Mercado de trabalho: consequências da retomada para a política monetária

A discrepância observada nas três principais fontes de dados de mercado de trabalho no Brasil levanta dúvidas sobre a magnitude da desaceleração da ocupação e qual seria a fotografia mais próxima à realidade da economia brasileira

Pedro Jobim Leonardo De Paoli

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Carteira de trabalho (Foto: Wikimedia Commons)
Carteira de trabalho (Foto: Wikimedia Commons)

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As restrições à mobilidade geradas pela pandemia tiveram efeito negativo expressivo sobre a demanda agregada, refletida, dentre outras variáveis econômicas, na deterioração acelerada do mercado de trabalho.

No entanto, a discrepância observada nas três principais fontes de dados de mercado de trabalho (PNAD Contínua e PNAD Covid, ambas divulgadas pelo IBGE, e o Caged, divulgado pelo Ministério da Economia) levantou dúvidas sobre a magnitude da desaceleração da ocupação, e qual seria a fotografia mais próxima à realidade da economia brasileira.

Historicamente, o dado utilizado como referência na análise da evolução do mercado de trabalho brasileiro é a PNAD Contínua, que sempre utilizou em sua metodologia entrevistas presenciais nos domicílios.

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Com a pandemia, a pesquisa precisou alterar seu método de coleta de dados, recorrendo a entrevistas telefônicas. Isso abre margem para problemas amostrais (famílias que não possuem telefones ou que se recusam a atender, por exemplo) que potencialmente enviesam seus resultados.

Ao compararmos a evolução dos dados da pesquisa nos períodos pré e pós pandemia, observamos diversas inconsistências, como, por exemplo, uma súbita (e intensa) aceleração na PIA (população em idade ativa), movimento incompatível com a lenta evolução da demografia brasileira.

Uma simples comparação no período da pandemia entre a PIA divulgada e uma PIA hipotética, atualizada, a partir do início da pandemia, pela expectativa de crescimento populacional do próprio IBGE, revela uma superestimação da PIA próxima a 4 milhões de pessoas.

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Outra inconsistência que chama a atenção é a discrepância entre a população ocupada com carteira assinada nos dados da PNAD Contínua e do Caged. A PNAD Contínua revela uma queda de quase 15% do número de empregados com carteira assinada no pior momento da crise, ao passo que o Caged apresenta queda de pouco mais de 5% no mesmo período.

Diante dos problemas observados na PNAD Contínua durante a pandemia, é natural questionar também a validade dos dados observados no Caged.

Entendemos que, por se tratar de um registro de contratações e demissões de funcionários com carteira assinada, e que, por isso, tende a ser menos afetado por problemas em seu processo de coleta de dados, nos parece razoável inferir que este representa de forma mais fidedigna o comportamento do mercado de trabalho formal no Brasil.

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A consistência entre os dados de demissões do Caged com o número de pedidos de seguro-desemprego (uma estatística compilada de forma independente do Caged) nesse período de pandemia corrobora a leitura de maior aderência do Caged à evolução das estatísticas de emprego formal.

As demais categorias de ocupação (informal e setor público) não apresentaram diferenças significativas quando comparamos os dados da PNAD Contínua com os da PNAD Covid.

A taxa de desemprego (ajustada à taxa de participação histórica no mercado de trabalho – 61,4%) de acordo com a PNAD contínua de novembro era de 21%. A simples substituição dos dados de ocupação com carteira assinada da PNAD Contínua pelos dados do Caged reduziria esta taxa para perto de 15%, o que sugere um mercado de trabalho consideravelmente mais apertado do que o sugerido pelos dados do IBGE.

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Esta observação, se confirmada, teria importantes implicações: adentrar-se-ia o ano de 2021 com um nível de massa salarial superior ao estimado, e, possivelmente, com uma taxa de poupança das famílias também maior do que a imaginada, uma vez que a contribuição da renda do trabalho à mesma teria sido, também, maior, ao longo do ano.

Ainda que o ritmo de recuperação no início de 2021 tenha sido prejudicado por paralisações pontuais causadas pela reaceleração temporária dos casos de Covid, o início do processo de vacinação e a expectativa de uma maior disponibilidade de doses mais à frente mantêm a perspectiva de reabertura acelerada da economia a partir do 2º trimestre.

Além disso, com o mercado de trabalho possivelmente mais aquecido e a poupança das famílias mais elevada do que os dados oficiais sugerem, o fim do pagamento de auxílios governamentais teria um efeito consideravelmente menor do que o originalmente previsto, reforçando a convicção com respeito à nossa projeção de 4% para o crescimento do PIB em 2021.

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O mais importante aspecto desta discussão, contudo, está em suas consequências para a política monetária.

Com efeito, a hipótese de a economia estar operando com um mercado de trabalho mais apertado do que o sugerido pelos dados do IBGE é consistente com a aceleração observada nos núcleos de inflação, cuja média, na métrica dessazonalizada e em média móvel de três meses, se eleva desde o início do segundo semestre de 2020 e girava, em dezembro último, no patamar de 6%, nível bastante acima da meta de inflação.

A mesma observação cabe ao núcleo de serviços, que também acelerou no mesmo período, encontrando-se em nível próximo a 4%, na mesma métrica.

Os vetores a que se atribuem mais comumente maior peso na explicação dessa dinâmica são o auxílio emergencial às famílias, distribuído entre abril e dezembro de 2020, e a combinação entre a depreciação cambial e o aumento de preços de commodities, que se intensificou no 2º semestre de 2020.

O possível maior aperto do mercado de trabalho oferece uma explicação complementar para a evidente aceleração da inflação, que vem sendo frequentemente minorada pela maioria dos analistas, por alegadamente ser provocada, principalmente, por fenômenos de natureza temporária.

O diagnóstico que emerge da análise aqui discutida sugere que a contribuição de vetores mais orgânicos na aceleração da inflação é maior do que pode parecer à primeira vista.

Considerando, adicionalmente, o cenário de reflation global, a aceleração recente dos preços das commodities em reais e os riscos fiscais, que, sendo de certa forma permanentes na economia brasileira, requerem uma condução mais conservadora da política monetária, o balanço de riscos para a inflação já se encontra, na nossa avaliação, com uma assimetria altista muito maior do que seria considerado prudente, tendo em vista, ainda, o nível exageradamente estimulativo da atual taxa de juros.

Nesse cenário, visando a manutenção da credibilidade na condução de política monetária, e, sobretudo, o controle das expectativas de inflação de médio prazo, acreditamos que o Banco Central optará por iniciar o processo de normalização do grau de estímulo da política monetária na reunião de março, a um ritmo inicial de 50BP.

*Leonardo De Paoli é sócio e Economista da Legacy Capital. Atua no mercado financeiro desde 2012, tendo passagens pela SPX Capital e Bradesco Asset Management. De Paoli é bacharel e mestre em economia pela PUC-Rio.

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Pedro Jobim

É sócio-fundador da Legacy Capital. Atua no mercado financeiro desde 2002, tendo sido economista-chefe do banco Itau BBA e da tesouraria do banco Santander. É engenheiro mecânico-aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), mestre em economia pela PUC-Rio e Ph.D em economia pela Universidade de Chicago.

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Leonardo De Paoli

Sócio e Economista da Legacy Capital. Atua no mercado financeiro desde 2012, tendo passagens pela SPX Capital e Bradesco Asset Management. De Paoli é bacharel e mestre em economia pela PUC-Rio