SÃO PAULO – Em um ano a ser esquecido nos mercados até aqui, gestores que conseguiram cair bem menos do que os demais merecem ser estudados. É o caso da Forpus, que apresentou rentabilidade positiva de 2,26% no dia que ficou conhecido como Corona Day, ante baixa de 7% do Ibovespa.
Àqueles que consideram a proeza pura sorte, a gestora coleciona um histórico de destaques em eventos improváveis, caso do Joesley Day (-0,8%), dia em que o Ibovespa derreteu 10%; do processo que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff – em março de 2016, a carteira da Forpus valorizou 72%, frente a 17% do benchmark -, e do ano que marcou a eleição do atual presidente Jair Bolsonaro (+48%, ante 15% da Bolsa). Desde março de 2015, quando foi criado, o veículo da casa apresentou valorização de 272%, frente a 30% do Ibovespa.
Luiz Nunes, um dos sócios-fundadores da gestora, foi o primeiro convidado da série Stock Pickers – Aprendizados em Tempos de Crise. Clique aqui para acompanhar todos os episódios da série.
Em uma entrevista exclusiva aos apresentadores do Stock Pickers Thiago Salomão e Renato Santiago, ele explicou qual é a estratégia da gestora para aliar rentabilidade no longo prazo à resiliência em momentos de estresse.
Para assistir a íntegra em vídeo, basta clicar aqui.
“A carteira da Forpus é uma carteira de ações formada de maneira top-down (de cima para baixo). Não temos um time gigantesco de analistas olhando ação por ação todos os dias. Temos um comitê macro que vê os vetores políticos e macroeconômicos mais importantes daquela situação que a gente está vivendo. Vemos os vetores que vão bater em setores. A gente gosta de ter na carteira entre 3 a 4 setores comprados para 1 setor vendido”, afirma Nunes.
É só depois de analisar os setores que devem se beneficiar do ciclo econômico é que a casa parte para o stock picking propriamente dito. Mesmo assim, a carteira da gestora pode ter facilmente 4 ou 5 empresas em um único setor, destaca. “Não fazemos calls por ações, mas sim por setores”.
“Depois da eleição gostávamos do setor bancário. Quais bancos? A gente escolhe os que julgamos melhor em dado momento. Chegamos à conclusão que não apenas o setor como um todo iria bem, mas que a melhoria de captação, de gestão e governança também seriam pontos relevantes. Então pesamos um pouco mais a mão no Banco do Brasil”.
Ele conta que, eventualmente, algumas ações podem se enquadrar em mais de um setor de sua análise. Nesse caso, a convicção pelo posicionamento é reforçada.
“Um exemplo é a Paranapanema. É uma empresa que já sofreu tanta pivotagem. Tem como matéria-prima o cobre. A gente tinha um call muito positivo com infraestrutura, com real estate e um call de queda das commodities. Era uma ação que fazia parte de três teses. É assim que a gente monta a carteira que julgamos que vai ser vencedora”.
Nunes explica que o fundo segue uma estratégia 130% comprada e 30% vendida, o que lhe confere uma exposição líquida de 100%. Diferentemente de fundos que buscam uma correlação negativa entre as posições long e short, a Forpus tenta gerar um double-alpha. “Não fazemos pares, nós queremos ganhar nas duas pontas.”
Depois de montar a estratégia em ações que os gestores partem para a proteção. “É aqui que entendemos onde estão as brechas”, explica Nunes. O hedge da carteira fica por conta de um robusto book de opções, que ocupa entre 1,5% e 2% do patrimônio dos fundo. “Para poder acelerar o carro como a gente acelera, precisamos de um bom seguro.”
“O Brasil que não funciona”
A cota número 1 do fundo Forpus Ação FIC FIA data do dia 10 de março de 2015. À época, a ex-presidente Dilma Rousseff acabara de se reeleger.
“O dólar estava muito alto, todo mundo queria ir embora para Miami, diziam que Brasil não iria dar certo. Não era como o cenário atual, visões positivas sobre o Brasil”, lembra Nunes.
Àquela altura, ele e seus sócios batizaram a carteira recém-criada de “O Brasil Que Não Funciona”.
“Não era uma carteira de consumo, Real Estate, shoppings bombando, Condado bombando. Era para fazer o cotista dormir bem” brinca.
Recheadas de exportadoras e commodities, a carteira “O Brasil Que Não Funciona” nascia com papéis de Klabin, Suzano, Embraer, entre outras. “Nada de empresas ‘bacanas’”, lembra Nunes. De março a dezembro daquele ano, a Bolsa caiu 10%, enquanto a carteira subiu 5%.
Proteção desde o D+0
As carteiras da Forpus mudam. Os princípios que as regem, não. Nunes conta que desde o primeiro dia, o fundo já se protegia de cisnes negros na economia. E para a carteira “O Brasil que Não Funciona”, o maior risco era o Brasil dar certo.
“2014 e 2015 tinham sido 2 anos de PIB negativo e a inflação rasgou. Existe a inflação boa, de país desenvolvido, excesso de demanda e atividade alta. E existe a inflação ruim, do país subdesenvolvido por falta de confiança do BC de que vai ter manutenção da política monetária, desvalorização cambial e possibilidade de não honrar pagamentos de dívidas. Nosso maior risco aqui era o Brasil dar certo. Se o PT cair, a gente iria ter o problema de o Brasil der certo”, explica.
Na análise do fundo, as empresas que mais sofriam com o governo Dilma eram as estatais. A forma de se proteger de uma ruptura — algo extremamente improvável naquele momento — seria comprar calls (opções de compra) dessas companhias.
“Decidimos montar um padrão de proteção completamente heterodoxa. O padrão é proteção put, mas a gente comprou call. Compramos cesta de estatais, mas com foco em Petrobras e Banco do Brasil.”
A Forpus carregou as opções por mais de um ano na carteira. Em março de 2016, com o vazamento da delação de Delcídio Amaral e a situação frágil da então presidente Dilma, o impeachment passou a ser dado como certo, e as estatais decolaram.
“Foi quando nossa carteira de proteção entrou no preço. O Banco do Brasil estava cotado a R$ 9; três dias depois estava em R$ 21. A nossa carteira que era mais focada em exportadoras foi super mal, mas a proteção mais do que compensou”, recorda.
Novo ciclo, vida nova
O cenário macro mudou, e a carteira da Forpus teve de acompanhar. “Dali para frente, entendemos que não seria mais aquele tipo de presidencialismo, então pegamos um pouco daquele caixa para carteira mais construtiva. Praticamente mesma carteira que usamos até duas semanas atrás”, diz.
Se em 2015 e 2016, as opções protegiam os cotistas do fundo de um “país que desse certo”, agora os ativos tinham o papel oposto — em caso de “o Brasil dar errado”. Tendo como novo cenário-base a retomada econômica, uma agenda de privatizações e a a volta do “gringo” à Bolsa, a gestora passou a comprar ações de bancos e estatais, com preferência para as large-caps.
“Era um tipo de ação e setores muito correlacionados com o Ibovespa. Acreditávamos no Brasil, mas mais naquela metade das large-caps. Porque o mundo vinha muito bem em 2016, crescendo, com Trump acabando de ser eleito. Teve até um repique na Bolsa, mas não entendemos como um grande problema. Mas a gente imaginava que poderia ter um problema institucional brasileiro”.
Nunes conta que nem em 2017, quando o bull-market ganhava combustível com a tramitação da Reforma da Previdência, a Forpus abriu mão do seguro em opções. Afinal, ninguém paga o seguro de um carro esperando que ele seja roubado. E aí veio o Joesley Day.
“É aquela frase famosa: No Brasil nem do passado a gente tem certeza, é uma grande verdade. Não dava pra fazer uma super aposta com o dinheiro de cotista, com algo que não sabia se iria acontecer. Acontece o momento Joesley Day, e aí a Bolsa cai 10%. Nesse dia, a gente não caiu quase nada; naquele mês até subimos. Estar sempre protegido é muito importante. E a gente estava”.
Eleição de 2018
Após o vazamento das gravações envolvendo o então presidente Michel Temer e Joesley Batista, os mercados se recuperaram em pouco tempo. O próximo foco de atenção da Forpus tornou-se a eleição de 2018.
Embora seu cenário-base tenha se confirmado com a vitória de um candidato de direita, a gestora mais uma vez carregava opções na carteira caso estivesse enganada.
“Vai que o PT ganha. A chance era baixa? Era, mas poderia acontecer. Trocamos pedaço relevante da carteira. Em vez de trocar nomes, os mantivemos, mas trocamos por opções. Se desse errado, estaria protegido, se desse certo, acertamos também.”
Uma das boas surpresas para o fundo foi a eleição de Romeu Zema para o governo de Minas Gerais. “Conseguimos ver de forma rápida que ele iria para o segundo turno. A gente ganhou bem com Cemig, compramos opções com Cemig, fizemos investimento acreditando que aquele portfólio maximizaria o ganho se desse certo a aposta. E se desse errado, opções nos ajudariam muito”, afirma.
Novo ciclo, vida nova (2)
A partir da eleição de 2018, o cenário-base da gestora mudou novamente, conta Nunes. A tese passou a ser a de que os principais vetores de risco não viriam mais do mercado doméstico — e sim, do exterior.
Dali em diante, a gestora passou passou a apostar na queda de juros e na melhora do consumo interno, do emprego, da renda e do mercado de crédito. A previsão era a de que a capacidade ociosa da economia também caísse.
“E aí chegou hora de começar a escolher a outra metade do Ibovespa, menos ligada ao mercado lá de fora, mais ligada ao mercado local. Então montamos uma carteira muito focada no mercado imobiliário, na parte de saneamento básico, infraestrutura, consumo, crédito, muito ligado à economia local e tudo que iria desenvolver, na parte de energia.”
Enquanto a posição long da carteira estava no mercado doméstico, a parte short estava no mercado externo. Em 2018, o fundo passou a carregar puts (opções de venda) de S&P, vendo no cenário americano uma série de elementos de risco.
Da eleição à guerra comercial com a China, passando, segundo o gestor, por uma “injeção absurda” de dinheiro na economia e preços “artificiais” de empresas listadas na Bolsa americana.
“E aí, no Carnaval, surgiu o corona-oil. Na quarta-feira de carnaval, chegamos aqui e a Bolsa já cai 7%. A gente sobe 3% A gente sabia que iria ter o coronavírus? Não, mas a gente julgava que o vetor mais frágil dos ativos mundiais eram os ativos de risco americanos, e estávamos protegidos lá.”
Vetor de fragilidade x gatilho
A maioria das vezes em que as opções protegeram o portfólio da Forpus de uma queda mais acentuada, os eventos que levaram ao uso dessas proteções não estavam no radar da gestora. Foi assim com o impeachment de Dilma, foi assim com o Joesley Day e foi assim com o coronavírus.
Para quem diz que o fundo teve sorte de estar posicionado nessas ocasiões, Nunes explica que o objetivo do fundo nunca foi identificar os gatilhos para eventos extremos, mas sim o que chama de vetores de risco, os pontos mais frágeis de um sistema, e se proteger deles.
“A gente nunca tenta adivinhar que vai chover, mas sentir as gotas antes dos outros. Nos outros casos a gente tinha identificado o vetor fraco, nunca o gatilho. Esse é o maior aprendizado. As pessoas sempre querem saber qual vai ser o gatilho, mas você precisa saber qual vai ser o efeito.”
Novo ciclo, vida nova (3)
Nunes explica que, no cenário atual, a Forpus precisou ajustar novamente sua carteira. E vê boas oportunidades.
“Estamos comprados mais em large-caps no Brasil, com a oportunidade de comprar empresas por preços que você nunca imaginou, e que não tínhamos coragem de comprar 50% mais caro”, comemora.
Na ponta short, a empresa aposta na queda de empresas que se deram muito bem com o coronavírus e devem “voltar à normalidade”.
As proteções da casa estão em puts de bonds americanos e calls de mineradoras de ouro.
Por fim, a Forpus avalia uma terceira sub-estratégia para o hedge se sua carteira. “A gente entende que os EUA precisarão fazer um ajuste fiscal, que nenhum presidente quer. Existe o setor americano ligado à defesa em que estamos em short. Esse setor não serve pra nada se não for ter guerra”, argumenta.
Crítica ao BC
Nunes aproveitou para criticar a decisão do Banco Central em reduzir a Selic de 4,25% para 3,75% ao ano na última reunião do Copom. Segundo ele, a medida pressionou ainda mais o câmbio e tem o potencial de pressionar a inflação.
“Achamos que deveria ter subido. Importou inflação com o corte dos juros. Nosso problema no Brasil não é Magalu e Vale; é o bar do alemão, a PME que tem 15 dias de caixa. Tinha que subir juros, estancar a alta do dólar, reduzir a inflação futura, liberar investimentos e inundar os bancos de dinheiro que vai dar crédito mais barato para as empresas”.
Aberto até quando?
Nunes ressalta que, em última instância, a principal métrica de risco da Forpus é a liquidez. Por isso, o fundo não tem pretensão de crescer para a casa do R$ 1 bilhão em patrimônio líquido. “Hoje, conseguiríamos zerar 100% do fundo em 7 dias. E vamos fechá-lo com 800 milhões”, explica.
Hoje, a casa gere um patrimônio líquido de R$ 350 milhões.
Segundo Nunes, a Forpus tem o plano de abrir em breve outros dois fundos, um de Previdência e outro institucional, ambos long only.
E a concorrência?
Thiago Salomão ainda perguntou a Nunes o que ele pensa sobre os fundos que não estavam protegidos para a crise. Para o gestor, não existe qualquer problema nas estratégias deles e cabe ao investidor entender o seu perfil – e, se julgar necessário, investir em fundos que busquem menos volatilidade.
“Tem muito investidor que é acumulador de ações, acumulador de patrimônio. Para essa pessoa não faz tanta diferença. Para quem quer ser sócio de grandes empresas no longo prazo, esses eventos são oportunidade de comprar. Esse é o caso de grandes fundos que abriram agora para captar mais, como a Dynamo, a Bogari, e alguns fundos mais novos”, defende.