Impactos da vitória de Biden na eleição americana e os riscos a monitorar

EUA caminham para uma nova etapa na política doméstica e internacional, que deve inclusive marcar um novo capítulo nas relações com o Brasil

Victor Scalet Sol Azcune Richard Back

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Joe Biden  (Foto: Win McNamee/Getty Images)
Joe Biden (Foto: Win McNamee/Getty Images)

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Na terça-feira (3) os americanos foram às urnas para escolher o próximo presidente da maior economia do mundo. Após quatro dias de apuração, foi confirmado que Joe Biden, o ex-vice-presidente de Barack Obama e atual candidato democrata, deve ser o 46º presidente dos EUA.

Com 279 votos no colégio eleitoral assegurados e caminhando para obter 306, a ampla margem de Biden sobre seu adversário, Donald Trump, reduz incertezas sobre uma possível mudança de cenário após recontagem de votos.

Com a definição, os EUA caminham para uma nova etapa na política doméstica e internacional, que deve inclusive marcar um novo capítulo nas relações entre o governo brasileiro e o governo americano.

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Após uma primeira noite que apontava para uma nova vitória republicana, o democrata gradualmente reconquistou espaço na disputa, passando a liderar por pequena margem em “swing states” como Wisconsin, Michigan, Arizona, Nevada, Pensilvânia e Geórgia.

No entanto, o atual presidente, Donald Trump, diz não aceitar os resultados e alega que o processo eleitoral foi fraudulento. Afirma ainda que deve contestar os resultados no Judiciário.

Vale destacar que o argumento defendido pelo presidente não tem recebido apoio da grande maioria do partido republicano. O filho mais velho do republicano, Donald Trump Jr, inclusive reclamou sobre o tema nas redes sociais.

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Dada a ampla margem de Biden no colégio eleitoral, as chances de o resultado ser alterado após uma recontagem dos votos, como defendido por Trump, é pequena.

Sendo assim, um temido cenário de incerteza sobre o resultado eleitoral que pudesse se estender por semanas ou meses se viu reduzido e, por conseguinte, as chances de volatilidade nos mercados no curto-prazo foram também diminuídas. O tema deve continuar a ser monitorado, mas implica um risco menor do que esperado.

Senado

Além da chance reduzida de judialização, os mercados também receberam uma notícia positiva na disputa pelo Congresso, com a portabilidade de uma ‘onda azul’ (vitória democrata na Câmara, Senado e Casa Branca) significativamente reduzida. O cenário é considerado positivo uma vez que a falta de controle nas duas Casas Legislativas, torna mais difícil para o Executivo conseguir aprovar políticas arrojadas

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Como esperado, os democratas retiveram a maioria na Câmara dos Representantes. No entanto, não devem obter maioria no Senado. Com 31 das 35 vagas da Câmara Alta definidas, cada partido soma 48 vagas de um total de 100. As disputas que ainda não foram resolvidas são: Carolina do Norte, Alaska, Geórgia (eleição regular) e Geórgia (eleição especial*).

Dessas, Alaska e Carolina do Norte devem ser definidas em breve a favor do partido republicano. O partido de Trump também tem vantagem em Geórgia (eleição regular), porém, as últimas apurações indicam que pode ter que ser resolvida em um segundo turno por acirramento dos resultados.

A eleição especial no estado deve ser resolvida em um segundo turno, mas o panorama é mais positivo para o candidato republicano. Desse modo, os republicanos são favoritos a reterem controle da Casa, conforme projetado pela XP, com maioria de 51 ou 52 votos.

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A vista disso, pautas defendidas por Biden que preocupam os mercados, como o aumento de impostos para pessoa jurídica, tem menor chance de aprovação, um indicador que anima os mercados. De todo modo, com as segundas votações em Geórgia apenas marcadas para janeiro, os mercados devem acompanhar de perto o tema.

*Eleição especial sendo realizada após aposentadoria do senador Johny Isakson.

Relações EUA-Brasil

A definição da disputa pela Casa Branca implica também uma nova etapa para as relações entre os Estados Unidos e o Brasil. Nos últimos anos, as relações foram marcadas pelo alinhamento ideológico entre Jair Bolsonaro e Donald Trump, no entanto, a visão do novo presidente americana é distinta. As distintas narrativas dos líderes podem levar certas tensões entre os governos.

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Vale ressaltar que o democrata deu indício do que pode ser esperado de seu relacionamento com o Brasil no primeiro debate presidencial, quando mencionou preocupações ambientais no Brasil. Biden disse que, se eleito, coordenaria uma estratégia com aliados para prover US$ 20 bilhões para o Brasil coma condição que o país acabasse com as queimadas na Amazônia, caso contrário, ameaçou sanções econômicas.

Em vista disso, se esperam tensões entre o governo Biden e o governo Bolsonaro sobre a pauta ambiental nos próximos anos, que amplificaria a pressão que o Brasil já enfrenta sobre o tema.

No entanto, vale destacar que o democrata é conhecido por ser um hábil negociador e por ser pragmático, portanto, deve procurar estabelecer relações cordiais com o Brasil em meio a disputa por influência na América Latina com a China. O leilão do 5G, por exemplo, a ser realizado em 2021 no Brasil, deve ter grande relevância para o futuro das relações do Brasil tanto com os EUA, quanto com a China.

Na mesma linha, vale notar que as relações comerciais e diplomáticas entre os EUA e Brasil são sólidas e de longa-data, portanto não se vem afetadas significativamente por afinidades ou discordâncias entre governos sobre temas pontuais. Inclusive, durante o governo Trump o Brasil teve poucos benefícios do alinhamento entre os líderes de estado. Sendo assim, o efeito das possíveis tensões entre os governos Bolsonaro e Biden não deve levar a rupturas ou mudanças significativas dessas relações.

Destacamos ainda que Joe Biden é um político tradicional e deve favorecer o uso de abordagens institucionais das relações internacionais, ou que significaria maior uso de instituições multilaterais, mais diálogo e coordenar com os aliados dos EUA como os países da União Europeia.

Portanto, será de alta importância que o governo brasileiro também se adapte a esse novo cenário e remodele a comunicação com a comunidade internacional. Se fizer isso, tensões iniciais podem ser superadas no longo-prazo e o Brasil pode até se beneficiar de um cenário mais favorável para o comércio global.

Considerações finais

Com uma vitória democrata na Casa Branca, e republicana no Senado, além de baixa incerteza sobre o risco de judicalização, a disputa eleitoral EUA se aproxima do cenário considerado ideal pelos agentes de mercados. Nas próximas semanas acompanharemos nos EUA o andamento das disputas pelo Senado em Geórgia, que são uma das poucas variáveis que ainda podem apresentar surpresas, apesar desse risco ser considerado baixo.

Nesse novo cenário, as expectativas melhoram para o diálogo e comércio global, o que deve favorecer mercados emergentes como o Brasil, apesar de potenciais tensões entre o governo brasileiro e o governo Biden. Por isso, no Brasil, monitoraremos como se comporta o governo Bolsonaro nos próximos dias, já que sua atuação nesse período pode dar o tom ao relacionamento do Brasil com o futuro governo americano.

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Victor Scalet

É analista político e estrategista macro da XP Investimentos, responsável pela pesquisa XP/Ipespe. É mestre em economia e, antes de se juntar à XP, trabalhou por sete anos na área econômica de instituições financeiras.

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Sol Azcune

É analista política da XP Investimentos com ênfase no cenário internacional. Formou-se em relações internacionais pela universidade SOAS, University of London.

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Richard Back

É coordenador de macro sales e análise política da XP Investimentos. Acompanha o cenário brasileiro há uma década e especializou-se também em política internacional.