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Desde o impeachment, o setor aéreo passou por mudanças regulatórias importantes com o intuito de baratear as passagens aéreas e expandir o acesso a este serviço. A mais marcante delas foi a possibilidade de cobrança pelo despacho de bagagens, iniciada em dezembro de 2016. Outras também ocorreram, como a abertura do setor a companhias com 100% de capital estrangeiro.
O problema é que, de lá para cá, as passagens encareceram. Em 2019, particularmente, o aumento foi doloroso. O gráfico abaixo mostra o preço médio das passagens vendidas em cada ano, já corrigida pela inflação. Os números são da Agência Nacional de Aviação Civil.
Isso quer dizer que as mudanças regulatórias deram errado? A cobrança de bagagem encareceu a passagem? Muita gente pensa assim. Alguns deputados, como Joice Hasselmann e Celso Russomanno, defendem publicamente o fim da taxa de despacho. Eles defendem que, se o preço da passagem aumentou, as mudanças regulatórias fracassaram em suas promessas.
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Evidentemente, esse raciocínio não faz sentido. Só seria válido se ignorássemos todos os outros determinantes do preço final das passagens aéreas. Essa questão regulatória não é tão importante quanto o dólar, petróleo e fatores de mercado
Como pretendo argumentar neste texto, as passagens encareceriam nos últimos anos mesmo se não houvesse mudança regulatória. Na verdade, o melhor estudo acadêmico realizado sobre o assunto – esta dissertação de mestrado em economia, apresentada por Bruno Rezende na FGV carioca – indica que a cobrança de bagagens levou ao barateamento das passagens.
Se a cobrança de bagagens é pouco relevante e barateia as passagens, então o que é relevante e pode encarecer as passagens?
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Dólar, petróleo e fatores de mercado (oferta/demanda).
Segundo a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (ABEAR), os dois maiores custos de uma viagem aérea são, sem surpresa, com aviões e querosene de aviação. Em todos os anos de 2002 a 2015, o arrendamento das aeronaves e a compra de combustível corresponderam a mais de 50% dos custos das companhias operando no Brasil. O resto se divide entre tarifas, tripulação, despesas operacionais e administrativas.
Em geral, os contratos de arrendamento dos aviões estão vinculados ao dólar. No caso de voos com origem ou destino no exterior, tarifas, tripulação e muitas despesas operacionais são efetuadas em moeda estrangeira. Um segundo determinante importante dos preços de passagem é o petróleo, insumo essencial para o combustível do avião.
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Na sua página sobre a formação preços de passagens aéreas, o primeiro fator listado pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) é justamente “a evolução dos custos, que, no caso do transporte aéreo, são severamente afetados pelo preço do barril de petróleo e pela taxa de câmbio (Dólar/Real)”.
Além do dólar e petróleo, que afetam a estrutura de custos das empresas, há também os fatores de mercado: a oferta (quantidade de empresas operando cada rota, capacidade dos aeroportos do país) e a demanda (crescimento da economia, etc).
Por que as passagens encareceram nos últimos anos?
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Mesmo que nenhuma mudança tivesse ocorrido na cobrança por bagagens, as passagens teriam ficado mais caras. Por que escrevo isso? Simples: petróleo, dólar e oferta/demanda tiveram trajetórias que contribuíram para o encarecimento das viagens aéreas.
No caso do petróleo, a cotação do barril (Brent) saiu de U$ 50 no mês de implementação da cobrança de bagagens e superou U$ 85 ao longo de 2018. Depois, houve uma redução no preço que dura até os dias atuais. Apesar desta redução, o petróleo esteve mais caro durante praticamente todo o período posterior à cobrança de bagagens.
O dólar, por sua vez, saiu de R$ 3,40 para R$ 4,50 desde então. Esse movimento é grave pois anula os ganhos que seriam possíveis com a queda do petróleo a partir de 2018. Não é a primeira vez isso ocorre: entre 2014 e 2016, o petróleo derreteu, com o barril caindo de U$ 114 para U$ 26. No mesmo período, porém, o dólar mais do que dobrou, o que – segundo a ABEAR – anulou inteiramente os ganhos que seriam possíveis com a queda no preço do petróleo. Como se não bastasse, a crise econômica abateu significativamente a demanda por passagens.
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Por fim, as condições de mercado não ajudam. O gráfico abaixo mostra a oferta (quantidade de passagens ofertadas) e demanda (quantidade de passagens efetivamente compradas) por passagens aéreas no Brasil. Dois fatos se destacam: a demanda já superou o nível pré-crise, mas a oferta ainda patina; e, recentemente, a oferta foi severamente afetada pelo fechamento da Avianca.
Esse último fato tem relação direta com a elevação dos preços em 2019. Em rotas movimentadas, até é possível realocar os passageiros em companhias que seguem no mercado. Noutras, com menos concorrentes, a saída da Avianca gera um forte impacto que é sentido nos preços.
Com dólar e petróleo em alta, além das restrições no lado da oferta, a tendência esperada para o preço das passagens já seria de alta, mesmo sem as mudanças regulatórias recentes.
Na já citada dissertação de mestrado apresentada à EPGE-FGV, todos esses fatores entram no modelo estimado pelo autor. Assim, é possível estimar a contribuição de cada um para a evolução dos preços de passagem. E o resultado indica justamente que a cobrança de bagagens ajudou a baratear as passagens, a despeito do preço ter aumentado durante o período.
O que o governo pode fazer para baratear as passagens?
A análise acima já coloca três variáveis que podem sofrer intervenção do governo: câmbio, preço do querosene e fatores de oferta/demanda.
Não é desejável, porém, que a política cambial do Banco Central tenha como norte o barateamento das passagens. Até porque, como escrevi num dos últimos textos para a InfoMoney, o cumprimento da meta de inflação seria prejudicado por uma política de valorização artificial do real.
Da mesma forma, intervir no querosene de aviação também não é uma boa ideia. Controles de preço contradiriam diretamente a suposta orientação liberal do governo. As últimas políticas de intervenção em combustíveis, durante a gestão de Dilma, foram desastrosas para o país.
Inclusive o atual governo erra ao tentar gerir essa variável. Com o intuito de baratear passagens, o ministro Tarcísio Freitas tem se esforçado para reduzir o ICMS do querosene de aviação. Ter uma política tributária exclusivamente para o setor aéreo é outra ideia que evoca equívocos de Dilma, pródiga em isenções fiscais.
A melhor alternativa disponível parece estar na capacidade de oferta do setor. Mesmo quando realizada com dinheiro privado, a construção de aeroportos passa pelo Estado e pode ser incentivada. Tarcísio ocuparia melhor o seu tempo se pensasse em novas formas de concessão, ao invés de se preocupar com o ICMS dos governadores.
Da mesma forma, a concorrência no setor é afetada pela regulação, que também é atribuição do Estado brasileiro. A adoção de regulações que incentivem a entrada de novas empresas no país é importante – e a cobrança de bagagens, bem como a abertura ao capital estrangeiro, são políticas neste sentido.
É verdade: nos últimos meses, a concentração do setor aéreo aumentou. Mas a cobrança de bagagens é culpada? Difícil argumentar neste sentido. Por outro lado, mudanças regulatórias pró-competição podem demorar até que seu efeito total apareça.
Diversas empresas estrangeiras tem manifestado interesse pelo mercado brasileiro. Precisamos aguardar até que esses agentes sintam a confiança para investir no país – voltar ao tema do despacho de bagagens, poucos anos depois de uma mudança importante, não ajuda na atração dos pretendentes.
Como podemos esperar que a cobrança de bagagens determine bilhões de dólares em investimentos se, em Brasília, ainda há gente importante tentando reverter a medida? Joice, Russomano e outros deputados dizem estar preocupados com a falta de novas ofertantes interessadas em operar no Brasil, mas contribuem para um cenário de insegurança regulatória que prejudica principalmente o consumidor.
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