Preparem-se para uma forte recuperação dos ativos de risco brasileiros

Se há algo que aprendi ao longo dos meus mais de 30 anos de carreira no mercado financeiro, é que os preços dos ativos de risco tendem a retornar à média – e atualmente estamos muito abaixo dessa média

Walter Maciel

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Nos meus dois artigos publicados neste espaço em 2023, procurei mostrar a grande oportunidade que se apresenta ao Brasil em um momento de reversão parcial da globalização e da perspectiva de preços de commodities sustentados no longo prazo, especialmente os soft commodities. Também destaquei o momento extremamente polarizado pelo qual passa a sociedade brasileira e a necessidade de o governo recém-eleito de buscar o centro, pacificando a sociedade com uma agenda que seja fiel à ampla base que o apoiou nas eleições, incluindo setores e pessoas notáveis que jamais votaram no PT no passado.

Outro assunto abordado foi a curiosa contradição entre as amplas acusações ao governo anterior de negacionismo e comportamento anticientífico em relação à pandemia e ao meio ambiente, e a atitude do novo governo, apoiado por setores da grande imprensa, de negar a ciência econômica e atacar o Banco Central (BC) por cumprir fielmente o seu papel legal de perseguir a meta de inflação determinada pelo CMN. É relevante mencionar que o BC elevou os juros de 2% para 13,75% em pleno ciclo eleitoral e está obtendo sucesso em impulsionar a convergência da inflação para a meta ao longo do horizonte relevante, que inclui a meta de 3,25% para 2023 e 3% para 2024.

Em contraste com as principais economias desenvolvidas e outros países emergentes, até 2022 o Brasil conseguiu reduzir a despesa primária como proporção do PIB e controlar a inflação. A literatura econômica e os exemplos históricos mostram de forma inequívoca que a disciplina fiscal e a inflação sob controle levam a um maior crescimento econômico de longo prazo, com menor taxa de desemprego estrutural e maior renda real da população. Estatísticas recentes também demonstram que o aumento do auxílio à população contribuiu para reduzir a desigualdade de renda no país, mesmo durante uma pandemia.

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Para surpresa de muitos, inclusive do autor deste artigo, o início do novo governo foi marcado por um discurso fortemente direcionado à base de apoio ideológico e não à ampla coalizão de forças que foi responsável por sua eleição. Não faltaram críticas contundentes ao Banco Central, inclusive diretamente ao seu presidente, e ameaças de retrocesso em vários avanços institucionais conquistados pela sociedade nos últimos anos, com grande colaboração do Congresso.

A autonomia do Banco Central, a meta de inflação, o Marco do Saneamento, a privatização da Eletrobras, a Lei das Estatais, a política de preços da Petrobras, a possibilidade de o BNDES voltar a financiar projetos de retorno duvidoso e arriscado em países vizinhos (após exemplos recentes de fracasso) e até mesmo ataques diretos ao agronegócio (que tem sido o grande motor de crescimento da economia brasileira nos últimos dez anos) foram questionados e atacados constantemente. Além disso, a PEC que elevou em quase R$ 200 bilhões os gastos públicos também contribuiu para aumentar a incerteza em relação à trajetória da dívida pública, que é notoriamente nosso ponto fraco desde o desequilíbrio fiscal no período de 2011-2015.

O aumento da incerteza afeta diretamente o “Espírito Animal” (termo cunhado por Lord Keynes e mais recentemente discutido por Robert Shiller) dos empreendedores e investidores, reduzindo sua propensão a assumir riscos e investir na economia real.

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Infelizmente, em meio a esse contexto de maior insegurança, ocorreram dois eventos corporativos envolvendo duas grandes empresas, Americanas e Light, que, embora não tenham sido sistemicamente relevantes, acabaram prejudicando o mercado de crédito privado, aumentando os spreads pagos pelas empresas. Isso ocorreu mesmo sem que a taxa Selic tivesse sofrido qualquer aumento e apesar do fechamento das taxas de juros negociadas no mercado futuro, que são as que realmente indicam o custo do dinheiro para todos os agentes econômicos.

Nos últimos anos, o crescimento significativo dos fundos de crédito privado tem disruptado um mercado que era dominado pelos grandes bancos, oferecendo às empresas novas fontes de financiamento com maior flexibilidade e taxas mais atrativas. O governo, a CVM e as agências reguladoras devem agir com firmeza para garantir mais segurança no mercado, especialmente para os pequenos investidores que possuem cotas nos fundos de crédito privado, a fim de garantir que esse mercado continue a crescer e reduza o custo de captação das empresas. Isso é muito mais importante do que a redução da taxa Selic, que tem sido uma obsessão por parte do governo.

Mesmo diante desse cenário e apesar do discurso populista e desconectado com uma vitória por margem tão estreita em uma eleição na qual 30% dos eleitores anularam o voto ou não compareceram às urnas, acredito que testemunharemos uma forte recuperação dos ativos de risco, que já começou há algumas semanas.

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Apesar de todas as imperfeições de nossa democracia e da excessiva intervenção do Poder Judiciário, que invade não apenas a esfera privada, mas às vezes até mesmo as atribuições de outros poderes, gerando ainda mais insegurança jurídica, o Congresso Nacional hoje desempenha um papel moderador em relação ao Executivo.

A população brasileira passou por grandes transformações no século XXI, com uma contribuição significativa da grande recessão ocorrida durante o governo de Dilma Rousseff. Desde 2016, as eleições federais, estaduais e municipais gradualmente têm mudado o perfil dos congressistas de forma consistente. É algo inédito no Brasil desde a redemocratização ter um Congresso de maioria centro-direita, que tem contribuído fundamentalmente para a aprovação de leis e reformas que trouxeram grandes avanços ao país.

Nesse contexto, o governo tem enfrentado uma forte reação contrária a medidas que, nas palavras do presidente da Câmara, Arthur Lira, representam “retrocessos”. Propostas como a retirada da autonomia do Banco Central e a reestatização da Eletrobras foram prontamente rejeitadas pelos presidentes do Senado e da Câmara. Além disso, o decreto que reverteu o Marco do Saneamento, que nos últimos dois anos atraiu grandes investimentos privados para o setor pela primeira vez em décadas, foi imediatamente suspenso por uma margem impressionante de votos.

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O Brasil se tornou uma potência agrícola e está prestes a se consolidar como um grande exportador de petróleo devido ao avanço da produção do Pré-Sal. Além disso, possui um dos maiores mercados locais de consumo e tem sido um exemplo no combate à inflação que afetou quase todas as economias relevantes do planeta. O país também possui um mercado de capitais bastante desenvolvido, que passou por uma democratização no acesso a produtos de qualidade e por financial deepening. Além disso, apresenta saldos comerciais crescentes e sustentáveis a longo prazo.

No entanto, nossa grande fragilidade é fiscal. A presidente Dilma assumiu o país com uma dívida equivalente a 50% do PIB e foi afastada deixando um legado de 70% com trajetória crescente e descontrolada. Apesar dos esforços de ajuste fiscal nos dois governos que a sucederam, nossa dívida ainda está vinte pontos percentuais acima da média de nossos pares emergentes. A solução dessa fragilidade seria o gatilho para uma forte reprecificação do risco Brasil.

O Teto de Gastos foi de extrema importância para controlar a dívida pública em um momento crítico de descontrole. No entanto, demonstrou-se menos efetivo durante períodos de maior crescimento econômico e excessivamente restritivo durante períodos de estagnação, o que comprometeu investimentos em setores essenciais como Educação e Saúde. Diante desse contexto, tornou-se necessário estabelecer um novo arcabouço para lidar com essa nova fase.

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Apesar de suas limitações e imperfeições, o plano proposto pelo ministro Fernando Haddad nos surpreendeu positivamente. Caso o governo o siga rigorosamente, o novo arcabouço poderá reduzir significativamente as despesas, chegando a níveis muito abaixo da média observada nos outros quatro mandatos do PT e compatíveis com o período Bolsonaro. Isso seria suficiente para estabilizar a relação dívida/PIB nos próximos anos, com uma trajetória decrescente a longo prazo.

Aqui, o novo Congresso desempenha um papel importante ao propor uma série de medidas que fortalecem a aplicação e as penalidades ao governo caso as metas de gastos sejam desrespeitadas. Embora o novo plano seja menos rígido que o Teto de Gastos, é importante ressaltar que o Legislativo terá a palavra final sobre o Orçamento, as metas fiscais e o contingenciamento de despesas. Esse poder moderador, com a atual composição do Congresso, nos leva a crer que o mercado gradualmente reconhecerá uma substancial melhora na situação fiscal.

Essa mudança de percepção e confiança teria um grande impacto nos preços dos ativos e resultaria em uma significativa redução da taxa Selic, que atualmente está em níveis elevados para reforçar o processo de ancoragem das expectativas. A média dos juros reais sobre a dívida bruta do Brasil nos últimos 20 anos, um período economicamente turbulento, foi de 3,8%. Considerando que, devido ao nível atual do endividamento, o mercado exigiria um prêmio um pouco maior, por exemplo, 5%, as taxas de juros de longo prazo (atualmente em torno de 12%) poderiam chegar a cerca de 9% até o final de 2024.

Claramente, há um grande prêmio a ser capturado nos juros futuros e nos títulos do Tesouro Nacional indexados à inflação (NTN-Bs). Além disso, o real se beneficiaria, considerando que nos últimos três anos nossa moeda se desvalorizou em relação aos termos de troca. É possível imaginar facilmente uma taxa de câmbio em torno de 4,50. Os papéis de crédito high grade apresentam spreads sem precedentes, maiores do que no auge da pandemia, e devem passar por uma significativa reprecificação. Não devemos esquecer também da renda variável. As ações da grande maioria das empresas brasileiras estão sendo negociadas com múltiplos mais baixos desde 2002 e devem se beneficiar com a redução da taxa de desconto.

Se há algo que aprendi ao longo dos meus mais de 30 anos de carreira no mercado financeiro, é que os preços dos ativos de risco tendem a retornar à média – e atualmente estamos muito abaixo dessa média. Além disso, em momentos de profundo pessimismo, devemos estar dispostos a assumir mais riscos, assim como devemos ser capazes de realizar ganhos nos momentos de euforia (embora isso seja ainda mais difícil). Agora que os riscos parecem estar se dissipando, é hora de sair de investimentos como CDBs e LFTs e aumentar a exposição à renda variável, crédito privado e a fundos multimercados (que estejam alinhados com o cenário correto), sem esquecer dos produtos estruturados lastreados em CDI+.

O investidor que decidir esperar até que esse cenário de melhora se torne consenso corre o risco de entrar no mercado “no final da festa”, quando os ativos já estarão muito valorizados.

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Walter Maciel

CEO da AZ Quest desde 2011