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Após o discurso do presidente Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro, a tensão institucional em Brasília cresceu a níveis sem precedentes nos últimos 50 anos.
A retórica do presidente é virulenta e a repulsa que ela gera em muitos brasileiros é compreensível. A análise da situação à luz das circunstâncias que concorreram para a eleição de Bolsonaro em 2018 permite, em nosso entendimento, um diagnóstico menos acalorado, e fornece pistas importantes sobre o que entendemos ser necessário para contarmos com um mínimo de estabilidade à frente.
Bolsonaro foi eleito na ressaca da maior recessão já vivida pelo país, resultado da política econômica desastrosa do governo Dilma, e dos efeitos econômicos da exposição do maior esquema de corrupção conhecido no mundo Ocidental, amplamente documentado nos processos da operação Lava Jato; e o sentimento, em meio à população, da impunidade dos políticos, protegidos pelo instituto do foro privilegiado, junto ao Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro capturou a imaginação do eleitor, galvanizou suas esperanças de alguma forma mudar esse estado de coisas, e se elegeu.
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Como presidente, não atuou de forma eficaz para obter progressos nas frentes que foram responsáveis por sua eleição. Ele poderia, por exemplo, ter trabalhado numa reforma política que envolvesse a extinção do foro privilegiado.
A PEC 333/2017, que o restringe aos presidentes de poderes, fora aprovada no Senado ainda no governo Temer, mas jamais avançou na Câmara dos Deputados, e nem contou com qualquer apoio do presidente para seu progresso.
Seu antagonismo ao Judiciário, Poder que tem cometido inúmeros excessos, se limita a bravatas e ofensas pessoais a alguns de seus integrantes, e não contribui para corrigir o evidente desequilíbrio existente entre os poderes no Brasil de hoje, resultado do mecanismo de checks and balances defeituoso instituído pela Constituição de 1988, que já exploramos em artigo anterior.
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As manifestações do Dia da Independência foram gigantescas e pacíficas. Muito além de revelar simples apoio ao presidente, elas tornaram cristalino o fato de que existe uma parcela enorme da população que simplesmente não tolera, de um lado, a continuidade dos evidentes abusos por parte de um poder constituído – que incluem, mas não se limitam, à reabilitação eleitoral do ex-presidente Lula e à prisão de diversas pessoas – inclusive de parlamentares, com imunidade inviolável, sem o devido processo legal – e de outro, a perspectiva concreta da volta do PT ao poder, poucos anos depois de todo o rastro de desemprego, espoliação de recursos e impunidade com que o partido fustigou o país.
O nível elevado de tensão política, caso não seja rapidamente revertido, deverá levar ao aumento da incerteza econômica e a queda da confiança dos agentes, abortando a recuperação em curso e provavelmente levando a economia do país à estagnação ou mesmo à recessão em 2022.
Nessa dinâmica, os preços dos ativos, incluindo a Bolsa e a taxa de câmbio, seguirão se depreciando. A inflação seguirá elevada e a taxa de juros precisaria continuar subindo para limitar a piora das expectativas de inflação.
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Nessas circunstâncias, a popularidade do presidente seguiria caindo e poderia viabilizar seu afastamento – que, se hoje já é desejado por parte do establishment político e econômico, não reúne ainda condições objetivas para sua materialização.
Se o eventual afastamento do presidente propiciaria, não antes de observarmos mais um duro período de turbulência política e econômica no interstício que levaria à sua viabilização, algum alívio de curto prazo, esse evento, por si só , não será capaz de oferecer a perspectiva de um período de estabilidade e crescimento à frente.
A insatisfação e a revolta demonstradas pela população no dia 7 de setembro não irão desaparecer com o eventual impeachment do Presidente da República, pois as chagas que levaram à eleição de Bolsonaro são profundas e ainda estariam lá, abertas e bem nítidas.
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A sociedade precisa encarar, de uma vez por todas, o dificílimo encontro com a realidade necessário para que o país volte a gozar de mínima estabilidade – que incluem, mas não se limitam a – o fim do foro privilegiado, a prisão em segunda instância, a limitação do mandato dos ministros do STF a dez anos e à instituição do voto distrital para deputado federal.
Caso contrário, poderemos viver um período de instabilidade política que poderá ser relativamente longo.
Sem uma reforma política profunda, as disfuncionalidades que o país exibe se agravarão, inviabilizando o avanço das reformas econômicas, acelerando a desagregação social, a pobreza, e criando condições crescentemente propícias a uma ruptura de fato, que poderia nos colocar na rota do verdadeiro autoritarismo.