Como a valorização do salário mínimo quebrou o Brasil

Grande parte do orçamento federal está vinculada ao salário mínimo: quando ele aumenta, também crescem o piso da previdência social, o BPC, o abono salarial e outros gastos

Pedro Menezes

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A política de valorização do salário mínimo, nos moldes praticados pelos últimos governos, quebrou o Brasil e não é uma opção futura. Afinal, grande parte do orçamento federal está vinculado ao valor do mínimo. Se o salário mínimo cresce mais rápido que o Produto Interno Bruto (PIB) e muitos gastos são vinculados ao salário mínimo, esses gastos vão crescer mais rápido que o PIB. Lógica básica.

Foram muitos os que apontaram o problema nas últimas duas décadas. Nossa demora para reparar esse erro tem alto custo. Estamos pagando até hoje. O governo só quebrou nos últimos anos porque aquela política era insustentável.

Escrevo sobre isso porque se trata de um ponto pouco contado desta história, mas fundamental para entender o que ocorreu com a economia brasileira. Sem mais delongas, vamos ao que interessa.

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Desequilíbrio antigo: contas públicas no século 21

O gráfico abaixo é cristalino: neste século XXI, as receitas do governo andaram de lado como porcentagem do PIB, enquanto as despesas cresceram continuamente. Crescer como porcentagem do PIB, vale ressaltar, é mais do que crescer: é aumentar mais rápido do que o tamanho do bolso brasileiro. 

A receita andou de lado, em suma, porque não houve grande aumento da carga tributária durante o período. O último presidente a aumentar impostos significativamente foi FHC, no segundo mandato.

Lula, como se sabe, foi capaz de entregar superávits e reduzir a dívida pública. Apesar de não aumentar impostos, o petista contou com bons ventos internacionais que ajudaram temporariamente a relação receita/PIB.

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Sob Dilma, o boom de commodities acabou e, como se diz no mercado financeiro, a maré baixa revelou quem nadava pelado, como o Brasil. Em 2015, a bomba estourou. Muitos acreditam que a crise começou ali, mas o gráfico é claro: o descompasso entre receitas e despesas começou bem antes da nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. É estrutural e, por isso, exige solução profunda.

Em 2005, o próprio governo petista reconhecia esse problema e mobilizava esforços por uma solução. Naquele tempo, o governo Lula planejava cortes profundos no orçamento, um ajuste de longo prazo. Aí veio o mensalão, uma reeleição complicada, Palocci caiu e a recém-poderosa Dilma Rousseff descartou o projeto. Em famosa entrevista ao Estadão, então ministra-chefe da Casa Civil chamou o plano de “rudimentar”. “Gasto é vida”, disse. Dilma ainda não sabia, mas aquela bomba estouraria no colo dela.

Por que as despesas crescem estruturalmente mais que o PIB?

É importante entender de onde veio o aumento das despesas. E é bem fácil entender, porque 3 linhas do orçamento explicam quase tudo. O gráfico abaixo mostra que os gastos com BPC, Abono Salarial e RGPS cresceram bastante como porcentagem PIB; o resto do orçamento pouco mudou.

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O gráfico a seguir mostra a mesma situação de outra forma.

Em 2001, o governo gastou 15,63%. Em 2018, o gasto total cresceu para 19,80% do PIB. Um aumento total de 4,17 pontos percentuais.

No mesmo período, as despesas com BPC, Abono Salarial e RGPS cresceram de 6,15% para 10,2%. Cresceu 4,05 pontos percentuais. O leitor pode fazer as contas: de cada 100 reais do aumento de gastos, cerca de 97 financiaram essas três linhas do orçamento.

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Não foram os privilégios que causaram o crescimento dos gastos nesse período. Nenhum dos três programas é focado em juízes e políticos. Os beneficiários são pobres – e isso mostra um dilema do ajuste: se bastasse cortar privilégios, seria bem fácil aprovar.

Ok, os gastos cresceram por causa desses três programas. Falta uma pergunta fundamental: por que?

Por que os gastos com BPC, Abono e RGPS cresceram tão rápido

O BPC, Benefício de Prestação Continuada, paga um salário mínimo a quem está inscrito no programa. O Abono Salarial tem o mínimo como teto. Já o RGPS, o Regime Geral de Previdência Social, tem a maioria das suas aposentadorias e pensões vinculadas diretamente ao salário mínimo. Quando o mínimo cresce, os gastos com esses três programas vão junto.

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Afinal, como variaram PIB, PIB per capita e salário mínimo no Brasil do século 21?

Neste século, o salário mínimo real mais do que dobrou, enquanto o PIB cresceu cerca de 50% e o PIB per capita variou mais ou menos 25%. Como consequência, os gastos vinculados ao salário mínimo – BPC, Abono, RGPS e outros – também cresceram mais que o PIB. Bem mais, como vimos.

No caso do BPC e do RGPS, há inclusive um problema adicional: esses programas são, por natureza, vinculados ao número de idosos na população, que também cresce mais rápido que o PIB.

Como esse problema influencia nossas escolhas futuras

Nas próximas décadas, esta combinação explosiva precisa ser desfeita. Ou isso, ou o Brasil quebra. Politicamente, será muito difícil.

Se o salário mínimo seguir crescendo, é preciso desvincular o orçamento. Isto é, a reforma da previdência precisa estabelecer valores de aposentadoria, pensão, BPC e abono menores do que o salário mínimo. A maioria dos congressistas parece considerar que benefícios menores que o mínimo são algum tipo de atentado aos direitos humanos. Mas se a política de valorização prosseguir sem desvinculação, as contas públicas continuarão em frangalhos.

A única outra opção é conter o crescimento do salário mínimo para que as vinculações não inviabilizem o orçamento. Quer dizer, até existe uma terceira opção: quebrar.

O Brasil conhece bem a última opção. Nossa hiperinflação foi causada por um descontrole nos gastos seguidamente empurrado com a barriga. Foi nossa escolha no passado. Deu errado. No fim das contas, o salário mínimo foi corroído pela inflação e chegou à Nova República num piso histórico.

Os populistas querem dar uma banana para a restrição fiscal, dizer que é tudo papo de rentista neoliberal, manter vinculações e seguir aumentando o mínimo acima do PIB. Papo de país fracassado. Se o Brasil ambiciona seriedade, pode até adotar as políticas que sua população prefere, mas não pode ignorar as restrições e custos relevantes. As restrições estão aí, o jeito é discutir o que fazer com elas.

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Pedro Menezes

Pedro Menezes é fundador e editor do Instituto Mercado Popular, um grupo de pesquisadores focado em políticas públicas e desigualdade social.