A vitória dos “desqualificados”

Ainda que a passos bem curtos, o Brasil caminha para uma maior internacionalização do mercado financeiro, algo extremamente benéfico para o investidor

Francine Balbina

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

(Getty Images)
(Getty Images)

Publicidade

Na primeira coluna que escrevi aqui, há mais ou menos um mês, falei sobre o “V de vitória” em analogia à recuperação em forma de V (rápida) do mercado americano frente à crise causada pela pandemia do novo coronavírus.

E hoje, coincidentemente, venho falar sobre outra vitória: a que tive o prazer de vivenciar nesta semana, com a liberação dos BDRs para investidores e investidoras de varejo (comuns) brasileiros.

Para quem não sabe, os BDRs (Brazilian Depositary Receipts) são certificados de depósito emitidos e negociados com lastro em valores mobiliários de companhias estrangeiras.

Continua depois da publicidade

São basicamente certificados de ações de empresas estrangeiras, muitas das quais não só conhecemos como também consumimos produtos e serviços diariamente: Amazon, Apple, Coca-Cola, Google, Visa, entre diversas outras.

Esses certificados permitem que investidores acessem lastros de ações dessas empresas daqui mesmo da nossa Bolsa de Valores, a B3, sem que seja necessário abrir uma conta em uma corretora no exterior (no caso, no país onde a ação é negociada).

Ou seja, sem a necessidade de fazer operações de câmbio, transferência de recursos para o exterior ou mesmo ter preocupações com questões tributárias internacionais.

Continua depois da publicidade

Até a última segunda-feira (10), somente investidores qualificados, aqueles definidos pelo nosso regulador, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), como pessoas com mais de R$ 1 milhão em investimentos (ou algum tipo de certificação aprovada pelo regulador), tinham acesso a esse tipo de produto.

Desde que lancei a minha série na Spiti, Você, Investidor Global, em fevereiro deste ano, venho acompanhando este movimento por parte do regulador.

Quem me conhece sabe o quanto tenho batalhando contra a exclusão dos investidores comuns de vários produtos com acesso global, tendo como base somente os recursos que essas pessoas têm disponíveis para investimentos.

Continua depois da publicidade

Com isso, a pergunta que mais ouço dos meus assinantes e que já virou até uma brincadeira é: “Então quer dizer que se eu não tiver um R$ 1 milhão em investimentos sou considerado um investidor ou investidora desqualificada?”

Ou ainda: “E nós, pobres mortais, não termos recomendações nesta semana?” – quando recomendo produtos disponíveis somente para os investidores qualificados.

Eu, particularmente, não gosto nadinha do termo “qualificado” e muito menos da definição baseada somente em recursos financeiros.

Continua depois da publicidade

Mas acho que isso é tema para uma próxima coluna, pois hoje trago uma notícia incrível para você, investidor ou investidora comum: na última terça-feira, dia 11 de agosto, a CVM finalmente alterou as regras para investimento nos BDRs.

A partir do dia 1º de setembro deste ano, todos os investidores brasileiros terão acesso aos BDRs, a títulos de dívida no exterior e a ETFs (fundos de índice) que poderão ser listados como BDRs na nossa Bolsa.

E a nova regra também permitirá que empresas brasileiras listadas no exterior emitam seus BDRs no mercado local.

Continua depois da publicidade

Essas mudanças são extremamente importantes para estimular os investidores e investidoras brasileiras a diversificar.

Atualmente, investimos 99% de nossos ativos no Brasil, e o nosso país representa menos de 2% do mercado de capitais mundial. Portanto, ficamos excluídos de um mundo, literalmente, de oportunidades de investimentos.

A alteração dessas regras nos permite facilmente acessar outras regiões e, principalmente, setores tão escassos na nossa Bolsa de Valores, como os de biomedicina e tecnologia, e abre caminho para a criação de uma gama de novos produtos e listagem de diversos fundos de índices estrangeiros na B3.

Acredito piamente no acesso e na democratização dos investimentos, e é por isso que o meu objetivo principal hoje é fazer com que os investidores e investidoras brasileiras diversifiquem suas carteiras e passem a incluir ativos no exterior entre seus investimentos.

Aqui não se trata só de se ter mais e maiores oportunidades; diversificar é também uma necessidade.

Lembro que Ray Dalio, fundador da gestora Bridgewater e gestor de um dos maiores hedge funds (equivalentes aos nossos multimercados) do mundo, explicou em uma de suas palestras para investidores brasileiros a importância da diversificação da carteira.

Ele afirmou que o investidor deve diversificar suas posições, pensando em regiões, moedas, setores e estratégias sem correlação, e somente depois pensar em posições táticas para seus investimentos.

“O primeiro passo é começar a diversificar”, Dalio reiterou. E, para fazer isso efetivamente, precisamos olhar para as opções e oportunidades que o mundo nos oferece.

Por isso, a vitória desta semana é sobre muitas coisas: é a vitória da diversificação, do acesso, da abertura e da maturidade do mercado.

É a nossa vitória como investidores, a fim de termos mais formas de acessar os mercados no exterior e nos tornarmos investidores globais.

Existem, sim, outras formas e produtos que também precisam “entrar na fila” da flexibilização, como os fundos de investimento que investem 100% de seus recursos no exterior, e hoje continuam disponíveis somente para investidores qualificados.

Espero que o nosso mercado caminhe para uma maior abertura e para ter mais opções de acesso, pois, quanto maior a gama dessas opções, maior a competição e melhores se tornam os produtos e serviços disponíveis.

Obrigada, CVM, por nos ajudar a dar esses primeiros e importantes passos rumo à globalização das nossas carteiras de investimentos.

Ainda assim, é importante ressaltar uma coisa: nós aqui estamos apenas começando.

Tópicos relacionados

Autor avatar
Francine Balbina

Especialista em investimentos globais da Spiti, formada em Relações Internacionais e pós-graduada em Consultoria Empresarial. Tem 15 anos de experiência em prestação de serviços de governança e compliance para gestores de investimentos independentes, assets, bancos, family offices e investidores institucionais globais. A expertise adquirida nos anos em que viveu nas Ilhas Cayman e em Nova York, bem como sua atuação na Irlanda, Luxemburgo, Londres, EUA, Hong Kong e Cayman são sua fonte de inspiração para trazer conteúdo que cobre todo o mercado financeiro internacional.