Alugar ou comprar “imóveis de Lego”: conheça a moradia modular, que cresce no Brasil

Moradia modular e pré-fabricada é praticada por startups brasileiras como Ambar e Brasil ao Cubo; no futuro, chegará ao mercado de locação

Mariana Fonseca

Projeto Pixel Life, da Vitacon (Divulgação)
Projeto Pixel Life, da Vitacon (Divulgação)

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SÃO PAULO – Algumas startups que trabalham na construção civil têm um sonho de anos: transformar o canteiro de obra apenas em um piso para combinar peças, como uma brincadeira usando blocos de Lego. Com módulos elétricos e hidráulicos feitos em indústrias, as construções mais ágeis e com menos necessidade de mão de obra especializada se espalham pelo mundo – inclusive pelo Brasil. Assim, conquistam uma fatia bilionária de um mercado trilionário.

O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, coletou dados e opiniões de especialistas sobre o mercado global e nacional de moradia modular e pré-fabricada. Também conversou com duas startups brasileiras que desenvolvem há anos soluções no setor. Uma construtora brasileira está apostando em levar a moradia modular também para quem busca alugar um apartamento.

Porém, existem algumas pedras no meio do canteiro para essas startups. Os obstáculos vão desde gestão e execução acertadas até aceitação das empresas tradicionais de construção civil.

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Construindo prédios como blocos de Lego

A construção civil trabalha com grandes números. Esse mercado foi avaliado em US$ 12,8 trilhões no ano de 2019 pela The Business Research Company. Para abocanhar uma fatia dele, a moradia modular e pré-fabricada promete eficiência.

A produção industrial de módulos para construir propriedades serve para ganhar economia de escala e cumprir prazos menores de entrega. Os blocos são úteis especialmente para entregar partes com design repetitivo e para obras com agenda apertada, como escolas e hospitais.

Já as construções feitas fora do canteiro de obras reduzem o impacto de mudanças no clima e da presença de mão de obra especializada. Segundo a consultoria McKinsey, a construção offsite tem potencial para entregar produtividade de cinco vezes a dez vezes maior em relação ao método tradicional de edificação de propriedades.

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O mercado de moradia modular e pré-fabricada foi avaliado em mais de US$ 129 bilhões em 2019 pela Global Market Insights. As construções em blocos devem crescer 7,1% por ano entre 2020 e 2026, ultrapassando US$ 174 bilhões no final do período. A empresa de pesquisas cita como razões para crescimento a industrialização, a urbanização, o crescimento populacional (principalmente em países emergentes) e a demanda por edifícios construídos de maneira mais sustentável (principalmente em países desenvolvidos).

“O modelo de construção modular vem ganhando força principalmente após 2015, em um ritmo constante de evolução nos últimos anos. Esse aumento também coincide com o ganho de relevância de investimentos em startups da construção civil, as chamadas construtechs, que começaram a ser vistas como forma de resolver os diferentes problemas dessa indústria”, analisa Marcus Anselmo, sócio da Terracotta Ventures. O fundo de investimentos brasileiro é especializado em construtechs.

A empresa americana de dados Crunchbase reporta que startups de construção captaram US$ 1,5 bilhão neste ano – US$ 430 milhões foram para negócios de moradia modular. Algumas startups americanas que atuam com construções offsite ou moradia modular são Prescient (2012, US$ 295,4 milhões captados com fundos de investimento) e Veev (2008, US$ 197 milhões).

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As duas construtechs receberam novos aportes em 2021. Seus fundadores defendem que muitas casas americanas são antigas e devem passar por reformas, e que há pouca mão de obra especializada. Componentes fabricados fora das obras e com fácil instalação dariam agilidade e qualidade para a construção civil.

Moradia modular e pré-fabricada no Brasil

Uma das construtechs brasileiras que já apostam na construção modular é a Ambar, criada em 2013. O fundador Bruno Balbinot teve um negócio familiar na área de caminhões. “Achei que minha experiência serviria para transformar o modelo operacional da construção civil, com foco na moradia acessível. As obras podem se aproximar de uma linha de montagem por meio de tecnologia”, conta Balbinot.

O empreendedor estima que o mercado residencial de baixa e média renda no país é de R$ 240 bilhões. A moradia modular e pré-fabrica surge como uma alternativa para reduzir o déficit habitacional brasileiro, estimado em 5,876 milhões de moradias em 2019 pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic).

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A Ambar leva as atividades do canteiro de obra para sua fábrica. Nela, produz paredes e componentes elétricos, hidráulicos e de saneamento. Essas peças fabricadas offsite são enviadas aos canteiros em kits de montagem, como blocos de Lego. A Ambar distribui esses kits por etapa de construção, evitando perdas de materiais e mão de obra parada.

A construtech lançou mais recentemente soluções para antes e depois das vendas dos kits. A Ambar oferece desde desenho de projetos com módulos até o gerenciamento da obra por software.

Software de gestão de obras da Ambar (Divulgação)
Software de gestão de obras da Ambar (Divulgação)

Segundo Balbinot, uma casa popular custa R$ 70 mil para ser construída e a tecnologia da construtech levaria a 40% menos trabalhadores e 8% menos desperdício de materiais. O tempo de construção também seria reduzido em 60%. A economia total seria de R$ 13 mil, ou 18,6% do custo total. “Para vender inovação na construção, você tem que mostrar economia no primeiro momento. A construtora ou incorpora precisa entender rápido qual é o benefício.”

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O fundador afirma que a Ambar cresceu em todos os seus trimestres, com exceção de uma estabilidade no segundo semestre de 2020. “Mesmo com a desaceleração nas obras por conta da pandemia, o último ano teve bons resultados em geral.”

A Ambar já construiu 350 mil unidades residenciais. Tem no momento 467 clientes ativos, como MRV e Tenda, com 1.100 canteiros de obras em andamento. O objetivo para este ano é alcançar 650 clientes e 2.000 canteiros. “Estamos focando mais em sustentabilidade financeira do que em crescimento. Alcançaremos neste ano o break even [equilíbrio entre receitas e despesas]”, diz Balbinot. Em 2023, serão 5.000 canteiros.

Balbinot vê que a construção civil ainda pode evoluir em três sentidos: digitalização, industrialização das obras e novos materiais. “São agendas irreversíveis, porque levam eficiência”, diz. A Ambar está trabalhando nas primeiras duas frentes, e estuda pesquisar materiais que possam substituir aço e concreto daqui alguns anos.

Outra startup brasileira de moradia modular é a Brasil Ao Cubo. Diferente da Ambar, a construtech é focada em construções comerciais. Mas assim como a Ambar, o fundador Ricardo Mateus também teve experiência industrial. Foi soldador e montador de estruturas metálicas por dez anos na empresa de seu pai. “Vi a oportunidade de levar quase toda a obra para dentro de uma fábrica. Teria melhora em gestão, qualidade, prazos, produtividade, segurança e sustentabilidade.”

Mateus começou a prototipar a Brasil ao Cubo em 2013, e fechou sua primeira venda três anos depois. A construtech domina desde o projeto até a entrega das chaves: retira as obras dos canteiros, produzindo em ambiente industrial os sistemas elétricos e hidráulicos necessários. Esses módulos são depois acoplados no espaço onde surgirá a propriedade.

“Na fábrica, atingimos mais controle de qualidade, mais agilidade nos processos e menos desperdícios. O tempo e impacto no local da obra também são reduzidos. Todas as etapas que retirarmos do canteiro de obras vão levar a uma maior excelência operacional”, diz o fundador.

A moradia modular ganhou importância durante a pandemia de Covid-19. A Brasil ao Cubo construiu sete centros de tratamento, com uma média de 30 dias de obra por centro. Por exemplo, inaugurou 100 leitos no Hospital Municipal M’Boi Mirim, na cidade de São Paulo, em 33 dias.

Módulo da Brasil ao Cubo (Divulgação)
Módulo da Brasil ao Cubo (Divulgação)

Outros destaques da construtech nos últimos meses foram a ampliação de uma fábrica da Ambev em Minas Gerais, com mais de 15 mil metros quadrados construídos em 136 dias, e a construção do edifício Level. Esse é o primeiro projeto multipavimento da construtech. O prédio tem 3,3 mil metros quadrados, edificados em 100 dias.

A Brasil ao Cubo já construiu 150 empreendimentos. A construtech teve vendas de R$ 200 milhões em 2020, salto de 2,8 vezes sobre os R$ 71 milhões de 2019 e de 33 vezes sobre os R$ 6 milhões de 2018. “Esse crescimento mostra a aceitação do mercado de construção civil, que busca por soluções ágeis e com mais tecnologia”, diz o fundador.

Os números atraíram uma grande empresa da siderurgia. Em outubro de 2020, a Gerdau anunciou um investimento na Brasil ao Cubo. Foram R$ 60 milhões por um terço da construtech. Para 2021, o plano é crescer as vendas em 75%. “Vamos consolidar nossa estratégia tanto no segmento industrial quanto no de multipavimentos”, afirma Mateus.

Expansão da moradia modular para o aluguel

A ideia de moradia modular também está sendo estendida para o mercado de locação. No segundo semestre de 2020, a construtora e incorporadora Vitacon vai lançar um projeto de aluguel modular na cidade de São Paulo.

O Pixel Life permitirá integrar unidades de cerca de 20 m² de forma horizontal ou vertical. Um apartamento studio pode ganhar um home office ou mais um dormitório com a junção de outro módulo, por exemplo. A Vitacon projetou pilares e pontos elétricos e hidráulicos que não atrapalhassem a integração entre os módulos.

Projeto Pixel Life, da Vitacon (Divulgação)
Projeto Pixel Life, da Vitacon (Divulgação)

“A forma de consumir caminha cada vez mais para a adaptação, desde um produto dobrável até um serviço que vira assinatura. Há alguns meses estamos pensando em como levar essa flexibilidade, que já oferecemos em serviços como aluguel e mobília, para o produto em si”, diz Ariel Frankel, CEO da Vitacon.

Frankel afirma que as pessoas se sentem mais confortáveis em comprar ou alugar um imóvel quando conseguem mexer nos layouts. “Daqui cinco, dez ou vinte anos, os desejos desse consumidor podem ser diferentes. O empreendimento está preparado para as mudanças. Também promovemos sustentabilidade, porque reformas para ampliar ou reduzir espaços têm bem menos impacto quando o edifício já foi construído pensando em adaptações de plantas.”

A união de módulos dependerá da disponibilidade das unidades adjacentes. Mais de 85% dos consumidores da Vitacon comprar imóveis para investir, colocando essas propriedades para alugar. Essa característica facilita a integração horizontal ou vertical, na comparação com negociar com quem realmente vive em um módulo adjacente. Caso cada módulo tenha um investidor diferente, há um rateio da lucratividade do aluguel total.

O primeiro prédio do Pixel Life será inaugurado no bairro da Vila Mariana, no segundo semestre de 2021. Os próximos edifícios serão nos bairros de Bela Vista e Santo Amaro. Os três prédios acumulam 980 unidades residenciais, com valor geral de vendas (VGV) projetado de R$ 700 milhões.

Mesmo com um segundo semestre de 2020 parado por conta da pandemia de Covid-19, a Vitacon fechou o último ano com R$ 1,3 bilhão em lançamentos e R$ 960 milhões em vendas. Para 2021, a construtora e incorporada espera crescer as duas métricas em 30%.

“O mercado imobiliário não andava bem até 2019, mas a taxa básica de juros mais baixa trouxe um impulso às construtoras e ao consumidor. Agora o mercado vem em uma crescente, que apenas não se concretizou em sua totalidade por conta da pandemia. Estamos confiantes para o futuro”, diz Frankel.

Qual o futuro da moradia modular?

Os saltos de crescimento da moradia modular e pré-fabricada devem ser vistos principalmente nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia, segundo a Global Market Insights. Mas África e América Latina também terão expansão.

Apenas o Brasil tem 55 startups que atuam com construção modular, segundo estudo dos fundos de investimento ACE e Terracotta Ventures. “Muitas dessas startups estão em estágio inicial. Devemos ver seu crescimento nos próximos anos”, diz Anselmo.

Pedro Waegertner, CEO da ACE, destacou o maior investimentos em novos métodos construtivos em entrevista anterior ao Do Zero Ao Topo. “É uma área que terá um ganho interessante. Mão de obra, materiais e experiência da companhia são variáveis que impactam tanto a qualidade da construção quanto o preço ao consumidor. A tecnologia permitirá o surgimento de soluções mais ágeis e baratas”.

A moradia modular e pré-fabricada pode fica ainda mais interessante com o desenvolvimento de novos materiais, como antecipado pela Ambar. Segundo a Terracotta Ventures, as startups brasileiras de moradia modular prezam pelo uso de aço (64,8%), madeira (22,2%) e concreto (7,4%). “Para os próximos anos, esperamos o surgimento de novos materiais.

Um que vemos com bons olhos é a madeira laminada cruzada (CLT), painéis que têm resistência estrutural e leveza e são ambientalmente sustentáveis. Esse material ainda é pouco adotado no Brasil, mas já temos startups de construção modular olhando para ele”, diz Anselmo. “Porém, a implementação desses novos materiais ainda deve demorar, visto que o mercado ainda não é maduro.”

Nem tudo são flores no setor. Um susto recente foi o encerramento das operações da Katerra, startup americana de moradia modular que levantou US$ 1,6 bilhão com investidores. A Katerra creditou seu fechamento à pressão do contexto macroeconômico na indústria da construção e à incapacidade de captar mais clientes e crédito.

Para especialistas ouvidos pela revista Fast Company, a Katerra buscava expandir de forma muito rápida e a falta de experiência em construção civil pesou. Startups que “engatinham antes de correr” e fazem a lição de casa sobre regulação e contexto de mercado devem continuar crescendo.

Anselmo, da Terracotta Ventures, reconhece que a Katerra popularizou os conceitos de construção modular e offsite, e trouxe uma visibilidade “que foi muito benéfica para o setor”. “Porém, a startup começou a apresentar dificuldades em sua estratégia de crescimento a partir de 2018, especialmente depois de levantar U$ 865 milhões em uma rodada série D liderada pela Softbank”.

O investidor afirma que os problemas levaram ao fechamento da startup vieram da “sua estratégia agressiva de crescimento”; “expectativa de ter um parque de produção das peças altamente digitalizado”; “diversificação de portfólio para renovação e design, que pode ter atrapalhado o foco e execução no negócio principal”; e “má gestão”.

“Não entendo os erros da Katerra como inviabilizadores desse tipo de modelo, mas como um sinal de alerta para que startups nesse perfil criem competências fortes de execução, como gestão de projeto e montagem e organização dos canteiro”. Anselmo vê potencial em negócios que entreguem propostas completas aos seus clientes, indo do projeto à finalização da obra, assim como empreendimentos que fechem parcerias com entidades públicas urbanizadoras.

Especificamente no Brasil, fatores como tempo de aprovação regulatória, mão de obra barata e impostos reduzidos para construção civil tradicional ainda jogam contra a expansão do modelo.

“Independente dos desafios para a construção industrializada, vemos com bons olhos o desenvolvimento do mercado nacional nos próximos anos. Já há cases de sucesso conseguindo ser economicamente competitivos em comparação com a metodologia tradicional de alvenaria cerâmica. Isso tem ajudado na quebra do preconceito que acompanhava esse tipo de solução”, diz Anselmo.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.