Por Samuel de Jesus Monteiro de Barros e Tadeu Puretz*
“No Brasil, o empreendedor é um herói.” Esta frase, repetida com frequência entre aqueles que arriscam capital para a realização de negócios, se justifica por diversos motivos, dentre os quais se destacam os riscos decorrentes das relações entre empregadores e empregados, os riscos regulatórios e, para a finalidade deste breve texto, o risco tributário.
Especificamente em relação a este tema, são diversos os problemas identificados: excesso de regras a serem observadas pelos contribuintes; excesso de obrigações acessórias a serem, por eles, transmitidas aos entes federados; insegurança jurídica causada por mudanças repentinas na jurisprudência; entre outras, que, caso elencadas individualmente, fariam com que o presente texto pudesse, em razão da sua extensão, virar um (grande) livro.
Todos os problemas acima relatados podem ser facilmente identificados quando levado em consideração o número de litígios materializados em processos administrativos e judiciais versando sobre matéria tributária, que assoberbam o Poder Judiciário e se revelam pouco eficientes sob a ótica do porcentual de valores que efetivamente retornam aos cofres públicos.
Foi justamente neste contexto que a União Federal regulamentou as denominadas “transações tributárias”. A transação não é uma modalidade nova de extinção do crédito tributário, pois já constava no Código Tributário Nacional (CTN), desde 1966, e aguardava, desde então, regulamentação para que pudesse ser ofertada aos contribuintes.
As transações nada mais são do que programas de negociação de débitos com a Fazenda Pública, por meio dos quais, a depender do formato vigente, pode-se obter redução dos valores devidos, utilização de prejuízo fiscal como parte do pagamento e parcelamento dos débitos em período superior ao permitido, nos denominados “parcelamentos ordinários”. No bojo das transações tributárias, as duas partes envolvidas percebem, de um lado, uma vantagem, comprometendo-se, de outro, a renunciar a uma garantia que lhes é assegurada.
Neste sentido, pode-se dizer que a União evita o aumento – e os custos – de novos processos, expandindo as chances de recuperar créditos classificados como “irrecuperáveis ou de difícil recuperação”, abrindo mão, todavia, da parte de seu crédito. O contribuinte, por seu turno, confessa a dívida, renunciando ao direito de discuti-la, em troca do pagamento com as reduções previstas para a modalidade de negociação.
Algumas das características acima são conhecidas dos contribuintes, afinal, ao longo dos últimos anos, foram diversas as modalidades de parcelamentos extraordinários – popularmente conhecidos como “Refis” – instituídos no Brasil. A diferença central entre o Refis e os modelos de transação com desconto é evidente: nos parcelamentos extraordinários, os descontos eram concedidos a todos aqueles que tivessem interesse na adesão, pouco importando a condição de sua financeira e a natureza dos débitos negociados. A transação com desconto, por sua vez, somente será autorizada quando comprovada fragilidade na situação econômica do contribuinte ou quando o crédito for classificado pelas autoridades fiscais como “irrecuperável ou de difícil recuperação”.
É justamente em relação à forma de identificar a classificação dos débitos que, a nosso ver, o modelo adotado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) precisa de melhorias para garantir a sua efetividade, bem como a própria continuidade do modelo de negociação. A identificação da categoria do débito – se passível de redução ou não – se dá de forma eletrônica, a partir da inclusão, pelo contribuinte, de dados de receita bruta comparada entre os anos anteriores, o número de funcionários, as demissões, entre outros. Ato contínuo, o sistema da PGFN indica um rating, de sorte que apenas aqueles que ficarem com a classificação “C” ou “D” serão agraciados pelos descontos.
Acontece, todavia, que a fórmula utilizada pelo sistema, com frequência, não identifica a real capacidade de pagamento dos contribuintes com base nas informações solicitadas, impedindo o acesso aos descontos previstos na legislação mesmo para aqueles que, de fato, o necessitam.
Imaginemos, por exemplo, uma instituição de ensino sem fins lucrativos que conceda bolsas de estudo a estudantes. Os valores relativos às bolsas, muito embora não compreendam efetivas receitas, compõem, do ponto de vista contábil, sua receita bruta, de sorte a camuflar a efetiva situação econômica da contribuinte.
Não se pode perder de vista que o contribuinte pode solicitar a revisão da classificação atribuída pelo sistema da PGFN. O requerimento deve apresentar os fatos, os fundamentos que justificam o pedido de revisão e a documentação que comprova a “real” situação econômica da empresa.
Na prática, todavia, os requerimentos de revisão não vêm revelando o efeito esperado pelos contribuintes, especialmente por dois motivos. Em primeiro lugar, porque a legislação não estabelece prazo definitivo para a análise dos pedidos por parte das autoridades fiscais, atraindo iminente risco de perda do prazo para adesão à transação por parte das empresas. Em segundo lugar, porque são raros os casos em que os pedidos de revisão são acolhidos, sendo frequentes as reclamações de contribuintes acerca da (ausência de) fundamentação que justifica o indeferimento.
Estas considerações – é importante deixar claro – não devem ser encaradas como críticas, mas como manifesto para o fortalecimento e a ampliação da efetividade deste que, atualmente, consiste no principal método alternativo de resolução de conflitos entre Fisco e contribuinte.
*Samuel de Jesus Monteiro de Barros é doutor em Administração, especialista em finanças e pró-reitor de pós-graduação do Ibmec; Tadeu Puretz é mestre em Direito Tributário e coordenador dos cursos de pós-graduação em Direito do Ibmec