O mito do trader fracassado

Para quebrar esse padrão é necessário cultivar a identificação da causa do fracasso, assumir a responsabilidade pelos resultados e acreditar que todos temos qualidades e defeitos

Danuza Machado

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Certa vez, conheci um trader que parecia ser o exemplo de um bom negociador. Ele respeitava seus stops, olhava para seus ganhos com a perspectiva de porcentagem e não de valores, criou um checklist para não deixar de cumprir tarefas que entendia serem indispensáveis para a consistência. No entanto, todo seu esforço e seus ganhos, em um curto período, desmoronavam em questão de segundos devido a atitudes como: não parar de negociar após atingir seus objetivos previamente estabelecidos; euforia e excesso de autoconfiança, principalmente após ganhos expressivos (e talvez fora do gerenciamento); além de fazer preço médio sem planejamento prévio.

Essa história parece ter alguma similaridade com o conto mitológico de Sísifo. A lenda narra que Sísifo era um rei astuto que enganara vários deuses por várias vezes. Por essa razão, foi punido: passaria a eternidade rolando uma pedra gigante até o topo de uma montanha apenas para vê-la rolar novamente para baixo.

A mitologia grega também pode ser utilizada para criar metáforas que explicam o funcionamento da mente humana e compreender as emoções comuns a todas as culturas. Os mitos são lendas que descrevem ações de seres diante de uma cultura ou sociedade. Geralmente, são usados para explicar o mundo atual, cheios de símbolos e arquétipos que dão sentido à complexidade do contexto dos contos, tornando-os mais atraentes. Além disso, os mitos são uma forma criativa e um tanto assustadora de narrativa, gerando dúvidas quanto à inveracidade, dada a grande familiaridade dos fatos com a vida cotidiana.

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Como negociadores do mercado financeiro, adotar processos que geram evolução nos resultados e, posteriormente, num ato de “descuido”, retroceder de toda a caminhada percorrida, parece parafrasear o conto de Sísifo: “rolar até o topo de uma montanha uma grande pedra… vê-la rolar novamente… abaixo”. Muitos se deparam com a situação de ir muito bem em suas negociações, mas de repente algo destrói toda a conquista até aquele momento.

Recorrendo à funcionalidade dos mitos para auxiliar na compreensão do comportamento humano e na compreensão do funcionamento da mente humana, vamos tentar entender por que isso acontece.

Supõe-se que o fracasso não ocorre por ignorância ou incompetência, mas sim, possivelmente, devido a uma tendência autodestrutiva desconhecida pela mente. Trata-se de um padrão de comportamento autopunitivo que a mente considera “justo”, em meio a tantas “injustiças “que já foram cometidas pelo fracassado. Assim como Sísifo, que aceitou a punição de viver eternamente o castigo que mereceu receber, dada sua astúcia sobre a ingenuidade dos deuses. Por exemplo, o trader paga pelos erros que cometeu e é levado a pensar que não merece o dinheiro que conquistou, pois é muito para ele… A interpretação desta fábula tem uma forte correlação com o conceito de autossabotagem, que fortalece crenças inconscientes construídas durante toda a vida, impedindo que suas vítimas se sintam merecedoras de conquistas, reconhecimentos, acertos, sucessos, riqueza e méritos.

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Para alterar a trajetória de histórias recorrentes de fracassos, é necessário cultivar três pensamentos: reconhecer que dói, mas é indispensável buscar dentro de si a causa do fracasso; assumir a responsabilidade pelos resultados de cada situação, sejam eles bons ou ruins; acreditar que todos temos qualidades e defeitos. Praticar essa linha de pensamento pode transformá-la em verdade e, consequentemente, em crença, o que contribuirá para a autoaceitação e autoconfiança, fazendo perpetuar o sucesso como consequência.

Nesse contexto, o objetivo é sair da situação em que o prazer parece estar relacionado ao ver a pedra rolar abaixo novamente, apenas para poder dizer “sabia que iria dar errado… que eu não iria tão longe…”. Quebrar esse padrão de fracasso esperado é totalmente possível: o primeiro passo é identificar esse padrão em sua vida; o segundo passo é buscar ajuda para o autoconhecimento e para fechar as brechas que existem pela ausência de conhecimento técnico. Agindo assim, quando a pedra rolar abaixo novamente, você subirá a montanha sem ela.

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Danuza Machado

Psicóloga há 25 anos e trader há quase 10 anos. Já trabalhou como Oficial Psicóloga nas Forças Armadas no Controle Emocional para Pilotos do Exército Brasileiro, também como facilitadora no processo de Desenvolvimento de Comportamentos Empreendedores para Empresários no SEBRAE-SP