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SÃO PAULO – Com a pandemia, muitos negócios tiveram que fechar as portas físicas e migrar suas operações, do zero ou não, para o digital. E, com as pessoas em casa e conectadas praticamente o dia todo, os esforços publicitários e de marketing também mudaram seu foco para o mundo virtual.
Porém, a linha que separa a publicidade que impacta o consumidor de forma positiva ou negativa é bem tênue – ainda mais no ambiente digital.
O InfoMoney conversou com especialistas das áreas de marketing e de proteção ao consumidor para entender quando uma abordagem publicitária pode se tornar assédio moral e como agir para se proteger dessas práticas.
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Para Fábio Mariano Borges, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), a discussão sobre invasão de privacidade não é nova, mas ao migrar para o campo digital, ficou mais complexa. “Estamos em um meio que, na teoria, não é ‘público’, porque seu celular, computador e o perfil na rede social são privados, mas recebemos anúncios direcionados nesses meios”, diz Borges.
Ele afirma que marcas que fazem um contato exclusivamente vendedor, sem oferecer alguma experiência ou benefício ao cliente tendem a errar ainda mais nesse sentido.
“A diferença não está na campanha mais criativa ou em quem tem mais anúncios, mas, sim, em quem vai entregar algum benefício ao cliente, seja ele de conteúdo, de afinidade ou de educação. Este é o momento de cuidar e o consumidor sempre pensa o melhor de marcas que cuidam dele”, diz Borges.
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Como responder ao assédio digital
Assim como o consumidor pode se proteger se for importunado por ligações, ele também pode reclamar sobre a recorrência de um anúncio ou campanha publicitária ao usar a internet e as redes sociais.
Dyogo Moises, coordenador de direito digital do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), informa que é, sim, possível reclamar sobre publicidade abusiva na internet, embora a regulação sobre o assunto no Brasil ainda seja incipiente.
O primeiro passo, segundo ele, é reclamar diretamente com a rede social ou o site em questão. “Isso em relação a alguma campanha ou anúncio específicos. Mas, em relação à quantidade de publicidade, é difícil ter sucesso, pois ainda não há precisão regulatória nenhuma sobre o assunto por aqui.”
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Nas redes sociais, o usuário pode denunciar a propaganda e verificar por que está vendo aquele tipo de anúncio.
O Facebook, por exemplo, possui uma página com informações detalhadas sobre como funcionam seus anúncios, que permite ao usuário configurar suas preferências em relação à publicidade. A exemplo do Facebook, o Instagram também possui uma página que informa os termos e políticas de anúncios da plataforma.
Caso o contato direto com a rede social ou o site não funcione, o consumidor pode buscar órgãos especializados em intermediar conflitos, como o site consumidor.gov.br, serviço público vinculado à Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça.
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Para realizar uma queixa no site, é necessário buscar a empresa na plataforma e preencher uma ficha de cadastro. Basta selecionar o campo “Publicidade abusiva/Ofensiva/Discriminatória” e, abaixo, descrever a reclamação da forma mais clara possível. É possível anexar documentos para ajudar a comprovar a queixa.
No caso específico de publicidade abusiva, é possível ainda procurar o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) para oficializar a reclamação. Basta entrar no site do Conselho e preencher a ficha de reclamação, informando o produto/serviço anunciado, onde foi divulgado e o motivo da queixa. Denúncias anônimas não são consideradas.
O Conar informa que não existe um número mínimo de queixas para que a denúncia seja acatada. E o usuário também pode compartilhar fotos e documentos que sustentem a queixa.
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Já em relação às abordagens diretas, como contatos por telefone e WhatsApp, a primeira coisa a se fazer é reclamar com a empresa que realizou o contato, e, sem sucesso, buscar uma intermediação do conflito, seja no Procon, órgão estadual de defesa ao consumidor, ou na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que regula os serviços de telecomunicações no País.
No caso de ligações indesejadas sobre serviços de telefonia, internet, TV por assinatura e produtos de bancos, o consumidor pode cadastrar seu número no site Não me Perturbe, iniciativa da Anatel para bloquear ligações indesejadas.
O Procon-SP também possui um sistema para cadastrar números de consumidores que não querem mais receber ligações de telemarketing. Para realizar o cadastro, o consumidor deve acessar o link oficial do Procon-SP e preencher a ficha com seus dados pessoais.
Como explicou Moises, do Idec, a proteção contra publicidade abusiva está prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), no artigo 37, que diz que práticas que violem a privacidade podem ter natureza abusiva, como seria o caso da exploração e do manejo inadequado dos dados pessoais.
“É necessário que o consumidor entenda que ele pode, respaldado pela proteção do CDC, buscar seus direitos perante empresas, diante de publicidades abusivas reiteradas, ainda que a LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados] não esteja vigente”, explica o diretor do Idec.
Como a LGPD muda as regras da publicidade online?
A Lei 13.709/2018, ou Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), surge para regulamentar o uso de dados pessoais coletados na internet. Ela foi pensada em um contexto de migração da interação entre clientes e empresas do analógico para o digital. Inicialmente, as empresas tinham até agosto de 2020 para se adequar às normas.
Mas a Lei n° 14.010/20, sancionada em junho deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro, incluiu um novo inciso à LGPD que postergou as punições previstas para agosto de 2021. Em paralelo, em 29 abril, foi editada a Medida Provisória nº 959/20 (a mesma do auxílio emergencial), que definiu que a LGPD passa a vigorar a partir de maio de 2021.
Se o Congresso aprovar a MP, transformando-a em lei, a LGPD começa a valer, portanto, em maio de 2021 e as penalidades em agosto de 2021. Mas se ela não for aprovada, a MP caduca no dia 28 de agosto e aí volta a valer o prazo anterior, que prevê que a lei entre em vigor em 14 de agosto.
Na prática, a LGPD fará com que os sites e as redes sociais revisem os processos de coleta de dados de usuários, já que a lei passa a responsabilizar diretamente essas empresas pelo uso dos dados. A lei vai ainda mais longe e inclui agências de publicidade e analistas de marketing como co-responsáveis pelas ações feitas com os dados dos usuários.
O ponto central da LGPD, na visão de Moises, é que a lei traz um respaldo jurídico maior para os consumidores. Embora todo o processo de reivindicação de direitos possa ser feito sem a nova lei, com base no Código de Defesa do Consumidor, ele explica que a LGPD traz elementos concretos e objetivos para a atuação de órgãos administrativos e judiciais.
“Com a vigência da lei, o consumidor vai ter mais segurança para reivindicar seus direitos junto a órgãos como o Procon. E, se ele acreditar que a exposição à publicidade está gerando danos materiais objetivos, ele pode até mesmo agir por uma via judicial. A LGPD facilita e acelera esses processos, garantindo maior proteção”, explica.
Transparência e privacidade
Uma das grandes vantagens da publicidade digital para as empresas é a capacidade de personalizar anúncios, direcionando os esforços a públicos específicos.
Mas, para o coordenador do Idec, falta transparência no uso desses dados. Ele defende que as redes sociais deveriam informar ao consumidor quem impulsiona cada anúncio, o histórico de atividades digitais dessas marcas e por que o usuário está vendo determinada publicidade.
“As redes sociais são totalmente responsáveis pelo conteúdo publicitário que abrigam, porque faz parte da atividade econômica da plataforma”, afirma Moises.
Em sua visão, muitas empresas utilizam dados pessoais dos usuários, obtidos nas redes sociais, para impulsionar propagandas e campanhas publicitárias sem o seu consentimento, o que é ilegal. Porém, a configuração desse tipo de prática como crime deve ficar mais clara apenas com a entrada em vigor da LGPD.
Outro ponto que deveria ser mais debatido, segundo o diretor do Idec, é a forma como esse consentimento é obtido. “As redes sociais e as empresas anunciantes não podem condicionar o acesso ao serviço com o uso indiscriminado dos dados do usuário. Colocar tudo junto nos termos de uso não faz parte de uma boa prática do uso de dados pessoais.”, explica Moises.
De acordo com o especialista, esse tipo de prática vai além do escopo jurídico e esbarra na questão ética. “Há contatos que acontecem se forma abusiva e intrusiva, que prejudicam a qualidade de vidas das pessoas. Não há consumidor que goste de receber esse tipo de publicidade constante”, conclui Moises.
Boas práticas para empresas na pandemia
Fábio Mariano Borges, professor da ESPM, defende que, especialmente em um momento delicado como o atual, as marcas deveriam se portar com empatia, pensando em ações sociais que possam ajudar os consumidores ou a comunidade, sem focar apenas na venda.
“Somamos quase 2 milhões de infectados. Este é o momento de as marcas mostrarem como elas podem contribuir para a sociedade de forma geral. Precisamos de marcas entregando gratuitamente conteúdo de entretenimento e educação, conteúdo sobre prevenção da doença, coisas assim”, complementa Borges.
Um recente levantamento da Kantar, empresa britânica de pesquisa de mercado, endossa a visão do professor. Segundo o estudo, 88% dos entrevistados concordam plenamente que as marcas devem comunicar os esforços feitos para enfrentar a pandemia. Para 86%, as marcas devem mostrar como podem ser úteis na crise. E 80% afirmaram que as empresas não devem explorar situações de risco para se promover.
Para Borges, tais resultados apenas reforçam a tese de que, neste momento, as empresas devem ser ter menos agressividade na hora de anunciar e mais contato humano. “Marcas que têm dado uma conotação somente vendedora neste momento, usando a publicidade apenas para anunciar produtos e serviços, têm caído na reputação”, conclui o professor.
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