*por Pedro Machado de Godoy
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Do descompasso da conversa entre Brasília e o cidadão comum, segue o surgimento, na recém iniciada corrida presidencial, de pelo menos uma dezena de candidatos supostamente vindos de fora do sistema, que prometem, ao menos em discurso, trazer novos ares e processos à velha e viciada política tradicional.
Muitos, cansados dos escândalos cotidianos, veem neles e na bandeira de “novo” que hasteiam, uma possibilidade de mudança. Jair Bolsonaro e Luciano Huck são, hoje, os principais candidatos desse grupo barulhento, à “salvação brasileira”, segundo as principais pesquisas. Mas essas pesquisas só começam a ter alguma relevância a partir de abril e até lá muita coisa terá mudado.
O fato é que até depois do registro oficial das candidaturas, quando saberemos se Lula estará ou não, de fato, no páreo, reforçando a tendência de polarização entre PT e PSDB, tanto Bolsonaro quanto Huck devem ser encarados com tom de seriedade.
Bolsonaro, que durante os últimos 30 anos tentou, sem sucesso, levantar voo, aproveita o momento de incredulidade e foca sua campanha na parcela mais radical e conservadora do eleitorado, conquistando um público tão fiel quanto o de Lula e carregando, com a reverberação do discurso vociferado de descontentamento com a política e em apologia ao uso da violência, alguns dos traços que marcaram o sucesso da campanha Trump.
Resta saber se, com cerca de 1% do tempo de TV e 1% da verba do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, além de ataques cada vez mais constantes e contundentes da imprensa, conseguirá, a imagem tupiniquim do presidente americano, fazer a conversão de intenções de voto em votos efetivos. – Desde Collor, todos os presidentes tiveram nomes compostos. Oxalá não seja um sinal.
Huck, em seu artigo à Folha de S. Paulo e manifestações subsequentes, tentou pôr fim à especulação sobre sua possível candidatura – espaço que Dória pensou lhe caber –, mas não deixou de ser notado por aquilo que não disse. Ficou a dúvida: qual será sua reação se as sereias cantarem mais uma vez?
As conversas com conselheiros e agentes do ramo político continuam acontecendo… As urnas, no entanto, não costumam ser generosas com quem decide em cima da hora.
Ainda assim é um outsider – em todos os sentidos aos quais a palavra se moldou até agora – com potencial para unir tanto o mercado financeiro quanto as classes B, C, D e E, sendo, inclusive, competitivo com Lula e Bolsonaro, em algumas regiões. Mas sua candidatura depende também de Angélica e da TV Globo.
Como bem apontou Mathias Specktor, para dar certo, sua esposa precisa apropriar-se do cargo de primeira dama como fizeram Ruth Cardoso e Michele Obama, assumindo papéis chave tanto na campanha quanto no mandato; e a Globo terá de decidir se apoiará ou não a candidatura, com quais consequências para o casal Huck.
Enquanto a aparição recente no Domingão do Faustão pareceu promocional, a emissora, em mais de um momento, se manifestou explicitamente contra uma candidatura. Nas negativas esfarrapadas, acredita quem quer. Caso siga em frente, terá disponível cerca de 3% do tempo de TV e 2% da verba do Fundo Especial.
Tanto Huck quanto Bolsonaro, se eleitos, terão de enfrentar grande oposição no congresso e, seja pela aparente aversão ao diálogo de Bolsonaro, ou clara inexperiência de Huck, operar as entranhas da política não será tarefa fácil. O risco de não vencerem os primeiros meses já os assombra.
Por ora, todos os candidatos e curiosos simulam jogadas e repensam estratégias enquanto aguardam ansiosamente os desdobramentos de amanhã.
Sem Lula, como apontou Sérgio Abranches, é alta a probabilidade de uma eleição parecida com a da Terceira República, em 1989, muito competitiva e fragmentada – inclua aí grande possibilidade de abstenção –, com um segundo turno entre dois candidatos que somariam menos de 50% dos votos.