Buser: uma trajetória de mais de 200 processos até 1 milhão de passageiros e investimento de R$ 700 milhões

Startup de fretamento coletivo acumulou um milhão de usuários, mas as batalhas judiciais foram muitas até sua mais nova rodada de aportes

Mariana Fonseca

Ônibus com a marca da Buser (Divulgação)
Ônibus com a marca da Buser (Divulgação)

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SÃO PAULO – A rotina de empreendedor é sabidamente cheia de obstáculos – mas a de Marcelo Abritta e Marcelo Vasconcellos é especialmente atribulada. Eles criaram o serviço de fretamento coletivo Buser com a ideia de incluir mais empresas de ônibus de pequeno porte nas rotas dos passageiros.

A empreitada já rendeu mais de 200 processos judiciais – mas também um milhão de usuários e a captação de investidores de peso.

O mais recente foi o LGT Lightrock. O fundo que já investiu em negócios como CargoX, Creditas e Dr. Consulta liderou uma rodada série C de R$ 700 milhões na Buser. Também participaram do aporte os fundos Softbank, Monashees, Valor Capital Group, Globo Ventures, Canary e Iporanga Ventures.

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O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com o cofundador Marcelo Abritta sobre a história da Buser até esse investimento. Abritta também traçou suas previsões para a retomada do turismo, assim como os planos da Buser para 2021 e 2022.

Fretamento coletivo x processos judiciais

Abritta teve a ideia para a Buser em novembro de 2016. Ele organizou seu casamento na Bahia, e seria preciso transportar 30 convidados de Minas Gerais. O futuro empreendedor percebeu que fretar um ônibus por quatro dias e dividir o custo entre os convidados seria 70% mais barato do que cada um comprar sua passagem.

No começo de 2017, Abritta se juntou ao sócio Marcelo Vasconcellos e criou a Buser. O projeto era uma página de Facebook até junho do mesmo ano, quando fez sua primeira viagem de ônibus. Os assentos do trecho Belo Horizonte-Ipatinga foram esgotados em 12 horas. Mas a viagem foi barrada pela Justiça, fazendo com que a Buser tivesse de reembolsar os passageiros.

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“O problema é a grande concentração de mercado nas rotas, isso que gera preços altos e pouca tecnologia. Acabar com contratos exclusivos é nosso foco até hoje, abrindo espaço para uma cauda longa de empresas menores”, diz Abritta. O empreendedor estima o mercado de viagens de ônibus intermunicipais em R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões, com dezenas a milhares de empresas atuantes e 50 mil ônibus disponíveis.

Marcelo Abritta, cofundador e CEO da Buser (Divulgação)
Marcelo Abritta, cofundador e CEO da Buser (Divulgação)

A Buser promete viagens até 60% mais baratas por meio de um modelo de frete coletivo. Os usuários dividem o custo do fretamento de um ônibus, dentre as mais de 150 empresas do setor conectadas com a Buser. A startup afirma que a competição e a recorrência das viagens permitem que os preços aos viajantes sejam mais baratos do que nas rodoviárias tradicionais.

As reservas são feitas pelo aplicativo ou pelo site da Buser. Os usuários têm um valor máximo do frete cobrado do cartão de crédito, e podem receber parte do dinheiro de volta caso mais usuários reservem assentos. As empresas de ônibus e os motoristas são certificados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Os veículos têm câmeras e GPS.

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Até o momento, 1 milhão de usuários fez ao menos uma viagem pela Buser. O número de viajantes cresceu ao longo dos anos, assim como as batalhas judiciais. Segundo Abritta, a Buser enfrentou mais de 200 litígios em sua história. Geralmente são ações movidas por associações de classe em cada estado, que reúnem empresas de ônibus nas rodoviárias. As associações alegam que o modelo de fretamento coletivo se assemelha ao do transporte regulado e a Buser se caracterizaria como concorrência clandestina e/ou predatória.

Abritta compara essa situação com a disputa de anos entre o aplicativo de mobilidade urbana Uber com taxistas. O app americano chegou ao mercado brasileiro em 2014. Mas passou anos em disputas judiciais sobre a legalidade de sua prestação de serviço. Polêmicas envolvendo o vínculo trabalhista de seus motoristas, por exemplo, seguem até dias recentes. Mesmo assim, o Brasil se tornou o segundo maior mercado para o Uber, atrás apenas dos Estados Unidos.

O poder de fogo para enfrentar os processos judiciais veio de captações privadas. Em novembro de 2017, a Buser captou um aporte semente com o fundo de capital de risco Canary, que investiu em negócios como Clarke, Gupy e Loft. Parte desses recursos foi usada para advogados – a Buser realizou sua segunda viagem em março de 2018. No mesmo ano, captou um aporte série A com os fundos Monashees e Valor Capital Group. As duas gestoras têm experiência em transporte de passageiros e logística: a Monashees investiu nos aplicativos 99 e Rappi, enquanto a Valor Capital tem CargoX, Mandaê e Tembici no portfólio.

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A Buser já gastou mais de R$ 20 milhões com advogados em sua história. “É claro que esse dinheiro teria sido investido no negócio, em áreas como tecnologia e segurança. Muito raro que esses casos se encerrem, porque existem diversas instâncias ou quem nos processou passa a acusar uma empresa parceira, e temos de defendê-la. Sempre temos de relembrar casos julgados anteriormente e mostrar nosso histórico e apólices de seguro”, diz Abritta.

“Mas encaramos a discussão sobre modelos inovadores com naturalidade e não temos do que reclamar: trouxemos investidores que toparam apostar nisso, e antes de nascermos tivemos o histórico da Uber. As principais discussões ficaram muito em nosso favor.”

Em maio de 2021, a Justiça Federal decidiu que empresas com plataformas digitais para intermediar o fretamento coletivo não caracterizam um mercado paralelo de fretamento contínuo ou como prática de concorrência desleal. Essas empresas não são donas dos ônibus, portanto não operariam de maneira clandestina. A decisão foi da 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, diante de um pedido apresentado pela Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre (Abrati) de Passageiros.

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Pandemia, novo investimento e expansão

A Buser crescia de 5% a 10% por semana desde sua fundação – até março de 2020, quando a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil. “Não tínhamos o que fazer. Encerramos nossas operações antes dos decretos estaduais, com medo de propagar o novo coronavírus nas viagens. Ficamos cinco meses sem viagens”, diz Abritta.

Novamente, a captação privada de recursos foi fundamental. A Buser tinha captado em setembro de 2019 um aporte série B, liderado pelo conglomerado japonês de telecomunicações SoftBank (Gympass, Loggi, Rappi). “Como ainda não tínhamos gastado um real do investimento, pudemos esperar o desenrolar da pandemia.”

A Buser aproveitou os meses de paralisação para desenvolver automações, como a de emissão de notas fiscais e de licenças de viagem em diversos estados dentro da própria plataforma da Buser. Em agosto, ainda não se falava sobre uma segunda onda da pandemia e a Buser voltou a operar. “Crescemos muito, com as pessoas saindo dos lockdowns digitalizadas. Muitos saíram do padrão de ir até a rodoviária, comprar o bilhete e embarcar no próximo ônibus. A aula de comércio eletrônico os fez procurarem na internet antes de viajar. Mesmo com vários meses parados, triplicamos nosso tamanho na comparação entre 2019 e 2020”, diz Abritta.

A segunda onda no começo de 2021 fez a startup novamente diminuir seu ritmo – mas o crescimento no segundo semestre de 2020 motivou o novo investimento do SoftBank, de R$ 700 milhões. “Mostramos que crescemos rápido se tivermos as condições. O brasileiro já entendeu que somos uma alternativa de transporte e nosso negócio se provou viável”, diz Abritta.

A Buser investirá R$ 1 bilhão nos próximos dois anos, unindo o novo aporte com sua geração de caixa. Os olhos não estão mais nos litígios, mas em expansão. O objetivo é crescer três vezes em 2021, e dez vezes em um horizonte de 24 meses.

Cerca de R$ 400 milhões devem ser usados para expansão geográfica em todo o país. A Buser atua hoje em 400 cidades em 23 estados.

“Em cinco a dez anos, queremos que as pessoas entrem automaticamente na nossa plataforma quando pensem em viajar. Não é apenas disponibilizar rotas no aplicativo, mas também instalar pontos de embarque e desembarque, ter procedimentos de segurança, educar os futuros usuários e realizar ações de marketing”, diz Abritta.

O restante deve ser usado em quatro novas frentes de operação.

A primeira delas foi inaugurada ainda no final de 2020: o Buser Passagens. O marketplace agrega ofertas de viagens de ônibus, inclusive das rodoviárias. “São empresas tradicionais que concordaram com nosso modelo e toparam listar suas viagens junto com outras empresas, dando mais horários e preços para o passageiro”, diz o cofundador da Buser.

Plataformas como ClickBus e Guichê Virtual também vendem tais passagens. “A gente propõe como diferencial concentrar o contato com o cliente. Se ele tem algum problema, não fala com a empresa da rodoviária. Nós que damos a resposta e cobramos da empresa que falhou em seu serviço, assim como fazemos no caso do fretamento coletivo”, afirma Abritta. O Buser Passagens teve 3.000 passageiros transportados por semana nos últimos seis meses, com 40 empresas parceiras.

Em maio deste ano, a Buser inaugurou sua segunda frente de atuação: a Buser Encomendas. A frente permite que empresas transportem cargas dentro dos ônibus. Empresas de logística, indústrias e lojas virtuais de pequeno porte sem transporte próprio são alguns dos empreendimentos atendidos. Já os ônibus conseguem rodar com o bagageiro cheio – a receita adicional pode ser traduzida em redução no preço da passagem. O Buser Encomendas é apenas para cargas que não sejam sensíveis, como um combustível. “Sempre soubemos que faríamos isso, mas agora temos uma malha densa atrativa”, diz Abritta.

A terceira frente é a de financiamento de ônibus. “Como as empresas são pequenas, não têm as melhores condições de crédito. Estamos reunindo os negócios para pegar crédito, assim como reunimos passageiros. Assim a garantia é mais formalizada e as taxas de juros são mais atrativas”, diz Abritta. Serão tanto recursos externos quanto R$ 200 milhões oferecidos pela própria Buser. A última frente é a de ônibus urbanos – existem conversas avançados em duas cidades, mas a startup não abre mais detalhes.

Mesmo com o plano de investimentos, a Buser continua cautelosa com a retomada do setor diante de um prolongamento da pandemia. “A vacinação destravará o turismo completamente. Mesmo assim, os feriados deste ano já mostraram quanto as pessoas querem viajar, mesmo que tenham de usar máscaras”, diz Abritta. Maio foi o quarto melhor mês da história da Buser. Junho deverá fechar com resultados ainda melhores, inclusive com um fluxo de caixa positivo. “A CVC disse uma vez que vai faltar hotel no país para a próxima alta temporada. Nossa leitura aponta para o mesmo caminho.”

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.