Nos Estados Unidos, gasolina sobre braseiro

Com controle do Senado exercido pelo Partido Democrata, expectativa é por mais gastos, que devem elevar preços de commodities e ações, intensificar abertura e inclinação das curvas de juros e levar a um aumento da inflação

Pedro Jobim

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(Getty Images)
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Na maioria dos países desenvolvidos, o processo de vacinação está ganhando corpo, devendo se acelerar ao longo das próximas semanas. A maior parte dos imunizantes utilizados nestes países tem alta eficácia, sendo muito provável que sejam também eficazes contra as diferentes variantes do vírus que têm surgido nas últimas semanas.

Desta forma, ainda que medidas restritivas, especialmente na Europa, tenham sido temporariamente ampliadas, tendo em vista a piora em alguns indicadores da doença, o progresso da vacinação no hemisfério norte deverá ser suficiente para manter a perspectiva de breve reabertura das economias centrais, a partir do segundo trimestre.

As políticas de demanda – fiscal e monetária – estão, no momento , calibradas para apoiar esta recuperação. Esta combinação gera um prognóstico de intensa reaceleração da atividade econômica global para 2021, positivo para preços de commodities e ativos de risco como um todo.

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Este cenário de “reflation” foi turbinado, nos últimos dias, por um fato novo. A vitória dos candidatos democratas nas eleições de segundo turno para o Senado, no estado norte-americano da Geórgia, igualou em 50 a 50 o número de senadores de cada partido, na legislatura que se inicia, dando, assim, ao partido democrata, o controle da casa, através do voto de desempate, garantido pela futura Vice-Presidente Kamala Harris.

Deste modo, a partir de 20 de janeiro próximo, o Partido Democrata, que manteve a maioria dos assentos na câmara dos representantes, terá o controle do executivo e das duas casas do congresso.

O controle do senado exercido pelo Partido Democrata será precário. Mas, pelas regras atuais, mesmo essa maioria mínima pode ser suficiente para a aprovação de aumentos de gastos e impostos, no processo anual conhecido por “reconciliação do orçamento”.

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O governo Biden e o congresso deverão focar seus esforços, neste primeiro ano, em aumentos de gastos. É muito provável que, já nos primeiros dias de governo, um novo pacote de despesas públicas, que deverá incluir, entre outros itens, ajuda a estados e municípios, e às famílias – este último, no valor de US$ 2,000 por mês – seja aprovado por ambas as casas do parlamento. Um projeto de lei com este provisionamento já foi aprovado pela câmara, no final de 2020.

Mesmo com o apoio do atual presidente, o projeto não avançou no Senado, que contava com maioria republicana. O gasto fiscal adicional – que, estimamos , deverá ser da ordem de pelo menos US$ 700 bilhões , ou em torno de 4% do PIB dos EUA – deverá tornar o cenário global ainda mais afervorado.

A verdade é que a economia norte americana não precisa de “estímulos”. Sem qualquer novo pacote de ajuda , e assumindo o cenário central de vacinação e reabertura progressiva dos serviços a partir do segundo trimestre , o PIB dos EUA deve crescer em torno de 5% em 2021.

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Mais da metade dos 21 milhões de empregos perdidos na esteira da epidemia já foram recuperados, sendo que quase a totalidade dos restantes estão associados a setores de serviços afetados diretamente pela pandemia, que serão recuperados ao longo do processo de abertura.

Nesse contexto, a taxa de desemprego, já tendo recuado de um máximo de 14,8% para 6,7% , deverá encerrar 2021 em 5,0%. O investimento residencial e em equipamentos, impelidos pelo nível extremamente estimulativo das taxas de juros e pelos baixos prêmios de risco de crédito, crescerá acima de 10%.

O novo volume de gasto público se somará a uma poupança das famílias engordada por transferências que já haviam a elevado, em novembro de 2020, ao patamar de 13% da renda disponível – o dobro do observado no período pré-pandemia.

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Com o novo auxílio, a poupança crescerá ainda mais a partir deste nível. Esta combinação acelerará o consumo das famílias a um ritmo desnecessariamente frenético, podendo fazer com que o crescimento do PIB se aproxime de 7% neste ano (contra 5% , na ausência de novos gastos).

A maioria republicana no Senado seria o único mecanismo capaz de frear a obsessão do partido democrata pela criação de programas de gastos de todo tipo, sob a alegação de necessidade de “estímulo” à economia.

O resultado desse voluntarismo monotônico, no atual contexto econômico global, está claro: aumento ainda mais intenso e rápido dos preços de commodities e ações; intensificação da abertura e da inclinação das curvas de juros; e aumento da inflação.

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Os economistas que em breve serão os responsáveis pela política econômica do governo dos EUA não acreditam no retorno da inflação, e entendem que o nível da taxa de juros, naquela economia, será sempre baixo, independentemente da magnitude do gasto e da dívida públicas. Os próximos dois anos revelarão o veredito.

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Pedro Jobim

É sócio-fundador da Legacy Capital. Atua no mercado financeiro desde 2002, tendo sido economista-chefe do banco Itau BBA e da tesouraria do banco Santander. É engenheiro mecânico-aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), mestre em economia pela PUC-Rio e Ph.D em economia pela Universidade de Chicago.