.

Mercado grande e em crescimento

Faz anos que o Brasil é um grande mercado de carros usados e seminovos. 11,4 milhões de automóveis do tipo foram vendidos apenas em 2020. Para os especialistas ouvidos pelo Do Zero Ao Topo, o mercado de usados e seminovos no país é de quatro a nove vezes maior do que o de carros novos, a depender do estado da economia. A relação entre esses mercados é inversa. “O mercado de usados e seminovos tende a crescendo quando o de novos não atende a demanda, e vice-versa”, explica Antônio Jorge Martins, coordenador na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Milad Kalume Neto, diretor de novos negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics, afirma que os carros com até dez anos de estrada superam os carros zero quilômetro principalmente porque os consumidores conseguem acessar um segmento superior de automóvel com o mesmo orçamento. “O principal motor é o preço. Quem adquire um carro novo está interessado em benefícios adicionais, como garantia e o fato de ninguém nunca ter usado aquele veículo antes.”

A Kavak estima que o Brasil seja o terceiro maior mercado para usados e seminovos do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Esse seria um mercado de cerca de R$ 600 bilhões por aqui – e isso contando com uma baixa penetração de automóvel por habitante. “Nos países desenvolvidos, geralmente existe um veículo por habitante. No Brasil, a relação ainda é de cerca de 45 milhões de automóveis para 215 milhões de habitantes, ou 4,7 pessoas por veículo”, afirma Martins.

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No primeiro semestre de 2021, os brasileiros procuraram muito mais os carros com até dez anos de estrada, e empreendimentos inovadores estão captando e investindo mais para aproveitar o momento. O emplacamento de usados e seminovos cresceu 81% nos primeiros seis meses de 2021, na comparação com o mesmo período de 2020. Foram 5.451.498 automóveis e comerciais leves do tipo emplacados na primeira metade deste ano. Mesmo comparando com o primeiro semestre de 2019, antes da pandemia, a alta foi de 6,4%.

A procura maior neste ano aconteceu porque os carros novos estão em falta, e os poucos que saem das fábricas custam mais. Em meados de abril de 2020, até 99% da produção das indústrias ficou paralisada. Esse problema vem se arrastando até 2021: fábricas chegaram a ficar fechadas temporariamente neste ano por problemas de produção.

Entre as montadoras que ficaram períodos paralisadas em 2021 estão Chevrolet, Volkswagen, Nissan, Toyota, Renault e Honda, além das fabricantes de caminhões Mercedes-Benz, Volkswagen Caminhões e Ônibus, Scania e Volvo. Os anúncios oficiais de paralisação temporária foram feitos em meados de março, mas de lá para cá não houve uma consolidação de retomada e as expectativas de melhora estão sendo adiadas.

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Está difícil achar globalmente peças como semicondutores (chips). E matérias-primas guiadas pela cotação do dólar estão caras, como o aço. “Alguns modelos novos sequer foram emplacados – carros como o Chevrolet Onix tiveram a produção interrompida. O consumidor que quer comprar um de carro logo resolve ou mudar de marca ou procurar um usado ou seminovo”, diz Neto.

Raphael Galante, economista que atua no setor automotivo há 14 anos e consultor na Oikonomia, cita um problema adicional: a renda do brasileiro ante o preço dos automóveis novos. “Quando nós dolarizamos o preço do automóvel, vemos que a renda do brasileiro se tornou incompatível. Para que o consumo de novos efetivamente volte, será preciso aumentar os ganhos da população”, diz. “A renda per capita do país está baixa em relação à de outros países. É preciso que a renda cresça para que o brasileiro usufrua de itens digitalizados, como carros das novas gerações. Quanto mais tecnologia, mais caro um produto fica”, concorda Martins.

Uma consequência dessa procura por usados e seminovos são os valores maiores por eles. Os preços dos carros usados tiveram um alta de 13,04% no primeiro semestre de 2021, segundo um estudo da consultoria automotiva Kelley Blue Book Brasil (KBB). O estudo considera veículos que têm entre quatro e dez anos de uso.

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O levantamento também traz a análise de preços dos modelos seminovos, aqueles que possuem até três anos de uso. E os números observados no segmento de seminovos reforçam a valorização que os carros usados vêm sofrendo neste ano. Entre janeiro e junho, a variação acumulada nesta categoria foi de 9,75%. O comportamento dos preços dos carros usados e seminovos neste semestre esteve em linha com o momento aquecido do setor. O aumento na demanda, tende a aumentar o preço dos carros.

A normalização da produção está longe de acontecer. Neto e Galante estimam que a produção de carros novos de estabilize apenas em 2022; Martins estima um cenário sem paralisações pontuais de algumas montadoras apenas para 2023.

“Tanto em 2021 e 2022, vemos um mercado ainda com alto potencial de exploração para as startups que atuam com compra e venda de usados e seminovos”, afirma Galante. “Os preços dos usados e seminovos devem se acomodar quando existiram mais carros novos de volta ao mercado. Mas acomodação não significa diminuição: o tíquete médio do carro brasileiro sobe todo ano”, completa Neto.

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“Existe um interesse das fabricantes de carros novos em voltar a produzir, mas falta matéria-prima. Vejo uma recuperação plena da fabricação de semicondutores apenas em 2023. Não é apenas o setor automotivo que demanda chips: a transformação digital acelerada pela pandemia trouxe uma demanda desenfreada por componentes elétricos. O peso de semicondutores no custo de um automóvel está em 40% e deve alcançar 50% nos próximos anos, diante de investimentos em motorização elétrica e conectividade”, reflete Martins.

Mesmo com a atual corrida por usados e seminovos, as startups não estão olhando especificamente para este ano – e sim para os dados históricos do setor. “As empresas olham para um mercado que é gigantesco e ainda tem um terreno fértil para digitalização. Não tanto para alta taxa de crescimento, que considero uma conjuntura pontual criada pela pandemia”, analisa Filippe Cordeiro, que trabalhou por anos dentro de empresas como Jaguar Land Rover e é fundador do Virgola, um comparador de custo-benefício de veículos novos, seminovos e usados.

Evolução das startups de usados e seminovos

A compra digital de carros usados e seminovos existe há tempos na internet. Ela foi popularizada por plataformas como Webmotors, criada em 1995. As startups que surgiram nos últimos anos trazem novidades aos classificados digitais, a partir de diversos modelos de negócios. Algumas atuam como intermediadoras em troca de comissões. Outras preferem dominar a cadeia, comprando os carros para então vendê-los e absorvem a margem dessas operações. A transação desses veículos usados e seminovos pode envolver tanto pessoas físicas quanto jurídicas.

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A InstaCarro foi uma das primeiras startups dessa geração. Fundado em 2015, o negócio foca na intermediação da venda de carros das pessoas físicas para lojas multimarcas, mas planeja inaugurar uma frente de intermediação de compra e venda entre pessoas físicas. “A tecnologia já tinha resolvido serviços como delivery e streaming de conteúdo, então comecei a olhar para o segmento de carros. É um mercado conhecido por ser pouco amigável: as pessoas ainda sofrem em busca de uma experiência rápida, segura e transparente”, afirmou o fundador Luca Cafici em entrevista recente ao Do Zero Ao Topo.

O usuário interessado em vender seu carro seminovo ou usado se cadastra na InstaCarro. A startup faz uma avaliação física do veículo, seja em um dos seus dois centros de inspeção na cidade de São Paulo ou com um avaliador treinado indo até a casa do usuário. O carro é colocado em um leilão online com 4 mil donos de concessionárias cadastrados na InstaCarro. A startup envia as melhores propostas ao usuário e, caso ele aceite a venda, a InstaCarro cuida de documentação, pagamento e transporte do automóvel. “Em 24 horas compramos o carro. O guincho vai até a casa do usuário e ele recebe o pagamento em sua conta. Só então cobramos uma comissão do lojista sobre a venda”, disse Cafici.

Luca Cafici, CEO da InstaCarro (Divulgação)
Luca Cafici, CEO da InstaCarro (Divulgação)

O fundador afirma que alguns benefícios desse processo, na comparação com procurar em classificados, são segurança, comodidade e leilão de preços. “A negociação conosco, e não direto com o lojista, melhora a experiência do usuário e evita fraudes. O usuário também pode fazer todo o processo de casa. Por fim, reunir várias lojas pelo país permite que o preço de venda aumente. Há quem seja especializado em carros japoneses ou SUVs, por exemplo, e pague mais no carro porque sabe como vender garantindo a margem”, diz Cafici. Para os donos de lojas de usados e seminovos, o benefício está em encontrar rapidamente o modelo desejado.

A InstaCarro movimentou mais de R$ 1 bilhão desde sua fundação. O tíquete médio de venda está em R$ 40 mil, e a startup se monetiza com uma comissão cobrada dos lojistas. Foram mais de 35 mil carros vendidos desde 2015. No primeiro semestre de 2021, a média de crescimento mensal do negócio foi de 10%.

A startup se capitalizou recentemente, com uma rodada de US$ 23 milhões recebida em julho deste ano. A InstaCarro está usando novos recursos para ir além da cidade de São Paulo. A empresa já abriu um centro de inspeção em Curitiba e chegou digitalmente até Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Goiânia, Joinville, Rio de Janeiro e Santos.

A Karvi é outra startup que atua com intermediação de veículos. “Existem modelos de negócio diferentes no mundo inteiro. Começa na plataforma de classificados digitais, que deixa vendedor e comprador conversarem de maneira direta sobre estoque e preço, e vai até o modelo com capital intensivo para comprar carros, colocar fotos, fazer inspeções e fornecer garantias. Estamos no meio desses extremos”, explica Matias Fernandez, cofundador da Karvi.

A startup argentina de compra e venda de veículos novos, seminovos e usados nasceu em 2018. Ainda que tanto InstaCarro quanto Karvi sejam intermediadoras, a Karvi faz a operação oposta: reúne os veículos das concessionárias e os oferece a pessoas físicas. A Karvi chegou ao Brasil no final de 2019, país que concentra hoje 80% dos esforços da startup.

Matias Fernandez, cofundador da Karvi (Divulgação)
Matias Fernandez, cofundador da Karvi (Divulgação)

Hoje, a plataforma tem uma base de 35 mil veículos e mais de 1,2 concessionárias de carros novos ou de seminovos e usados. A pandemia aumentou o interesse na proposta da Karvi. “Ajudamos as concessionárias a filtrarem clientes frios e quentes, atenderem rapidamente e fecharem vendas digitais e com adicionais, como garantia estendida. Como elas só pagam uma comissão quando a venda é fechada, aparecemos como alternativa em meses difíceis aos canais de venda presenciais”, diz Fernandez.

O interesse por usados e seminovos também cresceu. “Sempre tivemos a ideia de lançar essa frente, mas o timing foi perfeito. Lançamos em março deste ano e estamos vendo muito interesse. Colocamos como diferencial nossa abrangência de veículos vindos de diversas concessionárias, mas com nossa certificação como uma empresa terceira”, diz o cofundador.

O consumidor pode comprar completamente online, mas a startup também coordena visitas aos veículos nas concessionárias. A startup está em expansão geográfica: coordena certificações e visitas a concessionárias de São Paulo, e chegará no final de agosto a Curitiba, Porto Alegre, Recife e Salvador.

A Karvi já captou US$ 14 milhões com investidores de venture capital, e está falando com investidores para captar uma nova rodada até o final deste ano. Com os recursos, a Karvi espera multiplicar sua capacidade de certificação em dez vezes nos próximos 12 meses, passando de 5 mil para 50 mil veículos certificados por mês. Tais verificações são feitas presencialmente, com a equipe da Karvi levando equipamentos e um aplicativo para registro das informações.

Outras startups preferem o modelo de dominar toda a cadeia, incluindo adquirir os usados e seminovos. Uma delas é a Volanty. Ela começou como uma intermediadora, mas depois se tornou uma compradora de veículos. A Volanty adquire carros de pessoas físicas, faz algumas reformas e então os vende a outros consumidores na pessoa física, monetizando-se com a margem dessa operação.

O interessado em comprar o carro pode fazer um tour virtual e pedir um test drive por um técnico, ou fazê-lo por conta própria em uma das sete lojas da Volanty, localizadas em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Após a compra ser fechada, o veículo é higienizado e enviado para a casa do comprador. Os veículos têm um ano e garantia e prazo de devolução em até nove dias.

Em julho deste ano, a Creditas comprou a Volanty por um valor não divulgado. O unicórnio brasileiro de crédito tem sua própria plataforma de compra e venda de carros usados e seminovos desde maio de 2020. Ela faz parte da vertical Creditas Auto, que já tinha serviços como empréstimo com garantia de veículo (auto equity) e financiamento de veículos. A Creditas auto também atua como dona da cadeia, mas vendendo tanto para pessoas físicas quanto para lojistas multimarca.

“Adquirimos a Volanty para acelerar uma plataforma que já estávamos montando. A startup era nossa parceira quando lançamos o financiamento, e conversamos mais profundamente na primeira onda da pandemia”, diz Fábio Zveibil, vice-presidente de desenvolvimento de negócios da Creditas. “Com a maior digitalização dos consumidores, Volanty estava escalando a operação ao mesmo tempo que nós. São operações parecidas e estamos em um mercado que unir forças é melhor para termos capital e eficiência necessários para alcançarmos nossas ambições.”

A Volanty tem anos no setor. Já a Creditas Auto tem investimentos ambiciosos no setor – como um espaço de 30 mil metros quadrados para inspeção, manutenção e showroom de veículos. O local tem capacidade para 3.000 carros por mês e está em Barueri (São Paulo). A Creditas também tem uma nova frente de seguros automotivos, após a compra recente da corretora Minuto Seguros.

Centro de inspeção da Creditas Auto (Divulgação)
Centro de inspeção da Creditas Auto (Divulgação)

“A ideia é que o cliente fique dentro do nosso ecossistema, tanto pelo preço dos carros quanto por ofertas adicionais, como garantia, financiamento, manutenção, seguros e eventual troca de veículo. O objetivo não é comprar ou vender apenas um carro, mas termos diversas transações ao longo dos anos”, diz Zveibil. O financiamento veicular parte de 1,15% ao mês, e veículos antigos podem ser usados como entrada.

O tíquete médio por veículo está em R$ 50 mil, com garantia de um ano e até sete dias para devolução. Cada veículo pode ser retirado no local ou entregue na residência do cliente. Por enquanto, Creditas Auto e Volanty seguirão como marcas separadas – mas tendo a integração de diversos serviços como diferencial. A Creditas Auto tem 1,3 mil carros em sua base atual de venda. A Volanty não divulga sua base atual ou histórica de veículos.

Recentemente, o potencial do mercado de usados e seminovos também atraiu startups com sede no exterior. A mexicana Kavak anunciou no final de julho seu lançamento oficial no Brasil, com um investimento de R$ 2,5 bilhões para os próximos anos. O negócio foi criado por Carlos Garcia Ottati, Loreanne Ottati e Roger Laughlin Carvalho em 2016. Em outubro de 2020, a Kavak se tornou o primeiro unicórnio, ou startup com avaliação de mercado igual ou superior a US$ 1 bilhão, do México. O negócio já subiu seu valuation para US$ 4 bilhões desde então.

A plataforma captou US$ 1,3 bilhão com investidores de peso. A última rodada foi um aporte série D de US$ 485 milhões, captado em janeiro de 2021. Parte dos recursos foram para a expansão da Kavak no Brasil. A empresa operou em formato de soft launch durante quatro meses, e agora anunciou oficialmente seu lançamento. “Quatro a cada dez brasileiros sofrem algum problema ao comprar”, afirmou Laughlin, o cofundador da Kavak que agora virou o diretor para a operação brasileira, durante a coletiva de imprensa para o lançamento oficial no Brasil.

A Kavak também atua como compradora de veículos, assim como Creditas Auto e Volanty. Os vendedores colocam informações básicas como ano, modelo, versão, cor e quilometragem aproximada. O preenchimento leva cerca de dois minutos, segundo a Kavak. Depois, cada vendedor agenda uma inspeção em sua casa, em seu local de trabalho ou em um centro de inspeção/loja da Kavak. A startup tem seis centros na cidade de São Paulo e pretende chegar a 20 deles até o final de 2021. O negócio diz comprar carros fabricados há até dez anos e com menos de 90 mil quilômetros totais rodados.

Centro da Kavak (Divulgação)
Centro da Kavak (Divulgação)

A Kavak coleta as informações do cadastro e da inspeção para alimentar um algoritmo próprio, um de seus diferenciais. O algoritmo rastreia preços em sites concorrentes, classificados, leilões e tabelas de mercado. Também projeta tendências de oferta e demanda de forma dinâmica. A Kavak tem quatro células de tecnologia e inovação, espalhadas por Argentina, Brasil e México.

Após o algoritmo finalizar sua avaliação e emitir uma proposta de preço pelo veículo, a Kavak oferece algumas formas de venda: pagamento imediato, pagamento em 30 dias e pagamento em consignação (a startup paga apenas quando o veículo for vendido). Quanto maior o prazo, maior deve ser o valor pago pelo veículo.

A Kavak se torna dona de todos os carros a serem vendidos e apenas os cadastra em seu site após reformas “estéticas” e “de detalhamento” em um centro de recondicionamento em Barueri, interior do estado de São Paulo. Para os compradores, a startup oferece possibilidade de ver o carro em um de seus centros de inspeção/loja; garantia de dois anos; agendamento de manutenção por aplicativo; e possibilidade de contratação online de financiamento de veículos com bancos parceiros. Os compradores podem devolver o veículo em até sete dias.

A injeção de R$ 2,5 bilhões está sendo usada para aquisição de veículos, para construção de centros de inspeção/lojas e para expansão da equipe. A Kavak tem um inventário de 2.500 veículos no país. Até o final de 2022, a startup espera comprar mais de 100 mil carros e vender mais de 50 mil deles no Brasil. Isso fará com que o país se torne o maior mercado para a Kavak. O tíquete médio de venda dos veículos está em R$ 60 mil.

“Existe uma combinação entre tamanho de mercado, qualidade de funcionários e a adoção rápida dos brasileiros a modelos de negócio disruptivos. Chegar ao Brasil era uma questão de tempo. Estávamos nos preparando para operarmos nesse mercado com força”, disse Laughlin. “O Brasil é o nosso maior investimento até o momento, e a oportunidade é tão grande quanto o nosso plano de investimento para o país, 10 vezes maior do que qualquer outro antes”, completou em comunicado Ottati, outro cofundador e atual CEO da Kavak.

A internet vai substituir compras nas ruas?

A digitalização provocada pela pandemia e a maior demanda por usados e seminovos foram aceleradores para esses empreendimentos, que viram um contexto oportuno para captar investimentos e melhorar sua operação. Porém, os especialistas concordam que existe um obstáculo: o hábito de querer ver e testar os veículos.

“O carro é um de valor aquisitivo alto, principalmente para as classes C e B. Acho pouco provável concluir um processo de venda cega considerando o comportamento do brasileiro, especialmente caso ele nunca tenha testado um carro do mesmo modelo antes.

Vale lembrar que a pandemia está em suas fases finais. Todo mundo considera que será uma vida nova em 2022, mesmo que algumas restrições ainda continuem. Então temos de esperar ver como ficará esse mercado.

Vai ser um mercado mais digitalizado e o consumidor vai estar mais antenado com essas tecnologias, como herança da pandemia. Mas não será tão rápida essa transformação de gostar de tocar o carro para a venda 100% online”, analisa Neto.

Para enfrentar esse obstáculo, as startups têm investido em canais físicos de venda. Por exemplo, as sete pequenas lojas da Volanty se uniram aos dois grandes showrooms da Creditas na fusão.

“O mercado acelerou a busca por conveniência e soluções digitais, mas não acreditamos que todos os carros serão vendidos 100% pela internet. Acreditamos que a melhor experiência é omnichannel [integração de canais físicos e virtuais]”, diz Zveibil, da Creditas.

“Na Europa, cerca de 8% dos clientes de plataformas parecidas com a Karvi acabam comprando de maneira completamente online. Imagino que tenhamos um número similar daqui cinco a dez anos apenas. Existe uma evolução dessa porcentagem, mas os compradores brasileiros querem conhecer o carro e a loja. A compra de um veículo é relevante para o orçamento”, concorda Fernandez.

Martins ressalta que o desejo de verificar o carro presencialmente aumenta em proporção ao seu valor. “Modelos mais recentes e com diversos recursos pedem uma verificação mais apurada do consumidor. Nesse sentido, os usados mais tradicionais têm maior aderência ao modelo de negócio de compra e venda online.”

O crescimento desses negócios também abre margem para a discussão sobre o interesse em uso sobre a propriedade. Para os especialistas ouvidos pelo Do Zero Ao Topo, ainda será preciso esperar para ver o comportamento do consumidor diante do carro próprio nos próximos anos.

“Mas vale lembrar que ele só vai abrir mão da propriedade diante de um serviço que o atenda completamente, o que inclui rapidez e qualidade. Mesmo assim, os substitutos serão empresas de assinatura de automóveis ou aplicativos de mobilidade urbana. Então existe espaço para manter o volume de transações de usados e seminovos”, diz Martins.

Por fim, os especialistas afirmam que as startups só vão conseguir se diferenciar do mercado tradicional e entre si caso consigam conquistar a confiança do consumidor. Martins ressalta a concessão de garantia nos veículos. Galante destaca a necessidade de oferecer boas condições de pagamento, seja por financiamentos próprios ou por parcerias com grandes bancos. “Mas as startups não podem ter o financiamento por ter, oferecendo uma proposta com juros de 3% ao mês”, alerta.

A confiança também se dará olhando o preço pago ou pedido pelos carros sobre o das lojas multimarcas tradicionais. “Existem dois públicos: o primeiro quer apenas se desfazer do veículo atual, enquanto o segundo tem a pretensão de comprar outro carro em seguida. O primeiro público é mais difícil de agradar, porque ele não está com pressa e vê a venda direta como forma de maximizar seu ganho. Já quem quer trocar de veículo quer se livrar logo do carro atual e conquistar o modelo desejado”, afirma Cordeiro, do Virgola. “O consumidor não pode se sentir roubado. Esse será o ponto mais fundamental”, concorda Neto.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.