O desafio da mobilidade social

Brasil precisa tornar mais iguais as oportunidades de todas as crianças e jovens, de modo que as diferenças de resultados sejam expressão da variedade humana, dos talentos, das virtudes e até mesmo da sorte

Paulo Tafner

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Vista de comunidade no Brasil (Getty Images)
Vista de comunidade no Brasil (Getty Images)

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Tempos atrás, aqui mesmo escrevi que o Brasil é um gigante. Apresentei inúmeras estatísticas que variavam de demografia a produção de grãos, rebanho bovino e reservas de petróleo e de água potável.

Para dar ao leitor a dimensão de nossa economia, mostrei que o PIB brasileiro é o nono maior do mundo (FMI e Banco Mundial)¹, sendo superado por países desenvolvidos como EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália e, também, por dois países em desenvolvimento, China e Índia.

Apesar do gigantismo, procurei mostrar que, se olhássemos para o PIB per capita, nossa avaliação mudava de figura. Por qualquer das três instituições multilaterais (FMI, BM e ONU), figuramos abaixo da posição 70. Pelo FMI, posição 72ª; pelo Banco Mundial, 77º e, segundo a ONU, ocupamos a 75ª posição.

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Além de estarmos abaixo dos países ricos, e de países com PIB superior ao brasileiro, somos superados por países cujo PIB é apenas uma fração do PIB brasileiro, tais como Porto Rico, Chipre, Estônia, Hungria, Panamá, Croácia, Costa Rica e Bulgária.

Mas vamos mal também em outras dimensões: percepção de corrupção, produtividade, Índice de Desenvolvimento Humano. Todas essas (e outras) informações foram levadas ao leitor.

Hoje, trago uma discussão inicial acerca de dois de nossos principais problemas: a desigualdade e a baixa mobilidade social.

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Há muito é conhecida a vergonhosa desigualdade de renda no Brasil. Nosso crescimento econômico se deu sem distribuição da riqueza gerada.

Ao contrário, a apropriação dos excedentes ocorreu de forma a aumentar a desigualdade anterior, de modo que, mesmo todos melhorando, a distância entre os mais pobres e os mais ricos aumentou. E essa situação, apesar de melhoras, ainda é muito marcante.

No Relatório de Desenvolvimento Humano 2019, elaborado pelas Nações Unidas, dentre 151 países com informações sobre o Índice de Gini, figuramos na desonrosa posição 144.

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Apenas sete países, todos africanos, têm mais concentração de renda do que o Brasil. Países como Argélia, Albânia, Malta, São Tomé e Príncipe, Líbano, Egito, Jordânia, Níger, Tailândia, Uruguai, Irã, Argentina, México, Bolívia, Libéria ou Butão têm renda mais uniformemente distribuída do que o Brasil.

Não se trata, obviamente, de carência de renda ou pobreza absoluta, situação em que não há renda a distribuir. Longe disso.

Não somos ricos, é verdade, mas figuramos entre as nações com renda média-alta. Haveria, portanto, excedentes que poderiam ser mais bem distribuídos.

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Conseguimos aliviar o grave problema de pobreza e pobreza extrema no Brasil, ainda que com a pandemia o número de pobres tenha se elevado.

Fato é que programas de transferência condicionada de renda, como o Programa Bolsa Família, são poderosos e eficientes instrumentos de combate à pobreza. Têm pouco efeito sobre a desigualdade, mas enorme efeito sobre a pobreza.

Para combater essa enorme desigualdade surgem ideias variadas. Alguns acham que devemos taxar os bancos e o setor financeiro. Outros advogam a tese de que deveríamos taxar as grandes fortunas. Outros ainda propõem a criação de uma renda universal.

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Há posições certamente radicais, como expropriação de bens e até mesmo a estatização dos meios de produção.

Proponho aqui que mais grave do que a própria desigualdade é a baixa mobilidade social.

Se um indivíduo que nasce em uma família do quinto mais pobre tem chances semelhantes à de qualquer outro indivíduo que nasça em estratos mais elevados de escolaridade e de renda, então a regra do jogo é justa e compatível com um capitalismo dinâmico, sem cartas marcadas.

Em poucas palavras, se a chance de qualquer indivíduo de migrar para estratos mais altos de renda e educação é semelhante, então há um mecanismo de redução estrutural da desigualdade social.

Não é isso, porém, o que acontece no Brasil. Apenas um exemplo: praticamente 70 de cada 100 crianças nascidas em famílias cujos pais têm superior completo também atingem essa escolaridade e com ela alcançam os melhores postos de trabalho.

Entretanto, se forem filhos de pais sem instrução, apenas quatro de cada 100 chegarão ao nível superior e com ele disputarão com chances os melhores postos.

A diferença é gigantesca e faz com que, geração após geração, o país reproduza a armadilha da pobreza e da desigualdade. Dinamarca, Noruega ou Finlândia apresentam resultados pelo menos três vezes melhores. Na Bélgica, no Canadá ou no Japão a mobilidade é pelo menos o dobro da brasileira.

É necessário, portanto, que tenhamos um novo enfoque de como superar esse desafio. Soluções focadas predominantemente em mecanismos tributários tendem a ser fiscalmente irrealistas e, se não devidamente calibrados, podem produzir incentivos contrários aos desejáveis.

As experiências de tributação sobre fortunas mostraram pouca eficácia e estão em franco processo de desparecimento. Dos 12 países da OCDE que tinham políticas dessa natureza no início dos anos 1990, restaram apenas três atualmente.

O grande desafio é tornar mais iguais as oportunidades de todas as crianças e jovens, de modo que as diferenças de resultados sejam expressão da variedade humana, dos talentos, das virtudes e até mesmo da sorte.

Em 2019, a OCDE, utilizando dados de renda permanente para pais e filhos, calculou o número médio de gerações que seria necessário para que indivíduos nascidos entre os 10% mais pobres atingissem uma renda permanente que os colocassem na média da distribuição.

Para o Brasil, eles calcularam que seriam necessárias nove gerações para que isso ocorresse: 180 anos. Mesmo que consideremos algumas restrições à metodologia de cálculo e que, em vez de nove gerações, fossem necessárias oito, ainda assim, a mensagem seria a mesma: ao nascer em uma família do primeiro decil de renda você está condenado!

Não pode ser essa a mensagem dada a cada criança e jovem deste país. Temos que criar mecanismos de superação dessa fatalidade.
Pensando sobre isso, Armínio Fraga e eu fundamos o Imds (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social), totalmente dedicado a estudos e proposições de soluções e políticas públicas voltadas para o aumento da mobilidade social.

Nos próximos artigos, trarei informações técnicas e propostas sobre a questão da mobilidade no Brasil e no mundo.

É necessário que a mobilidade social seja uma bandeira, uma esperança de mudança estrutural de nosso país.

¹ Dados das Nações Unidas indicam que o PIB do Brasil supera o da Itália e o da Índia e nesse caso seria o sétimo maior PIB do mundo. Sétimo ou nono, o fato é que o PIB brasileiro está entre os dez maiores do planeta.

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Paulo Tafner

É economista, doutor em ciência política e diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds). Especialista em previdência, publicou diversos livros, entre eles, "Reforma da previdência: por que o Brasil não pode esperar?", escrito em conjunto com Pedro Nery