Aposentado é condenado por tentar ‘passar a perna na Justiça’ sobre consignado

Judiciário multou aposentado que contratou empréstimo, pegou o dinheiro e depois alegou que nunca pediu o crédito

Anna França

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Um aposentado de Salvador (BA) foi condenado por litigância de má-fé ao acusar uma instituição financeira de fazer descontos em seu contracheque por empréstimo consignado não solicitado.

É enquadrado nesta situação quem age com o objetivo de causar danos a um processo. O autor da ação, o réu ou um interveniente (terceira pessoa que interfere na causa judicial) podem ser considerados litigantes de má-fé.

Segundo informações que constam dos autos, o aposentado afirmou que, ao conferir seu extrato do benefício previdenciário, em abril de 2019, percebeu uma redução no valor, por causa de descontos referentes a um empréstimo.

“Ele alegou que não assinou nenhum contrato de consignação, mas ficou comprovado que ele não só celebrou o acordo como sacou o dinheiro no caixa”, diz a advogada Mariana Barros Mendonça.

Especialista em direito bancário e sócia do escritório Fragata e Antunes Advogados, Mariana explica que o aposentado não só foi condenado como terá de pagar multa. “Hoje, a multa por litigância de má-fé está mais comum, porque os juízes estão mais atentos a ações infundadas que sobrecarregam a máquina judiciária.”

O que diz a Justiça?

Na decisão, o juiz Gustavo da Silva Machado, da 20ª Vara de Relações de Consumo da Comarca de Salvador, destacou que não ficou “demonstrado o fato constitutivo do direito da parte autora”.

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“Impõe-se a improcedência do pedido de ressarcimento dos danos morais, vez que, todas as provas apresentadas pela requerida corroboram pela contratação do crédito pela autora, não restando, portanto, evidenciada a prática de ilícito perpetrado pela demandada a ensejar sua condenação no pedido indenizatório”, escreveu.

O aposentado foi condenado ao pagamento de multa de 5% sobre o valor corrigido da causa, de R$ 25.452,32, algo em torno de R$ 1.300. Pela lei, o juiz pode decidir entre um percentual de 2% a 10%.

Na contestação, a instituição financeira não apenas comprovou a regularidade do negócio jurídico mediante apresentação do instrumento contratual assinado, como também evidenciou o recebimento do valor pelo contratante à vista da juntada do comprovante de cumprimento da ordem de pagamento. “A análise minuciosa das evidências entregues pela instituição financeira reforça a importância da transparência empresarial e da responsabilidade dos consumidores em suas condutas”, explica.

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De acordo com a especialista em Direito Bancário, o contrato de empréstimo não se comprova apenas pela assinatura, mas também pelo recebimento da quantia solicitada. “Quando ele recebe o dinheiro, tendo assinado ou não, ele usou”, disse.

Falsos pedidos de empréstimo

A advogada admite que são muitas as queixas procedentes de falsos pedidos de empréstimos consignados, especialmente feitos por correspondentes bancários espalhados por todo o Brasil. Por isso, no início deste ano, tornou-se obrigatória a assinatura física dos idosos em contratos de empréstimo consignado. Até então, essas operações podiam ser realizadas eletronicamente ou por telefone, facilitando o acesso ao crédito, mas também expunha os consumidores desta faixa etária a riscos de fraudes.

Mesmo assim, Mariana diz que o beneficiário precisa ficar atento a todos os descontos em seus proventos. Também é possível impedir que empréstimos sejam feitos por meio do sistema Meu INSS.

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“Dentro de uma agência bancária dificilmente ocorrerá uma fraude, porque os funcionários são treinados”, diz a especialista, ao citar o caso do Tio Paulo, que mesmo falecido, foi levado por uma mulher a uma agência bancária do Rio de Janeiro para contrair um empréstimo.

Consignado

O beneficiário pode pedir empréstimo consignado no valor correspondente a 30% de seus proventos. A taxa máxima para esse tipo de empréstimo pessoal é de 1,68% ao mês desde o início de maio. Antes, o percentual cobrado era de 1,72%.

No caso do cartão de crédito consignado e do cartão de benefício, os juros caíram de 2,55% ao mês para 2,49%. Tudo isso torna o consignado um dos créditos mais baratos e acessíveis à população.

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“Por questões sociais complicadas, essas taxas tornam o consignado muito atrativo, mas também elevam o endividamento de aposentados e abrem muitas possibilidades para fraude. Até porque, depois da pandemia e com a digitalização dos sistemas, os golpes também se multiplicaram. Por isso é preciso estar atento”, disse Mariana.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro