Racha na diretoria da Aneel trava discussões, preocupa agentes e afeta consumidor

Referência em regulação, órgão enfrenta período turbulento com interferências políticas

Reuters

Linha de Transmissão de Energia (Divulgação/Aneel)
Linha de Transmissão de Energia (Divulgação/Aneel)

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Um racha entre diretores da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) por divergências de cunho político e pessoal está travando o andamento de processos relevantes para o setor elétrico e causa preocupação, segundo especialistas e executivos de grandes empresas de energia ouvidos pela Reuters.

Os agentes avaliam a situação como bastante negativa para um órgão que é referência em regulação. Eles destacam entre os temas a espera de definição do antigo caso da RBSE, uma indenização bilionária paga a transmissoras de energia que é alvo de questionamento por suposto erro de cálculo, cuja revisão poderia reduzir pagamentos à Eletrobras e à Cteep.

A situação na Aneel é mais um caso de polêmicas envolvendo agentes públicos no setor de energia no Brasil, que também tem visto divergências entre o ministro de Minas e Energia e o presidente da Petrobras, cuja demissão está sendo cogitada nos bastidores de Brasília.

As discordâncias entre os diretores da Aneel se intensificaram em meados do ano passado, quando se tornou mais evidente nas deliberações uma divisão entre dois grupos: Fernando Mosna e Ricardo Tili costumam votar em sintonia entre si e em discordância com o diretor-geral Sandoval Feitosa. Agnes da Costa, que é enxergada pelo mercado como “neutra”, geralmente acompanha os votos de Feitosa.

Já Hélvio Guerra, cujo mandato na agência expira em maio, vinha atuando como “fiel da balança”, mas, em deliberações mais recentes, tem seguido as visões de Mosna e Tili.
Segundo agentes do setor, o racha na Aneel tem como pano de fundo associações políticas de alguns diretores, com Feitosa sendo apadrinhado por Ciro Nogueira (Progressistas) e Mosna e Tili ligados ao ex-secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, Efrain da Cruz, que por sua vez é próximo de Marcos Rogério (PL), partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na visão de executivos de grandes elétricas, que falaram sob condição de anonimato, os conflitos no colegiado deixaram de ser saudáveis porque foram contaminados por questões além dos aspectos técnicos do setor.

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“Dissenso e discordância são importantes na agência, mas têm que estar motivados por diversidade de visões em relação a regras do setor. Diferenças pessoais entraram como elemento forte na discussão”, afirmou um executivo.

De acordo com as fontes, a percepção piorou consideravelmente no último mês, depois da decisão sobre a revisão tarifária no Amapá.

Após mais de cem dias sem deliberar sobre um aumento tarifário da ordem de 35% em razão da promessa de uma medida provisória pelo governo, a Aneel decidiu aprovar reajuste equivalente a zero e criar um ativo regulatório a ser reconhecido futuramente nas tarifas da distribuidora amapaense, pertencente ao grupo Equatorial.

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Feitosa criticou posteriormente a decisão, avaliando que ela trazia “insegurança regulatória”, o que foi desaprovado por diretores na reunião desta semana. Guerra, que está saindo da Aneel após 23 anos, se disse magoado com a atitude do diretor-geral, enquanto Tili e Mosna condenaram a fala, afirmando que as decisões colegiadas têm que estar acima de opiniões individuais.

“Não é um lugar para ‘lavar roupa suja’: se tem divergência de opinião, tem que ser (discutido) de forma privada, a reunião é pública, transmitida pela internet, qualquer um pode ver. É algo que nenhum agente apoia”, disse um executivo, afirmando que agora há maior cautela nas interlocuções com os diretores.

“O que tem ocorrido são decisões muito mais lentas, porque não tem mais discussão e alinhamento, tudo tem pedido de vista”, afirmou outra fonte, acrescentando que o Ministério de Minas e Energia terá uma responsabilidade grande com a escolha do substituto de Guerra.

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Duas fontes também consideraram muito negativa a deliberação sobre tarifas do Amapá, apontando um caráter político, já que uma das justificativas para não aprovar a alta tarifária no momento foi o impacto que teria na capacidade de pagamento da população. Um dos interessados no tema é o senador pelo Amapá Davi Alcolumbre (União), próximo de Efrain da Cruz.

Indefinições e reputação da agência

Entre as pautas que estão pendentes na Aneel, várias das fontes consultadas citam o caso da “RBSE”, indenização que vem sendo paga a transmissoras de energia, especialmente Eletrobras e ISA Cteep, pela renovação de contratos ocorrida em 2013.

O tema é alvo de questionamentos por suposto erro de cálculo do componente financeiro das indenizações por parte da Aneel.

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O impacto da correção dessa indenização, que é custeada por meio de cobranças embutidas na conta de luz, é da ordem de R$ 16 bilhões, e beneficiaria principalmente geradores e consumidores.

Para uma das fontes, ao atrasar decisões, a Aneel acaba se enfraquecendo e abrindo espaço para interferências indevidas por parte de outros atores, como Congresso, Tribunal de Contas da União e do próprio Ministério de Minas e Energia. Como exemplo, citou a atuação que considerou inadequada da Aneel no caso das termelétricas contratadas no leilão emergencial de 2021, um tema que escalou para o TCU.

“Uma questão que vem dos últimos anos é que, independentemente da capacitação técnica dos profissionais, sabemos que a indicação é absolutamente política, é fruto de acordos e negociações, e isso é muito ruim”, afirmou Luiz Eduardo Barata, ex-diretor-geral do operador elétrico ONS e atual presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia. “A agência não pode ser política, tem que ser técnica. Se queremos ter credibilidade no setor, é preciso que a agência e os profissionais tenham credibilidade”, acrescentou Barata.

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Leandro Gabiati, cientista político, aponta que é legítimo que as indicações para as agências reguladoras tenham uma variável política, mas pondera que isso não deveria preponderar sobre a atuação dos diretores.

“A política está presente, e é legítimo que esteja. Não necessariamente tem que ser uma marca negativa. A falta de diálogo interno no colegiado acaba enfraquecendo um pouco a postura do regulador”.

Procurado para comentar o assunto, Fernando Mosna disse que “os conflitos no colegiado da Aneel são públicos e, infelizmente, cada vez mais frequentes”. Ele também encaminhou à reportagem uma fala recente do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que diz: “O dia que você abre mão por um segundo da sua autoridade você nunca mais recupera. Então a autoridade que me é delegada – e autoridade não é arrogância – eu não transigirei em executar”.

Tili e o diretor-geral da Aneel não quiseram comentar, assim como a autarquia. Guerra e Agnes da Costa não retornaram a pedido de comentário.