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Há poucos dias, um amigo começou um curso de pós-graduação numa excelente universidade americana. Seus colegas, como o leitor deve imaginar, são pessoas muito bem informadas e escolarizadas. E mais: dado o tema do curso, a maioria dificilmente pode ser encaixada à esquerda do espectro político.
Numa das primeiras aulas, uma atividade de integração exigia que os alunos de cada nacionalidade contassem um pouco sobre o próprio país. “Todos me perguntaram a mesma coisa: eles acham que o Brasil está numa ditadura”, contou meu amigo em tom assustado. E seguiu com o alerta “você não imagina a imagem que o Brasil passa por aqui”.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, Bolsonaro discursava durante seis minutos no Fórum Econômico Mundial. Em Davos, o presidente falou superficialmente sobre corrupção, meio ambiente, turismo e economia.
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Bolsonaro não errou, como bem lembram seus apoiadores. Se a oposição previa uma piada internacional, o presidente não deu espaços para isso.
A crítica mais justa que se pode fazer ao discurso está no tom pouco inspirador. Bolsonaro posou ao lado de um livro de Churchill após vencer a eleição, mas falou em Davos com uma tática digna de Celso Roth, com três zagueiros e três cabeças de área. Preferiu evitar a vergonha e, por isso, perdeu uma oportunidade de ouro.
É aí que lembro do meu amigo e dos seus colegas. Um discurso em Davos não é suficiente para atrair investimentos ao Brasil. Ninguém gasta bilhões de dólares apenas observando palavras. A abertura do Fórum Econômico Mundial, palco inédito para um presidente brasileiro, era principalmente uma oportunidade de ganhar manchetes e dialogar com o mesmo público que perguntou ao meu amigo se o Brasil está entrando numa ditadura. Investimentos dependerão das decisões de Paulo Guedes e do Congresso. A fala em Davos era uma oportunidade para dialogar com o público consumidor de notícias do tipo: estrangeiros altamente escolarizados e informados.
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Eu e você, leitor, sabemos que o Brasil tem uma democracia imperfeita, repleta de corrupção, ineficiência e até de violações aos direitos humanos, o que é bem diferente de uma ditadura.
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Se há uma falsa imagem sobre nosso país entre estrangeiros que estudam nas melhores universidades americanas, e Bolsonaro teve uma oportunidade única de se comunicar com esse público, cabe lamentar o estilo cauteloso do presidente.
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Havia muito a ser dito: a imprensa brasileira pode escrever o que quiser, sem medo de polícias secretas ligadas ao governo; a oposição pode disputar eleições livremente e só não tem mais cadeiras no Congresso por falta de votos; Judiciário e Legislativo podem contrariar o Executivo sem medo. Em suma, há democracia no brasil. O fascismo, ao menos até o presente momento, reside apenas nos discursos da oposição.
Alguém poderia argumentar que trazer atenção ao assunto poderia prejudicar o presidente. Mas já há muita atenção voltada à saúde da democracia brasileira. O papel de um bom escritor de discursos está justamente nesse tipo de cuidado. Sabendo que participaria de Davos há meses, Bolsonaro tinha a obrigação de se preparar melhor.
Poucas horas depois do discurso, um artigo de Martin Wolf no Financial Times ilustra a ascensão de populistas autoritários pelo mundo com uma foto de Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo. Foi publicado no nada comunista Financial Times e assinado por um dos formadores de opinião mais respeitados do mundo. Ou Bolsonaro está confortável com essa imagem, ou ele perdeu uma oportunidade de ouro.