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O Ministério da Saúde lidera uma iniciativa que prevê a criação de uma plataforma de dados em saúde, que permitirá a criação de um prontuário único para o paciente e maior agilidade na portabilidade entre planos de saúde. O mecanismo está sendo desenvolvido em parceria com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula o mercado de planos privados, Ministério da Economia e o Banco Central.
A medida faz parte de um projeto maior, chamado Open Health, cujo conceito é similar ao do Open Finance: permitir o compartilhamento de dados para obter algum tipo de benefício em serviços e produtos. A grande diferença é sobre qual dado será compartilhado. Se no Open Finance as informações são de cunho financeiro (bancárias, de seguros e até de investimentos), no Open Health os dados são os ligados à saúde — portanto, mais sensíveis.
Em nota enviada ao InfoMoney, o Ministério da Saúde afirma que a plataforma que vem sendo desenvolvida é a primeira etapa do Open Health, que “busca estimular a concorrência e promover maior qualidade no acesso à contratação de planos de saúde aos mais de 49 milhões de beneficiários do país”.
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A plataforma tem dois pilares de sustentação, conforme o relatório final do Grupo de Trabalho do Open Health: assistência ao consumidor, com foco em compartilhamento de dados em saúde para criação do registro único ou prontuário eletrônico de saúde; e financeiro, cujo objetivo é estimular a concorrência no mercado de planos de saúde, melhorando o formato de portabilidade.
A promessa era de que essa plataforma fosse lançada ainda em meados de novembro de 2022. O ministério, porém, não confirmou se a previsão se concretizou. Também não foi informado à reportagem se há um calendário de implementação do sistema.
Confira, a seguir, o que já se sabe a respeito do ecossistema aberto de dados de saúde no Brasil.
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Por que desenvolver o Open Health?
Um dos desafios do setor de saúde está relacionado aos dados, que são descentralizados. “Dados de saúde começam no nascimento e terminam na morte. Nesse intervalo, a pessoa tem muitos contatos com o sistema de saúde em diferentes locais, circunstâncias e por inúmeros motivos. Isso deixa as informações muito pulverizadas”, explica Immo Paul, fundador e CEO da Carenet Longevity, empresa que cria soluções tecnológicas para hospitais.
A informação está no hospital, na farmácia, no plano de saúde, na empresa farmacêutica, nos laboratórios, no SUS. “São muitos tipos de players atuando no sistema”, diz Paul.
Em comparação com Open Finance, uma pessoa mantém conta com dois a três bancos, em média, ao longo da vida. “Nesse caso, os dados já são mais centralizados porque os bancos A, B ou C já têm muitas informações do cliente”, complementa o executivo.
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Já na área da saúde, além de espalhados, os dados que realmente importam não estão disponíveis no formato online.
“Ainda temos muitos dados não digitalizados, sobretudo, no setor privado. Isso dificulta a comunicação entre hospitais e laboratórios a partir de exames feitos pelo mesmo paciente”, afirma Jorge Carvalho, head da vertical de saúde da Semantix, consultoria de dados.
“O paciente gera dados em todos os ambientes de saúde que frequenta, mas, muitas vezes, essas informações são perdidas, porque não há organização dos dados e compartilhamento entre os locais em que o paciente frequenta. Deveria ser simples e sem fricção, o que não acontece”, confirma Paul.
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Outro calcanhar de Aquiles está no acesso do cliente ao sistema de saúde, ressaltam os especialistas consultados.
“Hoje temos uma assimetria de beneficiários considerando o sistema privado: alguns com uma cobertura super alta e outros com a básica. Os preços são muito altos em um setor verticalizado e centralizado”, diz Camila Pepe, diretora da Origin Health, consultoria de tecnologia para saúde, e editora da MIT Technology Review Brasil.
A plataforma Open Health que vem sendo desenvolvida concentra esforços na resolução desses percalços já conhecidos, com foco especial na padronização de dados.
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Como vai funcionar?
Há pouca informação sobre a plataforma que vem sendo desenvolvida para o Open Health no Brasil. Há mais detalhes a respeito das mudanças na portabilidade dos planos de saúde.
Segundo o Ministério da Saúde, o sistema deve funcionar a partir do consentimento do usuário, que vai poder optar por compartilhar dados cadastrais de planos de saúde (cadastrados e ativos na ANS). A finalidade é simplificar e facilitar a contratação de serviços privados de saúde suplementar e aprimorar a portabilidade de carências na troca de plano.
“Os compartilhamentos de dados cadastrais e transações têm como objetivo propor diretrizes e vedações relacionadas às informações pessoais para operadoras de planos de saúde, para evitar práticas de seleção de risco, conforme previsão legal”, diz, por nota, a pasta da Saúde.
A previsão é que haja uma integração do “Plano de Dados Abertos (PDA)”, da ANS, com a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) para que seja possível melhorar a transparência de informações em saúde e a experiência do usuário.
O PDA é um documento que orienta as ações de planejamento, promoção, execução e melhorias relacionadas à Política de Dados Abertos do Governo Federal no âmbito da ANS. Ele serve como referência de padrões de qualidade no uso de dados de saúde privada.
Já a RNDS é uma iniciativa do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, criada em 2020. Ela funciona como um mecanismo que vai conectar sistemas de informações de saúde de todo país. O relatório diz que a integração será um passo importante para reduzir a fragmentação de informações entre os setores público e privado.
O projeto do Open Health busca integrar essas iniciativas universalizando os dados de saúde da população na plataforma de serviços.
“O objetivo é facilitar o consumo dos dados da ANS publicados no Portal Brasileiro de Dados Abertos por aplicativos e softwares de estatística e, dessa forma, estimular o desenvolvimento de soluções e novas aplicações contribuindo para a melhoria da qualidade dos serviços de saúde prestados à população”, diz, por nota, o Ministério da Saúde.
Também foi mencionado que a plataforma Gov.br, site do governo que concentra uma gama de serviços públicos, pode ser utilizada no projeto do Open Health, já que utiliza dados compartilhados dos cidadãos para finalidades específicas.
- Fluxo de troca de informações
O que está definido no relatório do grupo do trabalho é como deve funcionar o fluxo de informações para portabilidade (ou contratação) de planos de saúde na plataforma de Open Health. No modelo, a ANS centraliza os processos, incluindo as informações dos beneficiários e dos planos.
Hoje o beneficiário precisa realizar todas as etapas da portabilidade: buscar pelo plano que deseja, contatar a operadora de plano de saúde para efetivar a portabilidade e a operadora em que tinha o plano para realizar o cancelamento do serviço.
Além disso, há uma carência mínima de dois anos, e a portabilidade só acontece caso haja a compatibilidade por faixa de preço — uma mudança para um plano de valor e cobertura similares.
A ANS já possui um guia (“Guia de Planos ANS”) com dados e regras de portabilidade para simplificar o processo. A ideia é incluir essa ferramenta na plataforma do Open Health e aprimorá-la.
Com esse novo fluxo, o beneficiário inicia o processo de portabilidade após escolher o plano para o qual quer mudar ou contratar e aguarda um retorno.
Veja como seria, conforme o relatório final do grupo de trabalho:
- 1. Para iniciar o processo, o consumidor precisará autorizar o compartilhamento de seus dados;
- 2. O sistema da ANS notificará automaticamente a operadora de origem e a operadora de destino para que enviem ao sistema as informações relevantes à portabilidade;
- 3. Operadora de destino acessa o sistema para obter os dados relevantes e concluir a portabilidade;
- 4. A ANS notifica a operadora de origem sobre o cancelamento do plano;
- 5.1 Se há a efetivação da contratação ou realização da portabilidade, a ANS comunica o beneficiário e as operadoras;
- 5.2 Se a portabilidade não é realizada, a ANS analisa se realmente o beneficiário não cumpriu os critérios previstos.
Segundo o relatório, essa proposta pode ser colocada em prática mais rapidamente, sendo implementada diretamente pela ANS e com menor esforço de coordenação com participantes de mercado. É a proposta menos onerosa para as operadoras, já que as despesas estão concentradas também na ANS.
Cautela com as informações
Na comparação com o Open Finance, o Open Health também exige um outro nível de cuidado com os dados que vão circular na plataforma em construção. As informações de saúde são ainda mais sigilosas do que as que envolvem dinheiro.
Ao compartilhar os dados de saúde dos últimos 5 anos, por exemplo, um paciente com histórico de problemas cardíacos poderia ser barrado pelo plano de saúde concorrente, que avaliaria essa pessoa como um cliente de alto risco — portanto, mais caro para o negócio.
Assim, estimular a concorrência nessa direção pode trazer restrição de acesso ou de cobertura dos planos de saúde para determinados grupos, como idosos ou pessoas com doenças crônicas.
“Ao permitir que as operadoras tenham acesso ao histórico do paciente, elas poderiam passar a selecionar quem aceitam para seu portfólio ou não baseado nas informações que o próprio usuário optou por compartilhar. Ou seja, a circulação de dados sob consentimento poderia gerar riscos para os consumidores”, avalia Pepe.
Carvalho, da Semantix, acrescenta que a construção do Open Health deve priorizar o usuário. “Os dados são dele e ele deve se beneficiar do compartilhamento para utilização de serviços e produtos”.
“Até que ponto ter transparência não viola a lei de proteção de dados? Como fazer a administração de quem vai ver e ter acesso às informações no mercado?”, questiona Pepe.
Paul, da Carenet, defende que a a fiscalização do sistema Open Health deveria ficar com o setor público. “Acho que tem que ser o governo e não o setor privado por causa de conflitos de interesse”, diz.
Diante de tantos desafios com os dados, o relatório do Grupo de Trabalho do Open Health explicaque o “arcabouço regulatório do setor de saúde suplementar impede a prática de seleção de risco, proíbe as operadoras de rejeitar clientes com base na idade ou condições pré-existentes e determina diferenciação de preços com base em faixas etárias pré-definidas”.
Adicionalmente, a Lei n°9.656/98, que dispõe sobre os planos privados, veda expressamente aos planos de saúde da seleção de risco pelas operadoras na contratação de qualquer tipo de plano saúde. A ANS tem normativa (nº 27/2015) nesta mesma direção.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) não proíbe o compartilhamento de dados de saúde, mas o usuário precisa dar consentimento sobre isso, segundo Letícia Becker, advogada especializada em proteção de dados.
Open Health: o que esperar?
Em pleno funcionamento, algumas situações hoje hipotéticas serão realidade.
Imagine que uma pessoa com alergia a um determinado medicamento sofra um acidente na rua e é atendida por uma ambulância do SUS. “Com o Open Health funcionando, o socorrista poderia buscar o prontuário eletrônico único em segundos e saber essa informação para não dar um medicamento que possa ser prejudicial à saúde do paciente”, conta Pepe.
Também será mais fácil realizar a portabilidade de planos de saúde, quando o usuário tiver que atuar menos no processo e apenas escolher o novo plano compartilhando seus dados, conforme está previsto no fluxo definido pelo grupo de trabalho.
Há também, assim como no Open Finance, que o estímulo à concorrência reduza os preços dos serviços de planos de saúde ao consumidor. No relatório do grupo de trabalho, a redução de custos de transação é um dos objetivos do projeto.
“A alegação é de que vai ter redução de custo, que aconteceria por não ter uma mediação na contratação de planos de saúde. O próprio usuário poderia solicitar o plano e comparar as melhores opções. Mas isso teremos que esperar para testar na prática”, diz Pepe.
Seria possível também que um hospital tenha todo o histórico dos últimos seis exames de um paciente, quando o mesmo fosse usar a emergência por algum motivo, agilizando a tomada de decisão.
Outra possibilidade é o médico em seu consultório ter acesso a exames que outro colega pediu um mês atrás de forma digitalizada puxando os dados do paciente na plataforma que seria uma base de dados universal. Isso evitaria, por exemplo, o paciente tenha que fazer o mesmo exame duas vezes.
“O setor privado se beneficia mais com o ‘Close Health’, a ineficiência gera lucro. Fazer dois exames é melhor que um só para o lucro da empresa. Uma abertura maior de dados vai baratear tratamentos e teremos mais informações para tratar a saúde. O plano de saúde deve passar a olhar o paciente de forma longitudinal e ao longo do tempo”, afirma Jorge Carvalho, head de saúde da Semantix,
Carvalho afirma que essa possibilidade também abre espaço para mais concorrência com health techs (statups de saúde) e outros players oferecendo novos produtos e serviços a partir de acesso a novos dados.
“A ideia é que o paciente seja um imã de seus dados. A gente produz dados de saúde todo dia, com a nossa rotina de alimentação, exercícios e exames. Tudo o que o ser humano faz é relevante para a saúde. Ter padronização de dados e conseguir capturá-los de forma organizada pode ajudar a salvar mais vidas”, afirma Paul.
“Poderemos também fazer estatísticas que não temos hoje e isso pode ajudar na criação de políticas públicas. Ter uma base de qualidade sempre traz informações que podem ser úteis na melhora da assistência para a população”, afirma a diretora da Origin.
Com o avanço dos estudos e o desenvolvimento da plataforma de Open Health, será possível exemplificar mais situações em que o ecossistema aberto de dados de saúde estará inserido no cotidiano do consumidor.
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