Você não é aquilo que você possui

Quanto mais você se desapegar de coisas, mais tempo, mais energia e mais liberdade você terá para ter boas... experiências

Thiago Godoy

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(Car Payments)
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Em 1759, o grande economista Adam Smith publicava o seu primeiro livro: “A Teoria dos Sentimentos Morais”.

Pouca gente sabe, mas Smith, considerado o Pai da Economia Moderna e autor do célebre “Riqueza das Nações”, começou sua produção literária com uma obra que analisa os princípios pelos quais os homens julgam a conduta e o caráter.

Esse livro genial é considerado uma semente do que hoje chamamos de Economia Comportamental.

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Adam Smith questionava, desde então, o propósito do trabalho. Ele já apontava que os seres humanos anseiam por distinção, por reconhecimento.

Segundo Smith, “que propósito tem toda a labuta e toda a afobação deste mundo? Qual é a finalidade da avareza e da ambição, da busca de riqueza?”

Ele mesmo responde na sequência: “ser notado, ser atendido, ser visto com simpatia, complacência e aprovação são as vantagens que supostamente derivam disso. O rico ufana-se de sua riqueza porque sente que atraiu naturalmente para si a atenção do mundo.”

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Há uma reflexão profunda na obra de Smith, que simplesmente não pode passar despercebida.

Sabemos que receber atenção dos outros é importante, quase vital para o nosso bem-estar. Os psicólogos já apontam há algum tempo que os seres humanos vivem com uma espécie de incerteza natural sobre seu próprio valor na sociedade.

E como resultado dessa incerteza, a forma como os outros nos enxergam, como pensam sobre nós, possui um papel essencial na forma como nós mesmos nos enxergamos.

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Parece que nós dependemos dessa afeição para nos suportar. Somos encorajados pela atenção e magoados pela desconsideração dos outros. Você já parou para pensar como isso pode ser prejudicial?

Tanto do ponto de vista emocional, quanto material, o lugar que nós ocupamos no mundo pode causar uma certa aflição. Olhando por essa perspectiva, pode ser que você tenha passado boa parte da sua vida sendo estimulado a acreditar que você é aquilo que você possui.

Funciona como uma maneira de você mostrar uma imagem sua que você gostaria que fosse real, mas não é.

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Talvez seja um pouco duro aceitar que muitas das coisas que você compra são uma tentativa de projetar uma imagem sua que você gostaria de ter, mas no fundo não tem?

Como exemplo, pense em um carro. Qual a maior função de um carro? Transportar você de um lugar para outro. Mas se fosse assim, qualquer carro que ande serviria para você. Ora, se sua vontade é ter aquele carro importado que vale cinco vezes o valor de um carro popular, para você a função principal do carro não é transporte.

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E você está disposto a pagar tudo isso por um veículo caro. Pois talvez você acredite que, com esse carro, será mais visto, mais lembrado e mais valorizado.

Este texto não tem a intenção de fazer você desistir de comprar esse carro ou qualquer outra coisa. O tempo, a energia e os desejos são todos seus.

Você é quem vai administrar eles por toda a sua vida.

A reflexão, no entanto, é outra. Cada coisa que temos e que compramos demanda uma carga energética muito maior do que apenas o dinheiro gasto para comprar aquilo.

Imagine cada coisa que você tem. Você pesquisou o preço, planejou a compra, leu críticas sobre o produto, foi até a loja. Aprendeu a usar o produto, tentou conservá-lo para não estragar, comprou o sabão que foi fabricado especialmente para lavá-lo, fez o seguro especial para que o produto, caso estrague, tenha sua garantia estendida. E se estragou, tem uma empresa também especializada só para consertar o produto. Quanta coisa, para apenas uma coisa.

Ter coisas dá trabalho e quanto mais coisas, mais trabalho ainda. Fica parecendo que as coisas é que nos possuem, e não o contrário.

Você consegue se lembrar de uma situação em que você sentia que estava perdendo alguma coisa pois ainda não tinha aquele produto? Aquele seu amigo já tem, sua prima também, só você ainda não. Você achava caro, mas acabou comprando.

E o que aconteceu? Você pagou em 12 vezes. Você comprometeu 20% da sua renda o ano inteiro para comprar aquilo. Em três meses você já tinha se arrependido, e ainda faltavam nove meses para pagar. É ruim quando acontece isso, não é?

Pior: agora que você já se esforçou para comprar aquilo, você vai precisar cuidar daquilo.

Sabe aquele vizinho que passa o domingo inteiro lavando e lustrando o carro? Eu sempre imaginava como uma pessoa assim fazia quando ia ao supermercado. Imagina se alguém esbarra na lateral cheia de cera daquele carro? É aquele tio chato que não deixa a criançada entrar molhada no carro depois da praia.

Comprar um móvel de designer e ficar se preocupando se a criançada vai derramar suco ali é gastar uma energia surreal. Eles vão derramar e a culpa não é deles, mas sim da importância exagerada que você deu a uma… coisa.

Você não é as coisas que você tem. Quanto mais você se desapegar de coisas, mais tempo, mais energia e mais liberdade você terá para ter boas… experiências.

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Thiago Godoy

É head de educação financeira da XP Inc. e especialista em psicologia do dinheiro e bem-estar financeiro. É mestre pela FGV – Tese em Educação Financeira, especialização em Sustentabilidade (University of British Columbia), tem MBA em Marketing (FGV) e graduação em administração (UFJF). Foi diretor de mobilização de recursos e relações governamentais da Associação de Educação Financeira do Brasil, atuando especialmente com populações de baixa renda e escolas públicas. Também atuou com desenvolvimento institucional na Dialogue Direct e Children International (EUA), Fundação Vida Plena (Bolívia), Projuventude e Comitê para Democratização de Informática (Brasil). Instagram: @papaifinanceiro