Animal não é bagagem: quais serão novas regras para transporte aéreo pet no Brasil?

Grupo formado por governo e empresas estuda criar Política Nacional para Transporte Aéreo de Animais

Anna França

Joca e seu tutor, Joao Fantazzini (Reprodução/Instagram)
Joca e seu tutor, Joao Fantazzini (Reprodução/Instagram)

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O Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) se reuniram com representantes das companhias aéreas GOL, Latam, Azul Linhas Aéreas e Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) para definir ações mais efetivas nos procedimentos relacionados ao transporte de animais, estabelecendo estudo sobre uma nova Política Nacional de Transporte Aéreo de Animais.

Segundo o ministério, o processo de escuta da sociedade será coordenado pela Anac, que realizará audiência através de canais de participação social na próxima semana para revisar e aprimorar a Portaria nº 12.307/23, que dispõe sobre as condições gerais para o transporte de animais aplicáveis ao transporte aéreo de passageiros, doméstico e internacional.

Durante o encontro, as companhias se comprometeram a apresentar, em 10 dias, propostas e sugestões para aprimorar a referida portaria e, em caráter emergencial, irão estudar a viabilidade da implementação do serviço de rastreabilidade de animais transportados em porão de aeronaves.

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O MPor informou ainda que irá convidar representantes do Congresso Nacional para reunião na próxima terça-feira (30), com o objetivo de buscar sugestões para melhorar a qualidade do serviço de transporte aéreo animal no país e analisar projetos de lei, que estão em tramitação no Congresso Nacional, relativos ao tema.

Com base nas questões apresentadas pela sociedade, pelo Parlamento e pelas empresas aéreas, o MPor lançará, ainda neste primeiro semestre, a Política Nacional de Transporte Aéreo de Animais, visando garantir mais segurança e bem-estar aos animais transportados pelas áreas no Brasil.

Histórico de tragédias

A morte do Golden Retriever Joca, na última segunda-feira (22), em um avião da Gol, voltou a levantar questionamentos sobre a qualidade dos serviços de transporte de animais prestado pelas empresas aéreas.

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O cão deveria ter sido encaminhado para Sinop, em Mato Grosso, mas foi embarcado para Fortaleza, no Ceará. Quando ficou sabendo, o tutor João Fantazzini voltou a Guarulhos (SP) para reencontrar Joca, que voltaria de Fortaleza. Mas achou o animal já morto dentro do canil da empresa, em uma caixa metálica onde havia sido transportado. O tutor acusa a empresa de negligência.

A Gol admitiu que houve falha operacional no transporte do cachorro que viajou para o estado errado. Em nota a companhia afirma que acompanhou o animal em todo o trajeto e que o falecimento foi inesperado, já em São Paulo.

Conforme atestado de óbito, Joca morreu por uma parada cardiorrespiratória, mas os motivos ainda não foram esclarecidos. A Gol afirma estar oferecendo suporte ao tutor e apurando o que aconteceu no transporte de volta a São Paulo. Além disso, a empresa decidiu suspender o transporte de animais por 30 dias. 

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Mas esse problema não é novo. Há dois anos, outro Golden, o filhote Zyon, foi enviado de Guarulhos para o Rio de Janeiro pela Latam, mas morreu antes mesmo de conhecer a nova tutora. Logo em seguida a empresa teve outro problema com o transporte de Weiser, um American bully embarcado em Guarulhos rumo a Aracaju, em Sergipe. O animal também chegou morto ao destino.

Os dois casos geraram revolta e forçaram a suspensão do serviço da Latam na época, que só voltou a operar dois meses depois com uma reestruturação do transporte de animais levados nas aeronaves da companhia aérea. 

A partir daí, a Latam só aceita pets a partir de 16 semanas (quatro meses) de vida nos voos, e não mais com 8 semanas, como foi o caso de Zyon. A empresa também passou a adotar novas regras para as caixas onde os animais são acondicionados tanto na cabine como nos porões dos aviões durante os voos. Assim, o kennel deve ter tamanho suficiente para que o pet consiga ficar de pé com uma distância de 5 cm até o teto e também possa dar um giro em torno do seu próprio eixo.

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Já na cabine do avião, o animal pode ser levado, no momento, em dois tipos de caixas: no kennel ou na bolsa flexível. Neste ano, a Latam decidiu facilitar ainda mais a vida de tutores de pets pequenos e suspendeu a exigência de peso máximo para ir dentro da cabine dos aviões. Antes era só até 7 quilos para voar a bordo. Mesmo sendo pequeno, se ultrapassasse o limite, ia para o porão.

No caso dos despachos de pets, via Latam Cargo, só seguirão viagem os animais que estiverem dentro de caixas de fibra de vidro, plástico rígido ou madeira — neste último caso, raças de grande porte terão de estar em um kennel de modelo 82. Já nos aeroportos, as caixas aceitas podem ser de fibra de vidro ou de plástico rígido.

Os problemas mobilizaram a opinião pública que, desde outubro do ano passado, a  Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estabeleceu novas regras para transporte aéreo de animais de estimação e de apoio emocional em voos domésticos internacionais. As normas levam em conta regras da medicina veterinária, que indicam a necessidade de realizar um check-up no animal antes de viajar, colocar a vacinação em dia e, principalmente, escolher uma caixa de transporte ideal para o tamanho do animal, uma vez que ela vai garantir sua segurança e o bem-estar.

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Ficou determinado ainda pela agência que o transporte de cão-guia ou de apoio emocional é permitido dentro da cabine gratuitamente, mediante apresentação de identificação do animal e comprovação de treinamento. O cachorro precisa ir deitado no chão da aeronave, próximo ao dono, e deve estar equipado com arreio, mas não precisa usar focinheira.

O transporte dos demais animais pode ser cobrado e direcionado ao porão conforme o tamanho. Os limites de tamanhos e de materiais utilizados nas caixas de transporte são determinados pelas companhias, de acordo com as características das aeronaves. Mas a Anac lembra que a empresa aérea tem a liberdade de escolher se quer ou não transportar animais.

O que os tutores podem fazer?

Caso haja problemas, os tutores podem seguir alguns caminhos, segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney. Segundo Adib Abdouni, advogado constitucionalista e criminalista, a má prestação de serviço por parte da empresa aérea, sem os cuidados necessários para transportar um animal vivo no departamento de bagagens e sem preservar sua integridade física, configura dano moral. Por isso, o tutor pode acionar a empresa por essa perda na Justiça.

“É responsabilidade objetiva de uma companhia garantir seu serviço, por isso é possível o tutor fundamentar o ajuizamento de ação judicial a fim de obter indenização, conforme artigo 186 do Código Civil e artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor, com vistas, ao menos, a amenizar a angústia e a tristeza que se abateu sobre ele com a morte de um membro de sua família”.

O advogado e sócio do Goulart Penteado Advogados, Victor Hanna, acrescenta que quando decide transportar animais, o que é facultativo conforme a Portaria nº 12.307 de 25 de agosto de 2023, emitida pela ANAC, as companhias aéreas cobram pelo serviço e estabelecem uma responsabilidade sobre aquilo que oferece.

“Tendo em vista o aumento no número de famílias multiespécies, as companhias até estão mais atentas para a segurança e aperfeiçoando a prestação desse tipo de serviço, permitindo, inclusive, que animais menores viajem com o tutor na cabine”, explica.

Além disso, Hanna cita que, em muitos casos, o animal é embarcado por último e desembarcado primeiro, sendo retirado e entregue de forma individualizada por um funcionário capacitado. “Mas é imprescindível que as companhias aéreas cumpram sua obrigação e responsabilidade com condições adequadas para a realização da viagem da maneira mais tranquila possível. E nos casos envolvendo o falecimento de animais, é importante apurar se, de fato, a companhia aérea adotou todas as medidas de segurança antes e durante a execução de transporte aéreo.”

Conforme o especialista, caso se conclua que a empresa tenha sido a responsável pelo ocorrido, é importante que o consumidor busque, a princípio, um diálogo direto com a companhia, por meio dos canais disponibilizados, antes de seguir para o ajuizamento de uma ação indenizatória.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro