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“Não podemos prever o futuro, mas podemos criá-lo”. Começamos com esta célebre frase do mestre Peter Drucker, que funciona tanto como um alerta pessoal, quanto como um incentivo para os leitores.
Vivemos momentos muito difíceis. Talvez o mais próximo que experimentamos desta situação tenha sido em ficções hollywoodianas. É muito presunçoso o exercício de tentar prever o futuro. Não é esse o nosso objetivo. Queremos apenas provocar a reflexão do leitor.
Temos a certeza que a retomada da nossa economia será fruto do trabalho árduo de cada agente econômico. É a partir desse trabalho, e de cada decisão econômica, que o futuro será criado. E o futuro começa agora.
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Passei as últimas semanas debatendo com vários empresários alternativas para o atual momento. Traçar um cenário de médio prazo para o pós-crise parece ser uma das maiores dificuldades dos atuais líderes.
O “novo normal” deve alterar não apenas decisões imediatas, mais ligadas à subsistência imediata das empresas.
Compreender também a dinâmica da economia e da sociedade nos próximos dois a três anos é fundamental para nortear decisões estratégicas e investimentos, essenciais para a sustentabilidade de qualquer negócio.
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Para refletir sobre essas questões, convidei meu parceiro e amigo Daniel Passos Miraglia* para tentar traçar um conjunto de hipóteses que traduza possíveis tendências econômicas e políticas para os próximos anos, além de avaliar como elas podem impactar as decisões empresariais no país.
A seguir, abordamos alguns dos tópicos que julgamos mais relevantes.
Nacionalismo ou globalização
O mundo já experimentava uma onda de nacionalismo. As classes médias, alijadas da prosperidade refletida nos números de PIB global e na forte apreciação dos ativos financeiros, foram sendo progressivamente empobrecidas em boa parte das economias centrais e periféricas, abrindo espaço para políticas e ideologias nacionalistas.
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A crise atual, de ordem sanitária, acarretou o isolamento das pessoas. Consciente ou inconscientemente, as sociedades tenderão a se voltar para si próprias, apesar de vermos um belo renascimento da doação e da caridade.
Populações já recorrem a um instinto de autopreservação coletivo. Nesse contexto, o espaço para ideologias que evoquem a globalização e o multilateralismo perderão espaço nas agendas políticas, acentuando assim o populismo.
Seja por medidas sanitárias ou econômicas, há uma propensão de recrudescimento nas relações internacionais.
Vemos, portanto, o fortalecimento de uma tendência já existente em direção ao nacionalismo, ao protecionismo e às guerras comerciais mais intensas.
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Cadeias Produtivas
Num mundo menos globalizado, os arranjos produtivos precisarão ser repensados.
Exportar cadeias produtivas em nome da eficiência e do lucro, o modus operandi observado nas últimas décadas, pode perder força nos próximos anos.
O just-in-time, especialmente em cadeias longas de fornecimento, se mostrou crítico para algumas indústrias. A dependência de uma única nação para o fornecimento de apenas um tipo de insumo, muitas vezes crítico, também.
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Esse mindset tende a ser modificado, seja por uma questão meramente política ou pelo risco operacional, muitas vezes relacionado a segurança nacional.
Não raro, empresários em conversas recentes já se mostraram espontaneamente abertos a pagar mais para desenvolver fornecedores locais.
E não estávamos sequer discutindo insumos críticos. Reflitam apenas por alguns segundos em como não estávamos preparados para produzir singelas máscaras de proteção, além de ventiladores mecânicos. Ou ainda como não somos capazes de produzir sal de cloroquina, uma rota química conhecida desde o início do século XX.
Existirá, portanto, uma tendência forte de internalização de cadeias produtivas estratégicas, mesmo que o custo seja mais alto.
Liberalismo ou intervencionismo Estatal
A agenda de desglobalização e nacionalismo que temos pela frente é praticamente (se não completamente) incompatível com uma pauta liberal.
Sabemos que o Estado nunca foi o melhor “alocador” de recursos escassos. A pandemia, contudo, trouxe uma percepção de falta de capacidade deste sistema em lidar com seus efeitos imediatos e perversos.
O crescimento do “capitalismo de Estado” pode ser uma tendência relevante nos próximos anos.
A retomada das economias exigirá esforços adicionais no campo econômico e social. Pressões no campo político limitarão o espaço para a manutenção de uma agenda liberal.
Políticas nacionalistas, associadas a um potencial populismo, devem gerar como consequência mais intervencionismo estatal na economia.
Seja por meio da ampliação de políticas de transferência de renda, seja por meio de programas de desenvolvimento setoriais e regionais ou na compra direta de créditos e ações de empresas problemáticas, o crescimento da participação dos estados nas economias parece uma tendência muito clara.
Programas de infra-estrutura, pelo potencial de geração de empregos, devem ser uma realidade, especialmente num país tão carente como o nosso.
Cabe a reflexão de como compatibilizar esse intervencionismo com um espaço fiscal tão exíguo em alguns países, não excluindo dessa lista o Brasil.
O resultado de tais políticas pode variar bastante se considerarmos os países emergentes, desenvolvidos ou mesmo a peculiar situação fiscal dos blocos econômicos, notadamente a União Européia.
Low touch economy
Muito se fala que a digitalização avançou mais nos últimos dois meses que nos últimos cinco anos. Pode ser verdade.
A transformação digital de um negócio é muito mais do que um site bem feito: cases de sucesso possuem um DNA digital. Processos e experiência do cliente são concebidos com essa vocação. Dificilmente é possível fazer esse tipo de transformação sem uma mudança transversal no negócio.
De forma mais abrangente, todas as empresas que não sucumbirem à crise precisarão repensar de modo rápido, e muitas vezes com alto grau de improviso, como reajustar seus processos e rotinas operacionais para uma operação que acomode as necessidades da crise que estamos enfrentando.
Isso passa por medidas sanitárias adicionais em instalações fabris e vai até o tão falado home office. Estabelecimentos comerciais se concentrarão em suas operações online ou entregas.
Dificilmente, contudo, em tão curto espaço de tempo, seremos capazes de avaliar os impactos de médio prazo no comportamento dos consumidores. Como será o impacto no comércio varejista? No turismo de negócios e lazer? Nos grandes espetáculos esportivos?
Sem pretender ser exaustivo, há uma tendência de um “novo normal” pautado por relações low touch, o que significa uma maior afinidade por negócios a distância e uma certa dose de intolerância pelo contato excessivo.
Mais do que isso, é preciso saber como será o impacto deste comportamento nas grandes cidades, especialmente nos países menos desenvolvidos. O impacto das metrópoles nas economias globais nunca foi tão relevante. Qualquer mudança nessa dinâmica trará marcas profundas na forma de se realizar negócios.
Seja no trabalho, seja nas atividades de lazer, é importante notar que as mudanças poderão ser mais ou menos intensas a depender do tempo em que as sociedades permanecerão isoladas, do tipo de tratamento encontrado para a doença e do grau de segurança percebido pela população.
Outro ponto a se considerar é o aumento do grau de letalidade da doença conforme se incrementa a faixa etária das populações. Há uma correlação com poder aquisitivo e demografia (neste caso a depender dos países em análise) que pode gerar mais ou menos impacto nos diferentes tipos de indústria.
Inflação ou Deflação
O mundo já vinha em uma tendência clara de deflação antes da covid-19. Várias forças importantes vinham atuando para isso. Dentre elas, destacamos três:
- (a) A China passou a exportar deflação com mais intensidade desde 2013. O país dominou mercados, ganhou importância irreversível na economia mundial, desvalorizou a sua própria moeda contra o dólar (mais recentemente) e tem uma mão de obra muito barata. A China é deflacionária para a economia mundial.
- (b) Automação e robótica. O crescimento da inteligência artificial, desde as tarefas mais simples, até algumas mais complicadas, cria pressão deflacionária no planeta.
- (c) Fim de um ciclo de 10 anos de crescimento. O mundo já vinha demonstrando sinais de estar no final do ciclo econômico de expansão que durou desde 2009. A desaceleração das economias centrais e da própria China já era evidente e passava por cima até dos estímulos monetários e fiscais que já estavam em andamento sem sucesso desde 2018. Essa também é uma força deflacionária importante.
Com esse pano de fundo, entramos na pandemia. Todas essas forças continuarão atuando, mas a queda na renda e no consumo será muito mais rápida e brutal do que seria sem a pandemia.
Adicionemos a isso o choque do petróleo, ocorrido por razões geopolíticas que não vamos aqui aprofundar e que, por conta da forte retração de demanda e de características globais de produção, parece ter um perfil razoavelmente persistente.
Assim, vemos uma forte tendência à deflação neste primeiro momento. Existem importantes choques de oferta ocorrendo, mas a queda na demanda é tão intensa que pesa mais na balança e os preços dos bens e serviços na maioria do mundo serão mais baixos.
Caso um cenário de volta em “U” (com base larga) ou em “L” se materialize, esse processo deflacionário pode durar algum tempo, talvez mais de 12 meses, seguido de uma estabilidade de preços e uma inflação muito baixa.
Nessa hora será muito importante olhar para dois mundos: mercados emergentes e mercados desenvolvidos. As diferenças podem ser grandes.
Recuperação em “V”, em “U” ou em “L”
O que ocorre atualmente não tem paralelo na história da humanidade.
Modelos que simplesmente replicam situações parecidas no passado estão, provavelmente, destinados a fracassar.
Fala-se muito da Gripe Espanhola como proxy (ocorreu volta em “V”). Porém, o mundo era outro. A alavancagem das empresas e dos governos era muito menor e, portanto, a capacidade de recuperação era muito maior.
A pandemia do coronavírus pegou o mundo em fim de ciclo e isso é fundamental para desenharmos o cenário de maior probabilidade de crescimento nos próximos anos.
Juntando esse fato com as principais tendências que destacamos, estamos dando maior probabilidade a uma volta em “U”, mas esse “U” deve ter uma base larga e se aproximar de um “L”.
A segunda maior probabilidade colocamos no próprio “L”. Por fim, como cenário de menor probabilidade, consideramos uma volta rápida e em forma de “V” da economia global.
Ao empacotar os pontos acima e pensar sobre o cenário nacional, entendemos que alguns pontos deveriam ser considerados para um horizonte de médio prazo:
Oportunidades para desenvolvimento de produtos para atendimento do mercado interno, que devem ganhar competitividade em relação a importados; vale observar a questão cambial (especialmente a política adotada daqui para frente), que deve estar consistente com um cenário de incentivo ao mercado interno;
- Desenvolvimento de cadeias de suprimentos descentralizadas, ou até verticalizadas;
- Avaliação de alteração de parâmetros do ciclo operacional, principalmente no estoque, considerando cadeias de suprimento especialmente longas, considerando a manutenção de estoques de segurança;
- Manutenção de posições de caixa de reserva para acomodar potenciais choques futuros;
- Manter controle rigoroso de custos, considerando o potencial cenário deflacionário;
- Investimento em tecnologias de automação, inteligência artificial e robótica;
- Transformação digital transversal dos negócios;
- Desenvolvimento de novos produtos e serviços, considerando potencial ampliação do comportamento low-touch
Retomamos aqui a primeira frase do artigo. Mas fazemos um disclaimer adicional. Este exercício tem a pretensão de convidar o leitor a uma reflexão sobre um conjunto de hipóteses e um cenário que entendemos ser possível para os próximos anos.
O futuro, de fato, não pode ser previsto. E será criado por cada um dos empresários e outros agentes econômicos do país e do mundo.
Aproveitamos para buscar em outras sábias palavras de Peter Drucker um convite à coragem e à ação, tão importantes nesses tempos difíceis: “O problema em nossas vidas não é a ausência de saber o que fazer, mas a ausência de fazê-lo”.
*Daniel Passos Miraglia, prêmio USP de excelência em economia em 1994 e mestre em Finanças com dupla certificação.