Pix foi usado para financiar destruição de Brasília, mas cria rastro para localizar invasores

Cruzamento de dados envolvendo o sistema de pagamentos busca auxiliar autoridades a identificar financiadores dos atos golpistas

Reuters

(Fonte: Pixabay/Mohamed_hassan)
(Fonte: Pixabay/Mohamed_hassan)

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Sistema de pagamentos muito popular no Brasil e administrado pelo Banco Central, o Pix se tornou um pilar financeiro fundamental para financiar a invasão aos prédios dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro. Os atos golpistas fizeram parte do movimento de negacionismo eleitoral contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nas últimas eleições presidenciais.

Um invasor do Congresso Nacional, naquele 8 de dezembro e que mora em Socorro (SP), agradeceu o apoio financeiro recebido para integrar os atos contra a democracia, segundo diálogo reproduzido pela agência Reuters. “O dinheiro está na conta”, afirmou, enquanto transmitia ao vivo a invasão. “Obrigado a vocês, amigos patriotas, que nos ajudaram, muitos amigos nos patrocinando com o Pix.

O invasor foi procurado pela agência de notícias sobre a participação nos atos golpistas, mas não respondeu ao pedido de entrevista até esta publicação.

A facilidade do Pix fez sua popularidade deslanchar desde que foi lançado, em novembro de 2020, e hoje cerca de 141,6 milhões de usuários estão cadastrados. Sua instantaneidade agiliza a vida de muitos consumidores no cotidiano, mas também dificulta a restreabilidade das operações ilegais. O Banco Central vem trabalhando em mudanças para tentar aprimorar essa situação.

Mas, enquanto as autoridades buscam identificar os financiadores dos distúrbios em Brasília, a mesma ferramenta que ajudou a forjar o movimento insurgente será usada pelos investigadores para derrubá-lo, afirmaram policiais e autoridades especialistas em combate à lavagem de dinheiro à Reuters.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que está conduzindo a investigação criminal sobre a invasão, e o ministro da Justiça, Flávio Dino, disseram que planejam priorizar a descoberta dos financiadores dos atos, que provavelmente enfrentarão acusações semelhantes aos 1.398 invasores presos. Eles são acusados de crimes como terrorismo e tentativa de golpe.

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“Estamos com uma linha segura de investigação consistente justamente no rastreamento das movimentações financeiras realizadas através do Pix”, disse um policial federal de alto escalão envolvido na extensa investigação, falando sob condição de anonimato por se tratar de uma investigação em andamento. “Certamente chegará a vez dos financiadores.”

Um policial federal que trabalha na investigação da Suprema Corte disse que os primeiros achados sugerem que o quebra-quebra foi financiado por fazendeiros e magnatas do ramo dos caminhões em importantes redutos bolsonaristas no interior do Brasil. No entanto, a polícia ainda não identificou um “peixe grande”, disse o policial, que falou sob condição de anonimato à agência de notícias: “Ninguém relevante ainda”.

Pix em tudo

As transações via Pix já totalizam cerca de R$ 16 trilhões e ultrapassaram os pagamentos com cartão de crédito e débito no país.

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O Pix entrou em todas as facetas da vida cotidiana brasileira, incluindo o vasto e indisciplinado universo de blogs e canais do Youtube, que servem como incubadores para os principais apoiadores dos atos golpistas.

Os influenciadores alinhados aos atos anunciam suas “chaves” do Pix em vídeos do Youtube e transmissões ao vivo do Instagram, pedindo aos seguidores que enviem contribuições instantâneas para suas contas bancárias.

Pix fez parte do problema, mas pode ser solução

A polícia, especialistas em lavagem de dinheiro e funcionários do Banco Central disseram que as doações via Pix serão fundamentais para os esforços dos investigadores na descoberta de quem orquestrou a invasão em Brasília. Vários especialistas e funcionários públicos pediram anonimato para discutir as investigações em andamento.

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“É uma ferramenta extremamente poderosa dentro desse contexto investigativo e não tenho dúvidas de que será usada”, disse Bernardo Mota, ex-funcionário do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

As transferências via Pix são cobertas por leis de sigilo bancário, e a polícia só pode acessar o histórico de transações de um suspeito mediante autorização judicial.

Embora o Pix não ofereça mais rastreabilidade do que os sistemas anteriores, especialistas dizem que o fato de ele ser administrado pelo Banco Central remove uma camada de burocracia, permitindo que os investigadores evitem lidar com bancos privados.

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Isso é particularmente útil em uma investigação como esta, disse Mota, com a necessidade de rastrear rapidamente o que podem ser centenas ou mesmo milhares de diferentes financiadores pelo Brasil.

Um dos tipos mais comuns de chave Pix é o número de telefone celular de uma pessoa, oferecendo aos investigadores um atalho para buscar escutas telefônicas e requisitar judicialmente registros de conversas por aplicativos de mensagem.

“Acho que essa rapidez permite identificar as relações entre as pessoas envolvidas e, principalmente, quem financiou tudo isso”, disse Mota. “Você pode ter pessoas que financiaram e não estavam lá (em Brasília) naquele dia. Pelas ligações financeiras você pode identificá-los.”

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Importante ressaltar que a chave Pix mais comum é a aleatória, feita de forma automática por sequência de números e letras. Até dezembro de 2022, ela representava 42% do total de chaves Pix, enquanto as chaves Pix celular representavam 20% do total.  No entanto, o Banco Central disse em comunicado que “todas as operações do Pix são rastreáveis”, acrescentando que “sempre atua em estreita colaboração com as autoridades competentes na apuração de quaisquer crimes envolvendo o sistema financeiro”.

O Pix também tem suas desvantagens investigativas, dizem os especialistas. Com uma parcela crescente das transações diárias agora sendo realizadas via este sistema, pode ser demorado para os investigadores separarem as transferências suspeitas dos gastos diários.

Um funcionário atual do Banco Central disse que uma série de novas empresas de tecnologia financeira e processadores de pagamentos digitais aumentaram o acesso aos serviços bancários no Brasil, ao mesmo tempo em que facilitaram a abertura de contas com pouca informação ou mesmo informações falsas.