Outlets de Miami sentem o peso da crise no Brasil

Não é muito difícil encontrar famílias brasileiras fazendo compras no Sawgrass, mas o português não é mais o idioma que domina

Estadão Conteúdo

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O que se pode fazer quando seu principal cliente perde metade do poder compra em cerca de dois anos? É exatamente essa pergunta que Miami está se fazendo em relação ao Brasil, país que lidera a lista de visitantes internacionais à região. Entre os prejudicados pela crise econômica e pela disparada da cotação do dólar no Brasil, os shoppings de desconto – ou “outlets” -, que tanto atraíram turistas para Miami nos últimos anos, são agora justamente os mais afetados.

Os dias de frenesi nos outlets de Miami – mesmo no gigantesco Sawgrass Mills, com suas cinco “avenidas” que somam 350 lojas – parecem ter ficado para trás. Os brasileiros continuam vindo à região, apesar de ter uma pequena queda de 3% no número de visitantes no ano passado – a primeira em mais de 20 anos, segundo o Miami Conventions and Visitors Bureau. Nos outlets, porém, a retração foi muito superior, especialmente nas lojas que sempre lucraram por serem as preferidas dos brasileiros.

Há relatos de lojistas de Miami que tiveram as vendas cortadas pela metade. Desde o início do ano, segundo o Banco Central, os brasileiros reduziram em 25% os gastos com compras fora do País (o dado compila as transações com cartões de crédito no exterior). Em agosto, porém, o BC apontou um freio mais forte dos gastos, que caíram 46% em relação a 2014.

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O Estado foi ao Sawgrass Mills duas vezes na semana passada e, segundo turistas brasileiros, o ainda movimentado shopping nem sequer lembra os dias de “explosão” vividos entre 2011 e 2013. Com o dólar a R$ 1,70, a R$ 2 ou até a R$ 2,50, a disputa pelas melhores mercadorias era ferrenha. A fila na Victoria’s Secret, antes separada por fitas como nos aeroportos, hoje desapareceu por completo. Também ficou fácil comprar na Gap e na Tommy Hilfiger, que sempre atraíram uma legião disposta a revirar suas pilhas de ofertas.

Não é muito difícil encontrar famílias brasileiras fazendo compras no Sawgrass, mas o português não é mais o idioma que domina. Cedeu lugar ao espanhol. Ao abordar uma família que carregava duas malas de compras e mais uma sacola pensando se tratar de brasileiros, o Estado foi informado que os visitantes eram paraguaios. Segundo o escritório de turismo de Miami, os turistas do Chile e da Colômbia também são “emergentes” na cidade.

Enquanto no Sawgrass o Brasil ainda tem presença relativamente forte – há muitos funcionários de lojas que falam português, assim como sinalização e promoções direcionadas ao público brasileiro -, em outros shoppings é bem mais difícil encontrar alguém falando português. A reportagem ficou uma hora no Dolphin Mall, em Miami, e só encontrou duas famílias brasileiras. Uma delas não carregava nem sequer uma sacola de compras.

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Poder aquisitivo. Quem se especializou em fazer compras nos outlets está sentindo a queda no poder aquisitivo em dólar. A família Toste, do bairro do Tatuapé, em São Paulo, está tão acostumada a rodar os shopping da Flórida que até desenvolveu uma técnica para não se perder. Pai, mãe, filho, filha e genro se comunicam por walkie talkies – um para os “meninos” e outro para as “meninas”.

O Estado encontrou o aposentado Joel Martins Toste Sobrinho, de 61 anos, enquanto ele esperava que a mulher e a filha saíssem da Victoria’s Secret. Depois de uns 20 minutos lá dentro – com a ajuda do filho Bruno, que é o tradutor oficial da família -, elas não compraram quase nada. “Está tudo muito caro”, justifica-se dona Heidi. O filho explicou melhor: há dois anos, era possível comprar quatro cremes por US$ 35; hoje, dois custam US$ 18.

“Houve uma inflação em dólar. A gente percebe isso também”, diz Bruno, que é turismólogo. É o efeito da roda da economia: há alguns anos, enquanto o Brasil surfava uma onda de prosperidade que não se revelou duradoura, os Estados Unidos estavam em crise. Agora, a situação se inverteu. “Uma lata de Pringles (batata frita) custava US$ 1. Agora está US$ 1,50.”

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Apesar do efeito duplamente negativo – preços mais altos e real desvalorizado -, a família não pretende voltar ao Brasil com malas vazias. “Comprei um relógio de US$ 600. Mas no Brasil ele sai por R$ 3,9 mil. Ainda fiquei no lucro”, diz Sobrinho. Além disso, o aposentado disse que já havia comprado dólar há algum tempo, então a aquisição saiu menos de R$ 2,4 mil.

Mesmo quem planejou a viagem com bastante antecedência – como um grupo de 42 pessoas vindo de Carlópolis, no norte do Paraná – está fazendo bem as contas. Os tempos do “quem converte não se diverte” ficaram para trás. Hoje, a ordem é decidir comprar só o que, mesmo multiplicando por quatro, continua valendo a pena. Para Fabiano Alpheu Barone Barbosa, 43 anos, que organizou a viagem do grupo, o afã do turista brasileiro pelas compras esfriou.

Funcionário aposentado do Banco Central, Carlos Salomão, de 64 anos, visita a Flórida pela terceira vez em três anos. Desta vez, dedicou-se a passeios diferentes. “Fui a Sarasota, Tampa e curti Orlando sem ir a parques. Foi uma surpresa, foram lugares agradabilíssimos”, diz ele, que viajou ao lado da esposa, Maria Aparecida, e de um casal de amigos. Segundo Salomão, uma palavra jamais associada a brasileiros em outlets está cada vez mais na moda em Miami: cautela. “Não é só o que está ocorrendo agora, mas também o medo do futuro. E se 2016 for pior? Não dá para sair comprando.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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