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A maioria dos comentaristas da cena nacional tende a atribuir a maior parte da responsabilidade dos resultados econômicos do país às opções de políticas de demanda e demais iniciativas do Poder Executivo.
Por conseguinte, inclinam-se também a considerar o resultado da eleição presidencial como fator determinante para o cenário do quadriênio subsequente.
Preços de ativos financeiros de fato reagem rapidamente aos ciclos econômicos e políticos e também ao noticiário. Portanto, parte desse foco é justificado.
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Sob uma perspectiva mais longa, no entanto, a inflexão na taxa de crescimento da renda per capita do Brasil é visível a partir de 1980, como mostra o gráfico abaixo, que está em escala logaritmica. O ritmo médio passa de 3,8%, de 1918 até 1980, a 0,7% a partir daí até 2020.
Fonte: Ipeadata
O baixo crescimento da economia a partir de 1980, de tão longevo, tem explicações imediatas já bastante maturadas.
Uma boa síntese dessas razões, que incluem a elevada carga tributária, os crescentes gastos públicos, o gigantismo do estado, a baixa qualidade dos serviços de educação e a insegurança jurídica, pode ser encontrada no ótimo livro de Marcos Mendes, “Por que o Brasil Cresce Pouco”.
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As reformas que poderiam, teoricamente, elevar a taxa de crescimento passam, tautologicamente, pela adequação de cada um dos fatores elencados a formatos e/ou patamares compatíveis com maior crescimento.
O diagnóstico dos problemas e os antídotos prescritos são há muito conhecidos. No entanto, os progressos, ao longo dos últimos anos, têm sido mínimos.
A evidente dificuldade no avanço das reformas está relacionada, em meu entendimento, principalmente ao elevado grau de patrimonialismo na sociedade brasileira e à captura do Estado por grupos de interesse, como explico neste artigo¹.
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Como também argumentei anteriormente, por exemplo, nestas colunas, tais reformas provavelmente não ocorrerão, ou ocorrerão a um ritmo muito lento, se não forem antecedidas por uma ampla reforma política, que, no mínimo, institua o voto distrital, retome a representação proporcional na Câmara dos Deputados, extinga o foro privilegiado e limite a duração do mandato dos ministros do STF.
Como uma alteração profunda desse tipo, que pretenda recalibrar a autoridade relativa dos poderes (hoje distorcida em favor do Judiciário) e lhes restituir a independência de fato, é praticamente impossível de ser realizada de forma pacífica, o corolário aparentemente inescapável é que permaneceremos na situação atual de baixo crescimento a perder de vista.
As circunstâncias das eleições de 2022 e seu provável resultado, visto de hoje, contribuem na direção da confirmação dessa tese.
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É inegável que o governo atual cometeu inúmeros erros e tem, nos últimos meses, escancarado sua face populista, patrocinando de forma míope e irresponsável desonerações fiscais com o único objetivo de reduzir a inflação corrente.
Gozando de baixa popularidade e elevada rejeição, o resultado natural em uma democracia seria sua derrota nas urnas, a despeito de suas ações eleitoreiras.
Se tivesse sido mantida a inabilitação eleitoral do ex-presidente Lula — resultado de sua condenação por mais de um crime, confirmada por múltiplos tribunais, e depois anulada —, o cenário eleitoral provavelmente convergiria para a vitória de um terceiro candidato, o que poderia dar ao país alguma chance de avançar.
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Ainda que a reforma política e as demais permanecessem, nesse caso, difíceis e distantes, haveria esperança de dias melhores.
Esse seria o curso provável dos acontecimentos em uma República que fosse dotada de princípios mínimos de governança.
No entanto, a disfuncionalidade do Estado concorreu para impor a escolha, por parte de uma população cada vez mais empobrecida e vulnerável, entre dois modelos populistas, defensores da intervenção estatal na economia, da concessão de subsídios e de programas estatais de gastos e investimentos públicos.
São estratégias que se provaram incapazes de induzir crescimento sustentado da renda nacional, além de, comprovadamente, terem potencializado um episódio de espoliação de recursos públicos em larga escala, que deixou um rastro de recessão e impunidade cujos efeitos, sentidos até hoje, seguirão repercutindo nos próximos anos.
O cenário macroeconômico aponta para um ano de 2022 com inflação elevada — de pelo menos 6%, juros médios em torno de 12% e provável contração econômica. Essa combinação deve elevar a dívida bruta para mais de 85% do PIB na entrada do próximo quadriênio.
A capacidade de crescimento do país, após a multiplicidade de choques recentes e ante o avanço do envelhecimento da população e a recorrente baixa produtividade tornou-se uma completa incógnita.
Sob essas condições, a convergência da dívida pública dependerá, simultaneamente, de um choque de pelo menos 2% do PIB em impostos adicionais e da observância ao teto de gastos ou a outro marco fiscal que garanta, ao menos, a estabilidade dos gastos públicos como proporção do PIB.
Essas não são opções de política fiscal prováveis de adoção nem pelo atual governo, caso reeleito, nem pelo ex-presidente, que, ao longo de seus dois mandatos, concedeu aumentos generosos de salários aos servidores públicos e ao salário mínimo.
Tais ações desbalancearam o sistema de Previdência Social e criaram algumas das condições iniciais da recessão que o governo desastroso de sua sucessora terminaria de formatar.
Diante desse quadro desalentador, o mais provável, portanto, é que parte dos inevitáveis aumentos de impostos vazem para as despesas, o que confirmará o abandono defintivo do teto de gastos e contribuirá para manter a inflação elevada, impedindo o Banco Central de reduzir os juros significativamente.
A combinação de juros altos, baixo crescimento e populismo é potencialmente explosiva para a dívida pública, que, nesse quadro, pode rapidamente atingir 110% do PIB.
A renda real permanecerá estagnada e a economia avançará na direção da nominalização, passando a assumir alguns contornos simulares aos da Argentina.
Salvo uma mudança não antecipada no quadro eleitoral, que elimine o atual ou o ex-presidente da disputa, não me ocorre outra situação em nossa longa história de insucessos em que a perspectiva para o país no quadriênio subsequente esteve tão dissociada do resultado da eleição, e pôde ser tão cristalinamente vista como resultante das inúmeras falhas de desenho de nosso regime político, que, imune à reforma, segue contribuindo para a ocorrência de resultados muito ruins, para além do plano econômico.
Nesse aspecto, a crescente percepção de que o crime, no Brasil de hoje, compensa, seja talvez a mais triste das constatações.
A disfuncionalidade do Estado, o patrimonialismo e o interesse das corporações parecem estar próximos a agrilhoar, em definitivo, o país ao populismo. Trata-se de uma rota que, se percorrida por tempo suficiente, torna-se irreversível.
O mercado financeiro e os empresários, em boa parte, não se preocupam como deveriam.
Embora bons negócios e empresas rentáveis possam continuar existindo nos estágios iniciais desse caminho, esses tendem a ser cada vez mais dependentes de bons relacionamentos com o grupo político populista para se manterem de pé.
E, afora o tarifaço que, com data marcada para 2023, certamente diminuirá o retorno da maior parte das empresas, estas serão progressivamente sujeitas a ainda mais impostos, uma vez que o país, como um todo, empobrecerá, e alguém terá que pagar os programas sociais que, certamente, aumentarão.
Alheios a esta realidade, muitos observadores seguem discutindo as “opções de política econômica e suas implicações” dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas.
Será que o próximo presidente vai dar um “choque de produtividade”, “dinamizar a economia” e “recolocar o país na rota do crescimento”? Sim, certamente. Com a ajuda do Papai Noel e do Coelhinho da Páscoa.
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