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SÃO PAULO – A notícia do falecimento de Pedro Damasceno, sócio-fundador da Dynamo Asset, no último sábado (7), caiu como uma bomba, não só pela importância deste gestor na evolução e disseminação dos conceitos de “value investing” no Brasil como também pelas suas qualidades humanas como humildade e paciência, coisas tão incomuns neste universo do mercado financeiro. Damasceno sofreu um infarte fulminante, apesar de muito jovem (47 anos) e de cultivar hábitos saudáveis de alimentação e esportes, o que pegou ainda mais todo mundo de surpresa.
Tive a oportunidade de entrevistá-lo em dezembro de 2016 para o projeto “InfoMoney Fora da Curva”. Posso dizer sem sombra de dúvidas que foi a entrevista mais enriquecedora que fiz nestes quase 9 anos de InfoMoney. Além de ter sido o único registro em vídeo com Damasceno no jornalismo brasileiro, sua didática e sensibilidade em falar sobre a gestora tanto diante das câmeras quanto antes das filmagens, me ensinaram muito mais do que qualquer leitura de livro ou artigo sobre bolsa de valores. Jamais esquecerei da ligação que recebi dele dias depois da publicação da entrevista, apenas para me agradecer pelo resultado do vídeo. Pequenos detalhes que mostram a grandeza do caráter deste ser humano que fará muita falta neste ambiente tão hostil.
Por conta da notícia, meu fim de semana foi de releitura de tudo que vivi da Dynamo: assisti novamente a entrevista, reli o capítulo dele no livro “Fora da Curva” e revisitei algumas das cartas trimestrais da Dynamo. Compartilho com vocês, leitores e leitoras que seguem este blog, os 10 grandes aprendizados que tive com o Pedro Damasceno. Confira:
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*Como complemento à leitura dos ensinamentos, recomendo que veja a entrevista que eu fiz com o Pedro Damasceno. O link com o vídeo e a transcrição da entrevista está aqui. Deixarei abaixo antes dos tópicos um breve resumo da Dynamo:
Origem: Dynamo nasceu no início dos anos 1990 por iniciativa do Bruno Rocha (ex-sócio do Garantia) e Pedro Eberle.
Missão: aproveitar-se das empresas “emergentes” ou de “segunda linha”, que recebiam pouca atenção dos investidores, indo desde nomes tradicionais (Antartica, Brahma, Mesbla…) até empresas que estavam se reestruturando (Coteminas, Gradiente e Refripar). O objetivo era comprar e manter na carteira por anos, seguindo a linha do “value investing”, cultura muito difundida na Europa e nos Estados Unidos (terra do Warren Buffett, tido como o mestre desta escola de investimentos e com resultados positivos na bolsa americana desde os anos 50).
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Dificuldades: Mercado de fundos de ações era incipiente, bolsa era muito pequena em quantidade de empresas e liquidez, então os investidores usavam esse investimento com um horizonte “macroeconômico”, buscando lucro no curtíssimo prazo, operando basicamente Vale, Petrobras e Telebras. Além disso, os problemas macros dificultavam, como inflação alta e juros elevados.
Resultado: O Dynamo Cougar, principal fundo da casa, acumula valorização de mais de 18.000%, contra 600% do Ibovespa no mesmo período. Até hoje praticamente todos os primeiros sócios da empresa trabalham lá no dia a dia da empresa.
Diferenciais: foco na gestão e na estratégia das empresas: estímulo ao “confronto de ideias” dos analistas da casa (“a ideia aqui é que uma ideia apresentada seja totalmente desconstruída pelos outros que acompanham mais de longe o case”); estudar obsessivamente tudo das empresas, inclusive informações públicas que são pouco exploradas pelos investidores (como acordo de acionistas).
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OS 10 APRENDIZADOS QUE TIVE COM PEDRO DAMASCENO:
1) Estímulo ao debate de ideias: “Isso é exatamente como funciona a Dynamo: as discussões são intensas, inflamadas. Isso é total mérito dos fundadores da Dynamo, porque aqui o que sempre valeu foi a senioridade do argumento, e não do tempo de casa que você tem ou do cargo que você ocupa. Todo mundo aqui é analista e todo mundo aqui precisa convencer os outros de suas ideias. Esse negócio da decisão colegiada que é como as coisas funcionam aqui, ele é meio que único mesmo, porque ele não funciona em qualquer lugar. Primeiro porque isso não é uma coisa que você consegue impor, ele tem que ser natural; segundo porque a gente não está num negócio que tem que tomar decisão todo dia, “eu vou comprar essa aqui e tal…” as posições aqui são construídas ao longo do tempo, e isso ajuda bastante a minimizar o risco que corremos. Então as pessoas tem que entender isso e se habituam ao longo do tempo de que tem que convencer os outros, é assim que funciona. Quando você tem uma ideia, ela é posta na frente dos outros pra que ela seja destruída mesmo, e essa construção/tentativa de destruir que geram boas ideias e sólidas ideias de investimento. E é bem por aí, a dinâmica é essa. Além disso, esse exercício traz mais segurança para a compra ajuda a minimizar o risco”
2) Números são “commodities”: Pedro dizia que é importante entender os números, mas isso é uma “commodity” no mercado de análise de ações. O grande diferencial estava em entender as pessoas (gestão da empresa) e a estratégia da empresa. Nesse quesito, ele dizia que a depreciação é algo que joga a seu favor, pois quanto mais tempo de vivência no mercado tiver, melhor você fica em ler as pessoas e mais fácil de perceber mudanças ou repetições de ciclo). “A pergunta que a gente se faz o tempo inteiro é: por que que esse bom negócio é um bom négocio?”
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3) Dê valor às informações públicas que ninguém lê: No livro “Fora da Curva”, Damasceno conta a história de como conseguiu lutar por um aumento de dividendos em 1997 que era direito dos acionistas da Eternit (ETER3). Já na entrevista concedida para o InfoMoney, ele conta com detalhes sobre os detalhes da operação da Ambev com a Interbrew em 2004, que ninguém entendeu direito o que foi anunciado mas estava bem detalhado no acordo de acionistas apresentado pelas duas empresas.
4) Não é preciso operar várias vezes pra provar que você é bom no mercado: analisamos muito e investimos pouco, mas isso nos propicia aumentar exposição nas ações que gosta e que caíram por condições de mercado, disse Damasceno.
5) Identificar exageros (grau) nos movimentos dos preços das ações pode fazer grande diferença no sucesso de um investidor. “Quando você escolhe a empresa certa no setor certo – e somos obcecados por isso – e paga um preço justo por suas ações, consegue auferir bons rendimentos ao longo do tempo. Nesse sentido, a imprevisibilidade da macroeconomia até ajuda, porque afasta muitos investidores da bolsa e reduz os preços das ações de companhias interessantes”
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6) Evitar os grandes erros deve ser um dos principais objetivos do investidor. “Se o investidor não fizer muita besteira, escolher empresas minimamente boas e dispor de capital de longo prazo, o tempo estará a seu favor. Os problemas acontecem quando as pessoas se desesperam e vendem na hora errada ou se animam em momentos de euforia. Pode parecer simplista, mas bom senso é mais importante para um investidor do que qualquer coisa. Tentar adivinhar os movimentos de mercado é muito difícil. Nós mesmos temos dificuldade em acertar o momento exato de vender uma ação. Normalmente, nós na Dynamo vendemos cedo demais, e fazemos isso porque gostamos de ter uma margem de segurança”.
7) Empresa que segue as regras de governança corporativa não é garantia de sucesso. “É isso que a gente tenta separar aqui: governança é uma coisa importante que precisa fazer parte de toda companhia, mas ela não garante o sucesso de um negócio, e nem vai garantir em nenhum lugar do mundo. Então casos de fracasso empresarial vão existir ao longo do tempo, isso é saudável para o mercado, e a governança por si só ela não garante nada. Você citou o caso do grupo X: ele aderiu ao grau máximo do Novo Mercado e mesmo assim foi um negócio muito mal sucedido”.
8) Não entre no mercado pra querer ser melhor que os outros, faça o que é o melhor pra você. “Não estamos apostando regata e não corremos contra ninguém. A gente quer gerar retornos consistentes ao longo do tempo com um risco bem controlado, e pra isso é inevitável que você vai ficar alguns anos abaixo do índice”
9) O Brasil tem seus problemas eternos? Tire proveito disso. “Às vezes como brasileiro é chato falar que o Brasil tem uma série de problemas, gargalos, infraestrutura muito ruim… Porém, quando a gente olha sob a ótica do investidor, a gente vê o outro lado da moeda: todo esse cenário ruim faz com que a gente tenha um ambiente competitivo menos ferrenho. E eu diria que onde você tem menos competição os retornos tendem a ser maiores. Então sob a ótica do investidor, o Brasil ainda é um lugar que a despeito da dificuldade de crescer você tem excelentes retornos pela falta de competição. Então a gente evita olhar pra essa questão de pessimismo ou otimismo, a gente tá muito mais voltado para os fundamentos de cada negócio, evitando a generalização e olhando para o caso a caso, tentando obviamente se adaptar a um mundo que tende a mudar e muda cada vez mais rápido”.
10) Fazer o que ama faz toda diferença. “O nosso desafio para o futuro é continuar fazendo a mesma coisa. A Dynamo foi um negócio que se tornou perene, não tem um cara que diz “vou me aposentar, já ganhei dinheiro…” a Dynamo é um estilo de vida, é muito mais do que um trabalho. Aqui é um lugar onde as pessoas podem fazer disso sua extensão das suas vidas… tem sido assim, já estamos na segunda geração e já tem uma terceira geração que já estão seguindo esse caminho, tem pessoas conosco há 10 anos, pessoas há 5 anos, pessoas que vieram da faculdade… Então é isso, o desafio é a gente continuar nessa conjugação desse estilo de vida, num lugar saudável, bacana, que todo mundo tem prazer de trabalhar mas ao mesmo tempo um lugar onde competição, busca por retorno e excelência é mais importante do que tudo. Essa sintonia fina é o grande desafio”.