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SÃO PAULO – A Netflix (NFLX34) aumentou recentemente as mensalidades cobradas dos consumidores brasileiros – e gerou discussões sobre até que ponto o serviço de streaming pode aumentar os preços.
De um lado, a comparação com canais pagos de televisão ainda torna sua mensalidade atrativa, e os tempos de isolamento social tornaram o brasileiro ainda mais fissurado em serviços digitais. De outro, a competição com outros serviços de transmissão online de conteúdo está cada vez mais acirrada e o bolso do brasileiro está cada vez mais raso, diante da alta taxa de desemprego e da inflação crescente.
O InfoMoney ouviu especialistas em experiência do consumidor, serviços internacionais e streaming para entender o impacto do reajuste de preços na operação brasileira da Netflix. Também traçou um panorama sobre a concorrência no mercado de streaming nacional, assim como quais são seus limites de preço.
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Por que a Netflix reajustou preços no Brasil?
A Netflix aumentou os preços de suas assinaturas brasileiras a partir de 22 de julho. Os novos preços foram praticados a partir daquela data para novos assinantes; os antigos verão seus reajustes a partir de agosto ou setembro, a depender de fechamento da fatura.
Os valores tiveram crescimento entre 18,2% e 21,7%. O plano básico passou de R$ 21,90 para R$ 25,90. O plano padrão passou de R$ 32,90 para R$ 39,90. Por fim, o plano premium passou de R$ 45,90 para R$ 55,90. A mensalidade aumenta de preço dependendo da qualidade de imagem e da quantidade de telas suportadas.
É o primeiro aumento nas cobranças da Netflix desde março de 2019. Segundo a empresa de streaming, os preços maiores se devem pela quantidade e diversidade de conteúdos produzidos.
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“Acreditamos que as pessoas tenham mais escolhas do que nunca e estamos comprometidos com a entrega de uma experiência ainda melhor para nossos assinantes. Com isso, continuaremos oferecendo os melhores conteúdos, entre filmes e séries, além de uma vasta variedade de gêneros”, escreveu a Netflix em nota. A empresa reforça ainda que oferece três opções de plano, “para que as pessoas possam escolher um preço dentro de suas necessidades.”
Mateus Pestana, especialista em customer success e cofundador da plataforma no segmento Sensedata, afirma que novidades em conteúdo e em produto são formas de retenção que de fato justificam reajuste de mensalidade. “Por exemplo, a transmissão offline e a produção de conteúdo local são recursos ideais para países emergentes, como o Brasil.”
“O brasileiro é fissurado em serviços digitais, especialmente pelo celular. Além dos diferenciais de conteúdo, interface da plataforma e uso em diversos aparelhos também são importantes. O streaming virou uma das principais formas de entretenimento no Brasil, e as empresas fazem investimentos pensando nesse mercado. Quanto mais localizado o serviço, melhor seu desempenho porque mais as necessidades dos consumidores são atendidas”, concorda Thiago Romariz, diretor de inteligência de mercado do Ebanx. O Ebanx conecta gigantes internacionais, como Spotify e Uber, a mais de 100 métodos de pagamento pela América Latina. Romariz também é fundador do Chippu, aplicativo de curadoria de filmes e séries em serviços de streaming.
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Pestana também vê esse reajuste como forma de buscar lucratividade – e como uma tendência natural de startups que um dia se tornam empresas de tecnologia negociadas no mercado acionário. “Empresas de inovação, especialmente aquelas com modelos de recorrência, começam investindo descontos e ações de marketing para aquisição de clientes. A Netflix entrou com um preço baixo de forma a educar as pessoas sobre o consumo de serviços de streaming. A empresa virou sinônimo desse setor, e atraiu inclusive a pessoa que só tinha televisão aberta. Agora está fazendo uma transição para entregar lucratividade, e aí precisa reajustar os preços.”
A reflexão de Pestana se relaciona com as últimas métricas globais divulgadas pela Netflix. O serviço de streaming está em um momento de desaceleração na conquista de assinantes em relação ao pico da pandemia de Covid-19, algo projetado pela empresa em seus balanços. Mesmo assim, está melhorando suas receitas.
A Netflix apresentou resultados mistos no segundo trimestre deste ano. O número de novos clientes veio abaixo do consenso. Foram 209 milhões de assinaturas pagas, adicionando 1,54 milhão de novos assinantes, ante o esperado de 1,75 milhão, segundo dados da Factset. O resultado de novos assinantes parece ainda pior quando colocado ao lado dos ganhos obtidos no início da pandemia, quando a empresa adicionou mais de 10 milhões de novos assinantes no mesmo trimestre do ano passado. Assim, o resultado foi o pior para um trimestre na história da empresa.
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Apesar disso, a Netflix teve uma ligeira alta na receita, para US$ 7,34 bilhões, acima da expectativa de US$ 7,32 bilhões esperada pelos analistas da empresa de dados Refinitiv.
A expectativa dos analistas é de que a Netflix se recupere no segundo semestre deste ano, quando novos filmes, séries e programas forem lançados no serviço. A empresa já afirmou que pretende gastar mais de US$ 17 bilhões em conteúdo ainda neste ano, e a expectativa é de que o retorno dos conteúdos será um forte catalisador no segundo semestre.
A empresa de streaming espera lançar novas temporadas de séries populares como “Sex Education”, “The Witcher” e “You”, bem como filmes como “Red Notice”, estrelado por Gal Gadot, Dwayne Johnson e Ryan Reynolds, e “Don’t Look Up”, com Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Cate Blanchett e Meryl Streep. A empresa também mencionou a entrada de jogos na plataforma de assinaturas da Netflix sem nenhum custo adicional. Inicialmente, o foco será em jogos para celular.
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A Netflix projetou que 3,5 milhões de novos assinantes se juntarão aos 209,2 milhões já no terceiro trimestre deste ano. Porém, não eram os dados que Wall Street estava procurando. Os analistas esperavam, em média, um aumento de 5,5 milhões de novos assinantes no terceiro trimestre e de 9,64 milhões no quarto trimestre, de acordo com os dados da FactSet.
Então, como fica a concorrência?
Nos Estados Unidos, a Netflix mantém vantagem em um mercado de streaming concorrido. Mas está perdendo participação aos poucos, ficando com uma fatia menor de um bolo que cresceu muito nos últimos anos, e especialmente durante a pandemia de Covid-19. Um estudo da empresa de pesquisa Ampere Analytics reproduzido pelo site americano The Wrap mostra que a participação da Netflix caiu de 29% para 20% entre 2019 e 2020.
O Amazon Prime Video foi de 16% para 21%. O Hulu foi de 13% para 16%. O HBO Max teve um salto, de 3% para 12%. O Disney+ completa a lista dos cinco maiores serviços de streaming nos EUA, indo de 11% para 12%.
A participação da Netflix é maior no mercado de streaming brasileiro. Analisando o segundo trimestre de 2021, o serviço online JustWatch registrou um share de 31% para a Netflix. O Amazon Prime Video aparece em segundo lugar, com 24%. Seguem Disney+ (12%), Globoplay (8%) e HBO GO (7%). No acumulado dos primeiros seis meses deste ano, apenas a Disney+ teve um aumento relevante de participação. Os outros serviços apresentaram estabilidade em share de mercado.
O streaming estava crescendo há anos no país. Mas a pandemia acelerou a demanda por esses serviços e provocou a entrada de novas empresas, inclusive no Brasil. O Amazon Prime Video tem como diferencial a inclusão de outros serviços, como frete grátis na Amazon. Já o Disney+ defende seu forte conteúdo, com marcas como Marvel e Pixar. Suas mensalidades têm um único preço e são, respectivamente, R$ 9,90 e R$ 27,90.
Como em todo mercado, a concorrência pressiona os preços para baixo. Na data do reajuste da Netflix no Brasil, a competição atacou. A Globoplay afirmou que não reajustará seus preços até 2023 para assinantes atuais e aos que assinarem seu serviço ainda em 2021. Amazon Prime Video e HBO GO postaram boas vindas a novos assinantes na mesma época.
Pestana alerta, porém, que essa disputa entre Netflix e outros serviços de streaming é uma disputa entre um player consolidado e vários entrantes. “Os outros serviços estão ainda em uma curva de aquisição de clientes, que a Netflix já viveu. Então entram com estratégias agressivas, como preços menos e serviços agregados. Pode ser que o aumento de mensalidade fosse maior caso a Netflix não tivesse outros competidores em momento de entrada no Brasil. Mesmo assim, a empresa está agora em um momento de se proteger por meio de estratégias de retenção, e se monetizar para isso. Em algum momento, todos entrarão nessa fase.”
Quão fundo é o bolso do brasileiro?
Além da concorrência, outra pressão é o próprio bolso do brasileiro. No mercado americano, a acumulação de assinaturas é comum. Uma pesquisa da consultoria Parks & Associates mostra que 31% das famílias americanas assinam quatro ou mais serviços, enquanto 14% têm três serviços. 32% têm dois ou um. 22% não assinam nada. Por aqui, a soma de diversos serviços de streaming pode pesar no orçamento.
Quem assinar os planos mais básicos, desconsiderando promoções em pacotes anuais, de Netflix, Amazon Prime Video, Disney+, Globoplay e HBO Max pagará R$ 106,50 por mês. Escolhendo os planos mais premium de Netflix, Globoplay e HBO Max, o valor sobe para R$ 211,50. Em São Paulo, os planos mais básicos de televisão por assinatura nas operadoras NET, Vivo e Sky ficam entre R$ 49,95 e R$ 109,90. Os mais sofisticados, entre R$ 89,95 e R$ 269,99.
Percebendo esse movimento, até mesmo operadoras de televisão paga passaram a incluir serviços de streaming em seus pacotes. Atuando como concentradoras de diversos conteúdos, tentam manter o ritmo de aquisição de consumidores. O obstáculo continua sendo o preço, e a falta de flexibilidade de cancelamento na comparação com serviços puros de streaming.
Romariz afirma que pagar o preço mínimo desses serviços ou comprar apenas um ou dois serviços de streaming em pacotes sofisticados costumam ser propostas vantajosas no orçamento, na comparação com a televisão a cabo. “Uma vantagem é que você decide rápido quais serviços assinar ou cancelar, diferente dos pacotes poucos flexíveis das operadoras. Mas, na hora de fazer as contas, também é preciso lembrar que os serviços de televisão a cabo incluem em seus preços serviços como internet e telefonia.”
“Mesmo com o reajuste da Netflix, uma assinatura média de televisão paga sem canais premium custa uns R$ 100 por mês. Já o plano de entrada da Netflix está em R$ 25,90. A dinâmica de preços ótima é pelo menos não igualar o preço da televisão paga, porque vimos que esse serviço não se tornou mainstream no Brasil. A Netflix também tem uma política forte de ‘cancele a qualquer hora’. Por esses motivos, ainda existe espaço para crescimento da base de usuários. Essa base ainda está em migração para uma assinatura apenas de streaming”, concorda Pestana.
Para o especialista, existem clientes com alto e com baixo engajamento com uma marca. Os de baixo engajamento são os que saem do serviço assim que o orçamento aperta – seja pelas mensalidades mais caras ou por outros gastos aumentarem, como uma conta de luz. “A Netflix viu um nível de engajamento suficiente para suportar uma perda calculada de assinantes com o aumento de preços. Como empresa nativa digital, provavelmente tem cientistas de dados que simulam oferta e demanda para cada valor de mensalidade.”
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