Por Alex Ferreira e Reginaldo Nogueira*
Um sistema financeiro saudável é fundamental para o crescimento econômico e o bem-estar da população. A intermediação financeira possibilita a alocação eficiente de capital, levando fontes de financiamento, por exemplo, para empreendedores – que gerarão novos empregos. Já os consumidores podem, mediante empréstimos, suavizar ao longo do tempo seus padrões de consumo. Sendo assim, investidores e gestores são capazes de explorar oportunidades de lucro.
Neste contexto, o avanço da economia digital – especialmente no mundo pós-pandemia –, representa um importante choque de produtividade. O potencial de destruição criadora é a base de um padrão mais alto de crescimento sustentável. Podemos dizer que o desenvolvimento de fintechs também sinaliza ganhos de competitividade e eficiência nos serviços de intermediação. Esta aceleração tecnológica traz oportunidades de negócios, mas também incertezas e novos fatores de riscos ao sistema financeiro.
A tomada “excessiva de riscos”, bolhas e esquemas de pirâmides, além de outras fraudes e patologias, não são nenhuma novidade. As dolorosas lições históricas, especialmente após a crise financeira global de 2008, testemunham a necessidade de regulação e supervisão prudencial. Em que medida essas inovações vão acentuar (ou amortecer) a propagação de choques?
O fato é que os bancos centrais precisam promover o equilíbrio entre os benefícios do avanço digital e os riscos para a estabilidade sistêmica. Pensando assim, os limites destas políticas estão sendo desenhados, estando sujeitos aos erros e às tentativas, graças ao desenvolvimento incrivelmente rápido dessas novas tecnologias.
Um fenômeno é a proliferação de moedas digitais. Outro aspecto, possivelmente negligenciado nas análises, refere-se à apropriação da senhoriagem “saudável”, ou seja, daquela receita de criação de moeda que se deve ao crescimento de longo prazo da produção e da renda. Sabemos que a arrecadação pública tem sido ameaçada pela disseminação de moedas digitais privadas descentralizadas. Este também é um desafio para os governos em geral.
Nesta conjuntura de rápida transformação e aprendizado nascerá, no Banco Central (Bacen), a moeda pública digital, inicialmente denominada “real digital”.
O formato tecnológico dessa moeda ainda não está definido, mas a diretriz de seu alcance é maior do que a já consolidada e bem-sucedida plataforma de pagamentos do seu ascendente direto, o Pix.
Não se conhece também a forma pela qual se manifestarão as suas características hereditárias, bem como as mutações de sua progenitora: a moeda física, de papel e metálica. Percebemos – das diretrizes e informações preliminares fornecidas pelo Bacen –, que o real digital deverá facilitar a competição e os novos negócios dos intermediários financeiros, em vez de promover sua substituição.
Então, superadas as questões técnicas, como as de segurança cibernética e pagamentos offline, restarão os velhos desafios de um sistema monetário fiduciário tradicional – sendo que o lado fiscal permanecerá como fiador da confiança. A força e a eficiência das instituições e dos mercados domésticos determinarão o crescimento e a aceitação da nova moeda no Brasil e no mundo. Não romperemos o paradigma da moeda dominante, mas políticas responsáveis aumentarão o destaque da moeda nacional no contexto mundial.
*Alex Ferreira é doutor em Economia e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
*Reginaldo Nogueira é doutor em Economia e diretor-geral do Ibmec de São Paulo e de Brasília.