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O primeiro trimestre do ano no Brasil foi marcado por uma sequência de eventos adversos poucas vezes vista em espaço tão curto de tempo, tendo superado recordes recentes de natureza semelhante, mesmo em um país acostumado a surpresas desagradáveis de toda sorte como o nosso.
Num espaço de poucas semanas, tivemos a eclosão da segunda onda da pandemia, num momento em que ainda não contávamos com oferta regular de imunizantes; a demissão do Presidente da Petrobras; a desidratação da PEC fiscal; a reabilitação eleitoral do ex-presidente Lula; a intensificação de surpresas inflacionárias, que terminaram por levar o Banco Central a iniciar um ciclo de elevação de juros; e, finalmente, a eclosão do imbróglio do Orçamento de 2021, o mais atribulado e conflituoso das últimas décadas.
No difícil pano de fundo externo do início do ano, marcado pela abertura dos juros dos títulos dos EUA, os eventos acima contribuíram para deterioração significativa das perspectivas do país e dos preços de ativos domésticos.
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Passado esse momento crítico, o contexto tornou-se mais favorável. No plano externo, a abertura mais intensa das economias europeia e de países emergentes, em sequência à dos EUA, tende a favorecer a continuidade da depreciação do dólar, em oposição ao que aconteceu no primeiro trimestre, quando a economia dos EUA reabriu praticamente sozinha.
No plano doméstico, vários desenvolvimentos positivos precisam ser mencionados.
No que se refere à epidemia, ainda que o número de casos esteja avançando na maioria das regiões, as altas nas hospitalizações e fatalidades tem sido moderadas até o momento, o que provavelmente está relacionado ao fato de que cerca de 80% da população com 60 anos ou mais já recebeu pelo menos uma dose de imunizante.
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Segundo nossos cálculos, o estágio atual da vacinação no país prevê uma queda de 60% na taxa de mortalidade para cada novo caso de Covid, quando comparado a um cenário sem vacinação. Ou seja, caso venha-se a registrar dinâmica de casos similar à observada em março de 2021, pior momento da pandemia, poderemos observar menos da metade do número de novas hospitalizações e óbitos desse mesmo período.
Com a aceleração do ritmo de vacinação esperado para as próximas semanas, a queda das internações e fatalidades tende a se intensificar, contribuindo para a dinâmica de reabertura da economia.
Já as medidas restritivas à mobilidade que vêm sendo adotadas têm provocado um efeito menor do que o esperado na atividade econômica. Assim, as métricas de mobilidade vêm evoluindo muito favoravelmente e a atividade econômica tem registrado surpresas positivas sucessivas.
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No mercado de trabalho, as evidências sugerem que o CAGED tem se mostrado uma métrica mais correta da dinâmica do setor formal do que os dados da PNAD, caracterizando um quadro mais favorável do que o retratado pelos dados oficiais.
Com a ociosidade concentrada no segmento informal, que, por definição, possui maior mobilidade do que o segmento formal, parece razoável inferir que observaremos uma queda acelerada da taxa de desemprego a partir da reabertura da economia.
Todos esses pontos contribuíram para que revisássemos a projeção do crescimento do PIB para 5% em 2021, ante variação de 3,7% que contemplávamos até recentemente.
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A melhora na perspectiva para a atividade econômica tem provocado, ainda, surpresas positivas recorrentes na arrecadação de impostos, que fez com que revisássemos a expectativa de déficit primário de 3,0% para 2,0% do PIB, em 2021.
A combinação desses fatores, aliados à provável majoração do deflator do PIB em 2021, por alguns pontos percentuais, em relação ao IPCA, em função do forte aumento de preço das commodities produzidas pelo Brasil, de maior peso no PIB do que na cesta de consumo da população, deve levar a relação dívida bruta/PIB de 88%, em 2020, para um patamar próximo a 82% ao final de 2021.
A recuperação mais intensa da atividade econômica e o melhor ponto fiscal de entrada também contribuem positivamente para a dinâmica da dívida à frente, e tornam mais concreta a perspectiva de aparecimento de superávit primário já a partir de 2023.
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É inequívoco, também, o avanço recente e a melhor perspectiva na pauta de reformas macro e microeconômicas.
O Marco do Saneamento, aprovado recentemente no Congresso, permitiu, após décadas de tentativas, a privatização da CEDAE, no Rio de Janeiro. Outras empresas estaduais de saneamento, como as do Amapá e do Rio Grande do Sul, devem ser privatizadas até o final do ano, na esteira deste marco regulatório.
A Medida Provisória que viabiliza a capitalização e A alienação do controle da Eletrobras ao setor privado pela União já foi aprovada na Câmara dos Deputados e segue agora para o Senado, com perspectivas concretas de aprovação para breve.
Estima-se que a capitalização da empresa poderá render cerca de R$ 60 bilhões à União (dos quais, pelo projeto aprovado na Câmara, parte deverá ser utilizada para redução do custo da conta de luz a consumidores; parte destinada a projetos de revitalização de bacias hidrográficas; e parte destinada ao resultado primário).
Além disso, a alienação do controle da empresa estancará as sucessivas perdas dos acionistas com a companhia, estimadas pelo governo federal em cerca de R$ 350 bilhões desde 2002.
No tema das concessões, mais um lote de aeroportos teve sua administração recentemente repassada à iniciativa privada, um movimento que deve ter continuidade nesta e em outras modalidades de transporte.
Ainda na pauta do Congresso, a Reforma Administrativa já encerrou tramitação na CCJ da Câmara dos Deputados, e deverá ser aprovada em plenário até o mês de agosto. O fatiamento da Reforma Tributária tornou, também, factível o avanço de parte desta pauta ainda em 2020. A criação do IVA dual, com a redução do IPI e as mudanças no Imposto de Renda, são os itens com maior probabilidade de avanço nos próximos meses.
Os riscos mais importantes que identificamos no decurso de 2021, no plano doméstico, são uma eventual piora da pandemia para uma intensidade ainda maior do que é razoável antever, a partir do quadro de hoje, e a inflação, que pode se elevar ainda mais, colocando em risco a meta de 2022, além da meta de 2021 – esta, de rompimento praticamente certo.
Dentro do tema inflação, a atividade econômica mais forte representa um risco à inflação de serviços, que ainda se encontra bem comportada. O risco hidrológico elevado também aumenta a probabilidade de um maior aumento das tarifas de energia em 2022.
Em suma: a perspectiva de que uma eventual piora do número de casos de Covid não seja associada à piora significativa de internações e fatalidades; um gradiente de atividade econômica mais intenso ao longo do ano; a posição fiscal mais favorável na entrada de 2022 e uma melhor dinâmica de endividamento; além de avanços importantes na pauta de reformas, podem tornar o cenário dos próximos meses mais benigno.
A combinação destes fatores com um ambiente externo mais calmo oferece, neste horizonte, uma perspectiva positiva para os preços dos ativos domésticos.
*Leonardo De Paoli é economista da Legacy Capital, e bacharel e mestre em economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
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