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SÃO PAULO – Em diversos artigos aqui nesta coluna, apresentei informações e discuti aspectos do sistema previdenciário brasileiro. Com a aprovação da reforma da Previdência em segundo turno no Senado Federal, resta apenas a promulgação, o que deve ocorrer nos próximos dias.
Vale a pena vermos retrospectivamente esse longo processo de ajustes em nosso sistema.
Previdência é algo novo na história das sociedades. Somente há pouco mais de um século podemos considerar sua existência formal enquanto instituição social. Com a urbanização e o avanço das livres relações de trabalho, laços comunitários tradicionais foram desaparecendo e, em seu lugar, foram criados mecanismos de compartilhamento de riscos.
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Esse processo foi longo, pois a transição rural-urbana se processou lentamente. Cidades mais complexas eram raras até o inÍcio do século XX, mesmo nos países desenvolvidos.
Nos Estados Unidos, até 1910, predominava a população rural, e somente nos anos 1920 a população urbana superou a rural. No Brasil, ainda em 1950, quase dois terços da população vivia em regiões rurais.
A previdência surge nesse processo de urbanização. Trata-se de uma engenhosa construção institucional de proteção aos membros de uma sociedade moderna contra os riscos da doença, da incapacidade laboral e do envelhecimento.
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Desde sua origem formal na Alemanha em fins do século XIX até nossos dias, cada sociedade foi moldando seu aparato institucional conferindo-lhe feições específicas. Algumas preservaram a ideia de seguro; outras estruturaram mecanismos de garantia de renda mais dissociados da contribuição.
Algumas criaram mecanismos em que o valor do benefício é definido a priori; outras em que o valor do benefício é resultado das aplicações e dos rendimentos obtidos ao longo do tempo.
Algumas, ainda, combinaram previdência e assistência, como é o caso brasileiro; outras, como a Inglaterra, definiram um programa assistencial paralelo à estrutura previdenciária, determinando um valor básico de benefício destinado aos indivíduos extremamente pobres, inferior ao mínimo previdenciário.
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Apesar das diversas nuances e modalidades, o fato é que, no mundo, há proeminência de sistemas previdenciários.
No Brasil, a Previdência, e mais lato senso, a Seguridade teve o mesmo processo. Progressivamente, categorias profissionais foram sendo incorporadas, assim como o mundo rural. A cobertura do sistema expandiu muito, e mesmo aqueles que jamais contribuíram têm proteção quando chegam a certa idade.
É um sistema amplo, mas, por falta de critérios e atropelos de toda ordem, acabou sendo um sistema caro, deficitário e cheio de privilégios e injustiças.
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Gastamos mais de 14% do PIB com o sistema previdenciário, e seu déficit supera 5% do PIB. Transferimos para alguns grupos de servidores públicos montantes que ultrapassam a casa dos 2, 3 ou mesmo 5 milhões de reais.
Há certas categorias que se aposentam com idades inferiores a 50 anos, enquanto trabalhadores menos qualificados, mais pobres e mais sujeitos às dificuldades do mercado de trabalho se aposentam com mais de 65 anos (se homens) e mais de 60 anos (se mulheres).
Por imprecisões legais, há muita fraude, que drena recursos preciosos. Era evidente que tínhamos que modificar as regras de nossa previdência.
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Depois de várias tentativas frustradas, em fevereiro deste ano, o atual governo apresentou uma proposta de emenda e, em apenas oito meses, ela foi aprovada nas duas Casas Legislativas, restando apenas sua promulgação.
Entre a entrada no Legislativo e sua saída de lá, muita coisa aconteceu. Houve alguns aprimoramentos, com a melhoria nas regras de transição. Mas houve, sobretudo, uma grande desidratação fiscal.
Vejamos: (1) Retirada de estados e municípios (R$ 350 bilhões); (2) Alteração no BPC e no Abono salarial (R$ 160 bilhões); (3) Ajustes em aposentadorias especiais e outros (R$ 70 bilhões); (4) Ajustes nas regras de servidores públicos (R$ 30 bilhões).
Como a redução da despesa com estados e municípios não estava nas contas iniciais apresentadas pelo governo, isso significa que do pouco mais de R$ 1 trilhão de economia previsto pelo ministério da Fazenda, restaram aproximadamente R$ 800 bilhões.
Em síntese, o Congresso subtraiu R$ 600 bilhões da potência fiscal, sendo R$ 250 bilhões da União e R$ 350 bilhões de estados e municípios. A sociedade pagará essa conta da forma já conhecida: impostos. E os mais pobres irão financiar boa parte desse valor.
Mas depois de tanta discussão e polêmica, o que é a reforma? Fundamentalmente, é um ajuste paramétrico das regras operacionais do sistema.
Basicamente, a reforma extingue a aposentadoria por tempo de contribuição e estabelece uma idade mínima para todos os trabalhadores, sendo 65 anos para homens e 62 para mulheres; 60 anos para homens e 47 para mulheres se forem professores; e 55 anos para homens e mulheres se forem policiais civis.
Além disso, torna a regra de cálculo do valor de benefício atuarialmente mais justa, redefine e restringe o valor da pensão por morte e limita a acumulação de benefícios.
Visando impedir saltos muito abruptos, foram estabelecidas várias regras de transição para todos quantos estejam no mercado de trabalho: (a) sistema de pontos (soma da idade e do tempo de contribuição), começando por 96/86 (homem/mulher), com aumento de 1 ponto por ano até atingir 105/100 (o que ocorrerá para os homens em 2028 e para as mulheres em 2033); (b) idade mínima, desde que cumprido o requisito de contribuição (35 anos para homens e 30 para mulheres) que se inicia em 61/56 anos (homem/mulher) e aumento de meio ano a cada ano até atingir os 65/62 (homem/mulher); essa transição levará oito anos para homens e 12 para mulheres; (c) para os que estão próximos da aposentadoria haverá um pedágio (uma modalidade de transição) equivalente a 100% do tempo que falta para se aposentar, devendo nesse caso ser cumpridos requisitos de idade mínima e tempo de contribuição; para os trabalhadores da iniciativa privada e servidores será exigida idade mínima de 60/57 (homem/mulher), para professores 55/52 anos (homem/mulher) e para policiais civis 53/52 anos (homem/mulher).
Por fim, (d) no caso de aposentadoria por idade urbana, a idade mínima da mulher será elevada meio ano por ano até atingir 62 anos (atualmente, são 60 anos). Cada trabalhador poderá utilizar a regra de transição que lhe for mais favorável.
Adicionalmente, a reforma prevê a unificação de alíquotas entre trabalhadores do setor privado e público e a implantação de alíquota progressiva em função do salário recebido.
Atualmente, as alíquotas são fixadas em 8% (para quem ganha até R$ 1.751,81), 9% (para os que recebem entre R$ 1.751,82 e R$ 2.919,72) e 11% para quem ganha acima deste último valor.
Com a reforma, haverá muitas outras faixas e mudará a sistemática de cobrança, que passará a ser nos moldes do imposto de renda ou seja, alíquotas marginais.
Entre os que ganham mais do que o teto do INSS (R$ 5.839,45) haverá aumento de contribuição. Para os que recebem menos que isso, o impacto será diferenciado: haverá redução para a maioria e aumento para a minoria. O resultado financeiro para o Regime Geral será uma leve redução da contribuição. Para servidores públicos, haverá aumento.
Por fim, a reforma tratou com zelo a questão previdenciária do setor público. Vedou a criação de regimes próprios para os entes federativos que atualmente não têm. Determinou que todos os entes deverão equacionar seu passivo previdenciário com um plano de equacionamento a ser aprovado pela Secretaria de Previdência.
Permitiu que, diante de déficit atuarial, possa ser cobrada contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas sobre todo o valor de benefício que exceder o salário mínimo (atualmente, aposentados e pensionistas do setor público contribuem apenas sobre a parcela que exceder o teto previdenciário).
E, se o déficit persistir, poderá ser criada uma alíquota extraordinária temporária para auxiliar na cobertura do déficit.
A reforma é certamente a mais ambiciosa até hoje apresentada ao Congresso. Trata de praticamente todos os tipos de benefícios, ajusta parâmetros e confere sobrevida ao nosso sistema previdenciário.
Mas nem tudo são flores! Além da retirada de estados e municípios, coisas boas que estavam no texto original ficaram de fora. A previsão de retirar da Constituição aspectos meramente operacionais, o gatilho demográfico e a possibilidade de um sistema de capitalização ficaram de fora.
É uma pena, pois, em conjunto, essas medidas dariam flexibilidade e maior sustentabilidade à nossa Previdência.
Em 2015, em parceria com Carolina Botelho e Rafael Erbisti organizei o livro Reforma da Previdência: a visita da velha senhora”, em que procurávamos mostrar que, por mais que nossas elites políticas buscassem se distanciar do tema, o fato era que nosso encontro com o tema era inexorável.
Enfim, cuidou-se do passado e relegou-se o futuro. Tivemos um rápido flerte agora em 2019, mas a velha “senhora” virá nos visitar em futuro próximo.
Se não foi a reforma dos sonhos, há muito a celebrar. A potência fiscal é o dobro do que se tinha em fevereiro deste ano, quando muitos defendiam a ideia de se aprovar a “PEC do Temer”.
E, no processo, verificamos que há lideranças sérias e comprometidas com o futuro do país, como tantos deputados e senadores que votaram pela aprovação da reforma. Há um líder como Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, que tomou para si a responsabilidade de livrar o país do marasmo, do atraso e da pobreza, fazendo andar tema tão relevante para o país.
Também ficou claro que há gestores comprometidos com o futuro do país e que se dispõem a dialogar e encontrar os pontos de interseção, como o secretário especial Rogério Marinho. E há uma equipe técnica na Previdência que, em vez de fazer política partidária e de compadrio, dedica-se a encontrar as melhores soluções para o Brasil.
Estamos melhores hoje do que estávamos ontem.