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Por Christopher Mendonça*
Na primeira metade do século 20, em razão das duas grandes guerras mundiais, os estudos internacionais observavam as relações entre os Estados a partir de um olhar majoritariamente focado nas próprias capacidades militares. Nos anos de 1970, diante da crise internacional do petróleo, os cientistas políticos Robert Keohane, da Universidade de Princeton, e Joseph Nye Jr. escreveram um livro que passou a ser um dos mais citados entre os estudos internacionais nas décadas subsequentes.
Em Power and Interdependence (1977), os autores chamaram a atenção da grande relevância da economia para se entender a conjuntura internacional, inclusive os momentos de conflito entre os países.
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De acordo com este estudo, a dinâmica da globalização levou as nações a uma condição de interdependência, na qual um evento que acontece em um país tem impactos diretos sobre os demais. Considerando este argumento, podemos afirmar que os três meses de guerra entre Rússia e Ucrânia afetaram a economia mundial de forma clara, sobretudo diante das sanções econômicas impostas pelos países do Ocidente sobre o Estado russo.
Em menos de 90 dias da aplicação das sanções internacionais, a moeda russa alcançou recorde de desvalorização: para a compra de US$ 1, são necessários 105 rublos, de acordo com informações da revista The Economist. Além disso, os índices inflacionários superaram a marca de 15%, o que não se observava nos últimos 20 anos naquele país.
Empresas importantes, de diversos setores produtivos, têm abandonado a economia russa e se instalado em outros países.
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Uma crise de abastecimento sem precedentes se avizinha, incluindo fatores essenciais, como alimentos e medicamentos.
A Guerra na Ucrânia, portanto, nos garante a oportunidade de testar a capacidade explicativa dos conceitos apresentados por Keohane e Nye Jr na década de 1970: o que está acontecendo entre os russos, definitivamente, não está restrito àquele país.
A crise inflacionária já atinge grande parte do mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, tiveram uma taxa de inflação acumulada de 8,5%, o que não se via desde os anos de 1980, de acordo com o Departamento do Trabalho norte-americano. Na Europa, o preço da energia elétrica registrou aumento médio de 35% em diversos países – no Reino Unido, a alta foi de 54%, de acordo com a CNN.
Esta elevação de preços influencia toda a cadeia produtiva e afeta diretamente o bem-estar da população de cada uma dessas nações. Em alguns momentos da crise na Ucrânia, o barril de petróleo chegou a custar mais de US$ 100, preocupando as economias do mundo todo que ainda contam com pouca capacidade de energias alternativas.
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As sanções econômicas já atingem cadeias de produção muito relevantes para o plano internacional, como o setor de gás natural, essencial para a maioria da Europa e um dos principais insumos comercializados pela Rússia. Alguns grãos, a exemplo do trigo, já faltam em diversas localidades – ou estão sendo vendidos a um preço muito superior ao que se praticava antes do conflito. O setor de fertilizantes, amplamente afetado pelas sanções à Rússia, já prejudicam o agronegócio em muitas regiões, especialmente nos países em desenvolvimento.
Especialistas já estimam que a fase mais rígida de sanções sobre a Rússia, liderada pelos Estados Unidos, possa levar o país a uma redução de quase 10% do seu Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos meses, o que certamente terá efeitos no cenário externo, inclusive em locais que não participam do pacote de sanções aplicado.
A Rússia é uma das maiores economias do planeta, e os impactos econômicos que submetem o país em razão da guerra certamente geram efeitos negativos em todas as outras economias de um mundo altamente interdependente. O questionamento indispensável para o momento é se as sanções estão sendo efetivas naquilo que se apresenta como objetivo central: o recuo militar dos russos frente ao território ucraniano.
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Em três meses de conflito, não houve recuos significativos, apesar do crescente aumento de sanções econômicas a níveis jamais praticados. É necessário chamar a atenção do Ocidente para os efeitos colaterais das medidas tomadas. Já diziam os mais antigos – e esta reflexão vale para o tema em tela – que até um bom remédio pode levar o paciente a óbito se administrado em doses irregulares.
*Christopher Mendonça é doutor em Ciência Política e professor de Relações Internacionais no Ibmec BH