A compra de carros usados e 0km no Brasil tem sido impactada pela elevação dos preços. Entre janeiro de 2020 e junho deste ano, os 0km registraram alta de 17,61%, segundo a consultoria automotiva KBB (Kelley Blue Book). Os usados (entre quatro e 10 anos de fabricação) somaram 33% de elevação nos valores no mesmo período.
O ticket médio de um 0 km hoje é bem superior ao registrado em 2021: R$ 130.769 contra R$ 111.938, de acordo com dados da Jato Dynamics.
Especialistas consultados pelo InfoMoney não veem melhora no patamar de preços dos veículos — ao menos no curto prazo. Mas o que está acontecendo?
Falta de peças
A chegada do coronavírus impactou a cadeia global da produção de veículos. Os lockdowns frearam a fabricação de componentes importantes, como os semicondutores, e as montadoras têm, desde então, registrado dificuldades para concluir a montagem dos carros novos.
No mercado doméstico, outros impactos (desvalorização do real, inflação alta e elevação dos custos logísticos) se somaram à falta de peças e deixaram o setor em desalinho. Esse cenário fez o preço dos usados inflar — este fenômeno persistiu com força entre 2020, 2021 e no primeiro semestre de 2022.
Em julho deste ano, porém, o apetite dos usados registrou queda. Segundo a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), as vendas de seminovos e usados tiveram baixa de 17,90% em relação ao mesmo mês do ano passado. Já os veículos novos alcançaram alta de 4,15%.
Mesmo diante do gargalo de produção, os consumidores têm pegado a fila de espera por carros 0km. Tamara Dewes, sócia de uma escola de idiomas, fez isso. Em maio deste ano, adquiriu um Chevrolet Tracker Premium novo que, diz ela, demorou quatro semanas para chegar à garagem.
“Valeu a pena comprar o novo em vez do usado. Paguei R$ 146 mil à vista no 0km e ainda pude personalizá-lo. Eu já iria comprar de qualquer jeito, e a melhor cotação desse carro, no segmento de usados, foi por R$ 131 mil. Mas, com um detalhe: o veículo já tinha dois anos de rodagem”, afirmou Dewes.
Para Ana Renata Navas, diretora da Cox Automotive, proprietária da consultoria automotiva KBB, os preços dos veículos novos e usados “dificilmente voltarão aos patamares pré-pandêmicos”. Navas continua: “a gente vive nessa expectativa de volta à normalidade, mas é uma ilusão. Vivemos outra realidade de custos, demanda, inflação”.
As montadoras também têm responsabilidade nessa elevação de preço, diz Milad Kalume Neto, diretor da consultoria automotiva Jato Dynamics. “Elas querem lucro e embutem suas margens nos carros novos. Por mais que elas estejam vendendo em menor volume, estão vendendo mais caro. No fim do dia, o faturamento não está sendo muito afetado”, avalia.
Como fazer um bom negócio?
A recomendação geral dos especialistas é aguardar para comprar um veículo. “O ideal é esperar, pelo menos, até o final de 2022. O mercado como um todo está inflacionado”, diz Kalume Neto.
Uma opção é mudar de segmento de carro para baratear a compra. “Se você tem um SUV, pode trocar po um sedã 0km, por exemplo. Vale ainda pesquisar os usados em busca de um bom negócio”, completa o executivo.
Mas se o consumidor tem a necessidade de comprar ou trocar de carro em breve, a dica é pesquisar muito. “Quem tem dinheiro, tem a vantagem de poder negociar”, afirma Antonio Jorge Martins, diretor da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Kalume Neto pondera que, mesmo aos compradores com dinheiro em caixa, o momento de aquisição segue desfavorável. “O mercado todo quer vender, mas não tem muito carro em estoque. Por isso, falta margem para o consumidor negociar”, afirma. Para o especialista, o cenário é esse: “é quase que comprar o que tem disponível. É um momento ruim para o consumidor”, acrescenta.
Quem vai financiar a compra, outros pontos de atenção precisam ser avaliados, como o custo do financiamento e o valor total da operação para não se endividar.
“O pior dos mundos é se endividar. É importante verificar se o valor da prestação se encaixa na receita mensal. É um custo recorrente que perdurará por dois ou três anos, por exemplo”, diz Martis, da FGV. “Organização é ideal para não se afundar nos juros”.
Somado a isso, o patamar salarial não acompanhou a alta dos preços. E, mesmo o desconto de 24,75% na alíquota de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), incentivo dado aos carros novos, não tem sido suficiente, dizem os especialistas. “A inflação corrói o poder de compra do consumidor e também o custo da fabricante. Ainda temos as eleições que, historicamente, impactam o setor automotivo”, afirma Kalume Neto.
Instabilidades provocadas por conflitos armamentícios também pesam na retomada do setor, completa Kalume Neto. “Rússia e Ucrânia são duas grandes produtoras de matéria-prima para semicondutores e, com a guerra acontecendo, a cadeia global de produção segue muito afetada pela falta de peças. A oscilação do dólar também atrapalha porque encarece os custos logísticos, como contêineres e fretes internacionais, além insumos, como o aço”.
Mas a Anfavea (representante das fabricantes de veículos) segue otimista. Para a entidade setorial, depois de um primeiro semestre ruim, a comercialização de veículos deve fechar 2022 com alta de 8,5% na comparação ao desempenho obtido em 2021, com 2,1 milhões de veículos emplacados (automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus).