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No último dia 16 de novembro, o governo eleito entregou ao Congresso Nacional a PEC da Transição. Aqueles que esperavam, eventualmente, algum resquício de responsabilidade fiscal para os próximos 4 anos do governo eleito, podem ter se sentido, de certa forma, decepcionados.
Vamos lá. Inicialmente se preconizava um furo do teto de gastos próximo a R$ 70 bilhões por apenas 1 ano (2024) – ou pelo menos era isso que os agentes econômicos esperavam. Desses R$ 70 bilhões, R$ 52 bilhões se referiam ao excedente de R$ 200 do recém renomeado Bolsa Família. Sim, pois R$ 405 desse mesmo Bolsa Família, até o momento denominado Auxílio Brasil, já estava contemplado na Lei do Orçamento Anual (LOA) no valor de R$ 105 bilhões.
Nesta nova PEC da Transição, urge ressaltar, ainda a ser submetida por dois turnos para ser apreciado pelo Congresso e Senado com três quintos de aprovação pelos congressistas (308 na Câmara de e 49 no senado), esses R$ 105 bilhões terão outro destino e não mais o que está na LOA. Ou seja, esses recursos seriam alocados para outras áreas, como a recomposição da verba do Farmácia Popular, o aumento real do salário mínimo e ampliação de investimentos públicos. Mas, independentemente do processo de apreciação dessa nova PEC, os mercados parecem não ter recebido muito bem essa informação.
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Continua ainda as discussões sobre responsabilidade social versus responsabilidade fiscal. Óbvio que sem responsabilidade fiscal, não é possível que o governo almeje uma maior responsabilidade social.
O nexo causal é claro: Se a responsabilidade fiscal for desrespeitada e nenhum arcabouço fiscal for posto em seu lugar, de forma a mostrar alguma retidão fiscal, os financiadores da dívida pública, conforme destacado no quadro abaixo, buscarão maiores retornos para financiar o governo, resultando assim em maiores taxas de juros na economia, o que certamente prejudicaria o expansionismo fiscal e benesse social tão almejada pelo proponente.
Esse efeito, chamado de “efeito deslocamento” ou “crowding out effect” pode ser explicado de forma mais elucidativa através do Modelo de Mundell-Fleming no apêndice.
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Financiadores da dívida pública federal – R$ 5,495 trilhões
Fonte: Relatório Mensal da Dívida Pública Federal (Set//22)
https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:45062
A proposta do governo envolve que fiquem fora do teto de gastos por prazo indeterminado até R$ 198 bilhões divididos conforma a tabela a seguir:
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Dessa forma, dado um maior risco fiscal que o país tende a incorrer, junto com a possibilidade de downgrades em nossas notas junto as agências de rating, estamos estimando que o câmbio para 2023 deva ficar entre R$ 5,60 e R$ 5,70 e as taxas de juros não deverão abaixar no ritmo esperado elos agentes econômicos. Se a PEC da Transição for aprovada pelas duas casas como proposta, estimando uma taxa básica final de juros (Selic) para 2023 de 14,5%
APÊNDICE: Arcabouço teórico simples: Modelo de Mundell-Fleming
Para os leitores pacientes, que queiram navegar em modelos econômicos, o presente apêndice busca mostrar de que forma um aumento de gastos do governo, aliado a um maior risco fiscal, pode não resultar em um expansionismo da atividade econômica como defendido.
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O modelo de Mundell-Fleming (Robert Mundell e Marcus Fleming) é conhecido como um importante modelo para economias abertas sujeitas a flutuações cambiais, dada mudanças na percepção de risco dos agentes econômicos e conjunção de políticas fiscais e monetárias.
O modelo de Mundell-Fleming expande o modelo IS (Investment – Saving), LM (Liquidity Money) dos economistas John Hicks e Alvin Hansen, através do qual buscam explicitar o pensamento do economista britânico John Maynard Keynes de uma forma mais intuitiva.
a) Curva IS (Investment – Saving)
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A curva IS busca mostrar combinações de juros e renda (PIB = Y) onde o mercado de bens e serviços esta em equilíbrio. Algebricamente teríamos:
Y = C + I + G + X – M
Onde:
C = Consumo das famílias
C = Co + c (Y-T), o qual é impactado por uma variável independente Co, além da renda (Y = PIB), posto que quanto maior a renda, maior o consumo, deduzido dos impostos que as famílias tem de pagar ao governo (T), multiplicado pela propensão marginal a consumir, ou uma parcela da renda dedicada ao consumo (c).
I = Investimento das empresas em formação Bruta de Capital
I = eo – di, dado que os investimentos dependem negativamente da taxa de juro real (i), o coeficiente da equação dos investimentos é negativo, multiplicado pelo coeficiente “d”. A variável “eo” corresponde ao arcabouço institucional, segurança jurídica e confiança no futuro. Dessa forma, sabemos que os investimentos em formação bruta de capital dependem negativamente das taxas de juros reais (nominais descontadas da inflação) e da confiança no futuro da economia.
G = Gastos do governo
X = Exportações
X = ƒ (câmbio real e renda internacional ou Y*)
Pois, quanto mais depreciado o câmbio real, maior a competitividade dos bens non-tradables e, quanto maior a renda dos nossos parceiros comerciais Y*, maior o ímpeto importador deles, o que no caso seriam nossas exportações.
M = Importações
M = mo + mY, dado que nossas importações, além de dependerem do câmbio real, dependem também da nossa própria renda ou PIB (Y). Sim, pois quanto menor o nosso crescimento econômico (PIB = Y), ceteris paribus, menor o nosso nível de consumo externo ou importação. Dai a propensão marginal a importar (m), que multiplica a nossa renda.
Colocando tudo junto teríamos:
Y = C + I + G + X – M
Graficamente, teríamos a CURVA IS, como segue:
b. Curva LM (Liquidity – Money)
A curva LM busca mostrar combinações de juros e renda (PIB = Y) onde o mercado MONETÁRIO esta em equilíbrio. Algebricamente teríamos:
M/P = kY – hi
Onde:
M = Oferta monetária
P = nível de preços
K e h = Coeficiente
Y = Renda (PIB)
i = juro real
c. Curva BP (Balance of Payments)
A curva BP busca mostrar como o movimento de capitais (entrada ou saída) ocorre, dada uma variação nos juros domésticos, internacionais expectativas de oscilação cambial e risco país (fiscal ou externo). Ou seja
Forma Linear i – i* – DS – Risco País (RP) = 0
(assumindo ativos substituíveis e de duration iguais)
Onde
i = Juro doméstico
i* = Juro internacional
Ds = Variação cambial
Risco País = Risco País (fiscal, soberano, etc.)
Se assumirmos um país com livre mobilidade de capitais e riscos semelhantes, teríamos, graficamente, a curva BP, como segue:
A área acima da linha BP ou i > i* + DS + RP seria uma área de entrada de capital e pressão para apreciação cambial. Área abaixo da linha BP ou i < i* + DS + RP, seria uma área de saída de capital e pressão para depreciação cambial.
Dessa forma, se colocarmos IS//LM//BP e um mesmo gráfico, teríamos:
O que pode acontecer com a economia brasileira?
Depois dessa enorme digressão sobre o modelo de Mundell-Fleming, vamos assumir agora uma política fiscal expansionista com maiores gastos do governo, o que faria a curva IS se deslocar para a direita incialmente, como segue:
Não obstante, os agentes econômicos, percebendo um maior risco fiscal, passariam a demandar maiores retornos em títulos públicos, o que faria a curva BP se inclinar positivamente, e os juros subirem, ou a curva LM se deslocar para a esquerda, culminando com um crescimento econômico menor do que o esperado pelos policymakers. Daí, o efeito deslocamento ou crowding out effect. Os recursos que o governo coloca na economia são deslocados para a compra de títulos públicos, dado o maior risco fiscal e maior remuneração auferida, diminuindo o impacto expansionista inicial pretendido.
Como evidência empírica, conforme a curva de juros mostra, os agentes econômicos já estão pedindo maiores retornos (inclinação maior da curva) e o risco país chegou a aumentar 10% em apenas um dia, com impactos na paridade cambial. Obviamente que, se a curva de juros continuar se inclinando mais, dados um ainda maior risco fiscal e a visão de que o Banco Central ao invés de cortar, subirá mais a taxa Selic, talvez o impacto final na economia real possa até ser uma contração, levando para um PIB ou cruzamento da IS//LM aquém de Y1.
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