Adeus, teto?

Precisamos “pensar dentro da caixa” e retomar esforços no sentido de reduzir a despesa pública

Paulo Tafner

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(Getty Images)
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Difícil expressar algo tão importante de forma tão cristalina. Meus caros, aqui não há defesa dessa tese, nem satisfação em concluir que caminhamos, céleres, para a ruptura do teto de gastos.

O problema não é apenas romper o teto de gastos, mas arranjar maneiras de não aplicar as medidas corretivas preconizadas no próprio dispositivo legal que estabeleceu o teto.

Trata-se de uma velha e conhecida forma de procedermos que, em síntese, estabelece que não há custos para nossas decisões.

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Já tratei aqui da cultura adolescente de nossas elites: “Podemos fazer qualquer coisa sem nos preocuparmos com o amanhã”. Isso ocorre de forma disseminada, em todas as áreas e em todas as esferas.

Adoramos gastar! E as formas mais mirabolantes e criativas de ruptura do teto, por vezes, são interpretadas como formas de “pensar fora da caixa”.

Essa expressão parece ter surgido em consequência de um joguinho simples conhecido como “desafio dos Nove Pontos”. Como, aparentemente, esses nove pontos pareciam formar “uma caixa”, criou-se uma expressão para representar a sua solução.

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Desde então, “pensar fora da caixa” tem sido sinônimo de pensar de forma criativa, inovadora ou superar as convenções. Popularizou-se com as áreas de marketing, propaganda e afins.

Pensar fora da caixa passou inclusive a ser sinônimo de inteligência. Já ouvi que Einstein fez o que fez porque pensou fora da caixa! Nada mais enganoso.

Expandir as fronteiras do conhecimento não significa se distanciar do conhecimento. A lei da gravidade não foi revogada, nem as leis gerais do movimento. A física clássica continua firme e forte.

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Para mim, pensar fora da caixa é como pensar em um universo paralelo. Stephen Hawking propôs em seu último artigo a possibilidade de existência de universos paralelos. Mas afirmou que, mesmo que existam, não teriam nenhuma relevância para nossas decisões.

Sobre ideias “novidadeiras”, penso exatamente o contrário: o que precisamos em todas as áreas é voltar para dentro da caixa.

No passado, usava-se a expressão “devemos fazer como manda o figurino”. É disso que precisamos.

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Ou, como disse certa vez o grande Mário Henrique Simonsen sobre uma tese novidadeira: “O que é novo não é bom; o que é bom não é novo”.

Como pensar em romper o teto de gastos sem acionamento dos gatilhos, sem que pensemos verdadeiramente em rever benefícios desfocalizados? Sem acabar com benefícios que nada mais são do que privilégios setoriais? Sem pensar em acabar com as vinculações constitucionais ou com a irredutibilidade de salários de servidores públicos?

Como pensar em romper o teto “e tudo bem”, sem antes voltarmos a tratar da Previdência, completando a reforma incompleta – louvável, é verdade – introduzida pela Emenda Constitucional nº 103/2019?

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Pergunto: como pensar em acabar com o teto, sem sequer termos um plano bem elaborado e compromissado com os Poderes de ajustamento sério da despesa pública?

Mais, sem sequer termos a coragem de, em contrapartida à ruptura do teto, propormos um ajuste da carga tributária, ainda que temporário?

Não é possível que ainda se acredite que podemos continuar gastando, como temos feito há muito tempo, sem graves, sérias e prolongadas consequências econômicas e sociais.

Tempos de pandemia trouxeram a necessidade imperiosa de gastos adicionais plenamente justificáveis. Foram vários pontos do PIB em gastos adicionais.

Mas a vacina está chegando e provavelmente em 2021 teremos razoável disponibilidade. Não podemos fazer do gasto adicional, ou qualquer fração dele, um piso de gasto futuro. Não!

Devemos retomar esforços no sentido de reduzir a despesa pública. Na pior das hipóteses, oferecer recursos tributários e/ou aplicar os dispositivos previstos na lei.

Tenho lido, visto e ouvido coisas do tipo: a pandemia revelou a enorme desigualdade brasileira e representou a ida de milhões de brasileiros para a pobreza – e até para a pobreza extrema.

Vozes e mentes de todos os cantos asseveram: temos de acabar de uma vez por todas com isso. Certo!

A questão é: como fazer? E aí vem nosso velho vício: aumentemos os gastos. Rompamos o teto. A situação é excepcional e precisamos de medidas excepcionais. Será?

Lembro-me que, desde os idos do Plano Cruzado, em fevereiro de 1986 (34 anos atrás!), parte da equipe econômica advogava a necessidade de fazer ajustes na despesa pública.

Quase dez anos depois, com o Plano Real, também se advogava a necessidade de ajustes na despesa pública. Seria a verdadeira âncora do Real.

Vira daqui, vira dali e o que se resolveu foi, não apenas manter a despesa, como aumentá-la. Como financiamos isso? Com o aumento de impostos. Quase que ininterruptamente, elevamos nossa carga de 22% para 34% do PIB.

Fomos muito criativos. Pensamos fora da caixa e criamos as contribuições. Espécie tributária – em geral de fácil cobrança – e não compartilhada com estados e municípios.

E assim seguimos, como adolescentes, sem enfrentar o drama de superlativos e ineficientes gastos públicos.

Mesmo no período de vacas gordas em âmbito planetário, quando a receita cresceu sem quase nenhum aumento de alíquotas, seguimos aumentando despesas – a maior parte delas não comprimível – sem fazermos avaliações dessas despesas e sem fazermos aprimoramentos institucionais significativos.

Pelo contrário, um dos maiores avanços, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi seguidamente desrespeitada.

E mais uma vez, pensamos fora da caixa: se a LRF não se encaixa em nosso ímpeto gastador, vamos mudá-la ou mesmo revogá-la.

Note, leitor, que entendo eu que a LRF necessita de aprimoramentos. Mas com um sentido: ajudar a controlar o gasto público – e não o contrário.

O Brasil tem uma pergunta a responder: Adeus, teto ou voltamos para a caixinha?

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Paulo Tafner

É economista, doutor em ciência política e diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (Imds). Especialista em previdência, publicou diversos livros, entre eles, "Reforma da previdência: por que o Brasil não pode esperar?", escrito em conjunto com Pedro Nery