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Por Michel Haber Neto e Marcelo Shima Luize*
O acqui-hire está na pauta do dia. O uso da expressão é rotineiro no mercado financeiro e em escritórios de advocacia. Na mídia especializada, são várias as notícias a respeito de acqui-hirings notórios.
Para citarmos alguns, em janeiro de 2022, a Warren fez um acqui-hire da catarinense Box TI. Na mesma época, Beta Learning foi acqui-hired pela ClearSale. No ano passado, a Mosaico adquiriu a Vigia do Preço em uma transação com características de acqui-hiring. E a lista segue.
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Mas, afinal, o que é este processo e em que medida a modalidade de transação se diferencia de um M&A (Merger and Acquisition) tradicional?
A expressão é um neologismo formado pela junção dos termos, em inglês, aquisição (acquisition) e contratação (hiring). Em entrevista, datada de agosto de 2019, Boris Groysber, autoridade em comportamento organizacional, “colocou o dedo” na essência de acqui-hirings: “Hoje, compra-se uma pequena empresa pelas pessoas que trabalham nela, e não apenas pelas máquinas e pelos produtos”. Em outras palavras, numa transação destas, a compradora tem pouco ou nenhum interesse em adquirir fluxo de caixa, marca, contratos, clientes, projetos ou ativos fixos. O foco está na contratação do time da empresa-alvo.
Apesar de serem relativamente recentes no Brasil, o modelo é realizado há mais de uma década em outros países, principalmente nos Estados Unidos. Empresas líderes de tecnologia têm conduzido esse tipo de M&A desde os anos 2000, com o objetivo de captar as mentes brilhantes de fundadores de startups e engenheiros de software.
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As partes envolvidas tendem a preferir acqui-hirings em vez da simples contratação de profissionais por vários fatores. Dentre eles, a flexibilidade para remunerar outros investidores da empresa-alvo, a possibilidade de capturar outros ativos relevantes na transação e a estética de uma narrativa baseada na saída (exit) de um investimento, em contraposição a uma simples contratação.
Embora a lista de aspectos interessantes e polêmicos de acqui-hirings seja longa, neste espaço descreveremos dois deles: composição do preço e reflexos fiscais.
Em relação ao primeiro aspecto, o preço da transação tipicamente se subdivide em dois: uma parte é paga pela participação societária da empresa-alvo ou por seus ativos, e, usualmente, consiste em dinheiro ou participação societária da compradora (vamos chamá-la de “preço de aquisição”).
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A outra parte é paga por trabalho futuro do time da empresa-alvo (o “preço de contratação”). Na maioria dos casos, este valor consiste na concessão de stock options da compradora, pelas quais os colaboradores da empresa-alvo ficam elegíveis a se tornarem acionistas da compradora, desde que dediquem tempo e suor ao negócio. Esse preço é direcionado apenas aos contratados no contexto da transação (geralmente, fundadores e engenheiros de software).
Em virtude desta dualidade de preços, uma questão econômica importante é como o valor de um acqui-hire deve ser distribuído entre o preço de aquisição e o preço de contratação. Em geral, investidores – que não sejam os fundadores – e colaboradores não contratados preferirão um preço de aquisição maior, enquanto a compradora defenderá um preço de contratação mais alto, de forma a incentivar o trabalho e a retenção das pessoas que permanecerão no negócio.
Não há resposta certa ou errada a esta questão. Embora seja possível delinear composições de preço próximas ao ideal, na prática, muitos fatores são levados em consideração. Citamos, por exemplo, a expectativa das partes de manterem bom relacionamento após o negócio, a perspectiva dos fundadores de empreender em novos projetos no futuro e a busca por um modelo fiscal eficiente.
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Isso nos leva ao segundo aspecto a ser abordado: os reflexos tributários de acqui-hires. Em razão das particularidades na formação do preço – constituído não apenas pelo preço de aquisição, mas também pelo preço de contratação –, este é um tópico que deve ser pensado com cautela, sob pena de inviabilizar financeiramente a operação.
A depender da forma como a stock option (principal ferramenta de formação do preço de contratação) for desenhada, a operação será vista como mercantil ou remuneratória, o que implica impactos fiscais distintos. Enquanto no primeiro, apenas eventual ganho de capital é tributado pelo imposto de renda, no segundo, incidiriam tanto contribuição previdenciária quanto imposto de renda sobre o rendimento.
Não há tratamento legislativo a respeito do tema, mas é possível analisar precedentes sobre o assunto para mapear os requisitos tomados como determinantes para caracterizar um plano como remuneratório ou mercantil.
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Conceitualmente, para ser considerado mercantil, a stock option deve apresentar o risco como característica básica. O risco é caracterizado pela possibilidade de o beneficiário não ter ganhos, ou mesmo enfrentar perdas, ao aderir ao plano de opção de compra de ações, diante de eventual desvalorização das ações da compradora.
Além disso, para ser mercantil, é necessário que o beneficiário efetivamente comprometa recursos na aquisição da opção de compra de ações ou na efetiva compra destas. Em outras palavras, o plano tem natureza remuneratória quando não há pagamento de prêmio no momento da aquisição da stock option ou quando do exercício da opção.
Vale ressaltar que risco e onerosidade não são as únicas variáveis que definirão a natureza mercantil ou remuneratória da operação, mas, certamente, são as duas mais relevantes. E, diante da inexistência de uma fórmula objetiva para conferir natureza mercantil ao plano de stock option, é fundamental que o seu desenho seja bem pensado.
Em resumo, na estruturação de acqui-hires, atenção especial deve ser dedicada a formação do preço e impactos fiscais. São itens com nuances econômicas e jurídicas relevantes que determinarão o sucesso da transação. Em acqui-hirings, o relacionamento das partes se estreita após a aquisição. Mais do que em outros negócios, é fundamental que a transação que batizou o relacionamento seja construída sobre base sólida.
*Michel Haber Neto é professor do Ibmec/SP e advogado especialista em Direito Tributário; Marcelo Shima Luize é advogado especialista em Direito Societário e M&A. Ambos são sócios de Eick, Haber, Grezzana & Nascimento Advogados