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Enquanto a Rússia, por meio da guerra contra a Ucrânia, tenta reafirmar a sua preponderância no Leste Europeu, a China planeja diminuir a dependência de commodities agrícolas que adquire do Ocidente.
Estes movimentos tendem a levar o mundo a se compartimentar em blocos, minando o livre-comércio e o já enfraquecido multilateralismo. Ainda que fora da disputa por zonas de influência, o Brasil, sobretudo o setor agrário, pode sair prejudicado por este processo de reversão da globalização, de acordo com Marcos Jank, coordenador do centro Insper Agro Global.
Em entrevista ao UM BRASIL, uma realização da FecomercioSP, Jank se mostra preocupado com uma eventual aliança entre Rússia e China. Por causa da invasão à Ucrânia, diversos países do Ocidente suspenderam relações comerciais e financeiras com Moscou. O gigante asiático, por sua vez, não só manteve como reforçou laços com o governo de Vladimir Putin.
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“O que é mais assustador é que a ‘União Soviética’ reaparece nesta invasão à Ucrânia. De certa forma, o que Putin está fazendo é se reafirmar naquela região, que já foi de domínio russo no passado”, afirma o professor sênior de Agronegócio no Insper. “Infelizmente, estamos voltando a ver guerras e lideranças do século 20, quando achávamos que estávamos indo para o ‘nirvana’ do livre-comércio e da democracia”, reflete.
Além disso, Jank salienta que não é por acaso que o Leste Europeu tem se tornado competitivo nas produções de trigo, milho, açúcar e carnes de frango e de porco.
A China tem estimulado, já há um tempo, Rússia e Ucrânia a plantarem soja para diminuir a dependência de Estados Unidos, Brasil e Argentina”, destaca
Por isso, o professor sustenta que a Rússia e o Leste Europeu são os maiores competidores do agronegócio brasileiro no longo prazo.
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“A China é o nosso maior cliente de agro hoje – aliás, do mundo. E a Rússia é o nosso maior competidor potencial, porque tem uma quantidade absurda de terras disponíveis e está tendo uma ampliação das áreas produtivas em função das mudanças do clima, que, para nós, prejudica, mas, para eles, faz aparecerem novas áreas”, explica Jank.
“Se amanhã tudo isso vira uma coalizão – Eurásia, de um lado, e Europa [Ocidental] e Estados Unidos, do outro –, vamos ficar em uma situação muito difícil. Aliás, o mundo inteiro. Espero que este não seja o caminho”, acrescenta o especialista.
Ademais, com a experiência de viver dez anos fora do País, Jank indica que, diferentemente dos Estados Unidos e de nações da Europa e da Ásia, o Brasil não debate temas de longo prazo, o que pode deixá-lo em uma posição delicada no futuro.
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“É muito interessante como eles têm esta visão de que se tem que pensar 20, 30, 50, cem anos à frente; a China faz isso. Nós não fazemos, não temos think tanks importantes”, lamenta.
“E o governo e as empresas são totalmente ‘curto-prazistas’. Estamos pensando nos seis meses, um ou dois anos à frente, e o governo pensa no seu período eleitoral. Ninguém faz uma reflexão estruturada de longo prazo. E me parece que esta revisão da globalização, ou desglobalização, é um assunto gravíssimo”, alerta o professor.