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Por Reginaldo Nogueira e Marcio Salvato*
A pandemia de covid-19 é um dos maiores desafios da história brasileira. Além de uma gigantesca ameaça de saúde pública, seus efeitos sobre a economia e a sociedade serão terríveis. E isso é tanto pior pelo contexto no qual a crise atingiu nosso País. Vale lembrar que a economia brasileira continua fragilizada desde a severa recessão do biênio 2015-2016 e se encontrava numa lenta recuperação, crescendo ao redor de 1% ao ano desde 2017. Não se pode perder de vista que a renda per capita brasileira ao fim de 2019 ainda era cerca de 7% menor do que no pico de 2013, e mesmo antes do advento do coronavírus não se esperava que voltasse àquele patamar antes de 2024. Isso agora deve se prolongar ainda mais, no que se tornou uma trágica segunda década perdida em 40 anos.
Os impactos econômicos e sociais causados pelo coronavírus serão dramáticos. A taxa de crescimento do PIB brasileiro, segundo estimativas do relatório Focus divulgado em 20/4, deve ficar em -2,96% neste ano. Contudo, essa é apenas uma previsão inicial e, à medida que as semanas se passarem e novos dados forem obtidos, é provável que esse número seja ainda mais baixo. As primeiras previsões apontam para um aumento da taxa de desemprego médio para, no mínimo, 15% em 2020 (fechou 2019 com 11,6%). Isso combinado às dificuldades de autônomos e de empresários.
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O setor privado brasileiro sofre agora uma terrível crise de liquidez, com necessidade de financiamento de capital de giro, e ações do governo são necessárias para impedir um colapso produtivo na sequência da crise de saúde pública. Em geral, as medidas apresentadas pelo governo brasileiro vão na mesma direção que as melhores propostas avaliadas ao redor do mundo e atacam o problema da garantia de renda mínima, socorro emergencial de autônomos e liberação de liquidez para empresas no esforço de manutenção dos contratos de trabalho. As propostas de liberalização do mercado de trabalho também são robustas, mas o principal neste momento é que essas medidas não demorem a ser implementadas, tampouco sejam extremamente burocráticas.
Questão também relevante nesse contexto é a possível judicialização de contratos privados, dada a incerteza de capacidade de honrá-los por uma das partes. Restrições externas que não estavam previstas impedem o cumprimento dos contratos – nesse caso, qual das partes tem razão? Não podemos descartar o risco de uma explosão de ações judiciais após a pandemia, o que pode gerar ainda mais insegurança e dificuldades para a recuperação econômica.
Na linha de auxílio governamental para o enfrentamento da crise, uma preocupação recorrente é o custo fiscal dessas medidas, mas não se pode apresentar essa questão como o confronto dinheiro versus vidas, porque se trata de vidas versus vidas. A taxa de letalidade e de destruição de famílias e vidas derivadas de uma crise econômica não pode ser desprezada. Sobra disso tudo um grande custo de políticas públicas de enfrentamento do contágio da doença, casada com o aliviamento da pobreza e a sobrevivência das empresas. Por ora, o mais importante é dar o apoio necessário a milhões de pessoas que, após a pandemia, reconstruirão vidas e negócios.
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Ficará para frente o enfrentamento do crescimento do endividamento público. Com os juros em patamares extremamente baixos, o custo desse endividamento será menor, e uma análise entre custo e benefício é favorável às medidas. Ao longo do tempo, porém, essa dívida precisará ser paga, e a manutenção do teto dos gastos e da agenda de reformas irá ajudar que, ao longo da próxima década, consigamos pagar por essas despesas extraordinárias. Precisamos separar as demandas de curto e de longo prazos, sendo que o controle da dívida é, sem dúvida, um ponto a se focar após resolvidas as ações emergenciais.
*Reginaldo Nogueira é PhD em Economia e diretor-geral do Ibmec SP e DF; Marcio Salvato é doutor em Economia e coordenador-geral de graduação do Ibmec BH