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Nosso cenário base na discussão sobre a criação de um novo programa de transferência de renda sustenta que, hoje, não é dominante a probabilidade de o teto de gastos ser rompido ou driblado para seu financiamento, tampouco a de ser prorrogado o período de calamidade com objetivo de permitir a extensão do auxílio emergencial no início de 2021.
Entre os fatores que sustentam essa percepção estão os movimentos mais recentes de Jair Bolsonaro no sentido de fortalecer Paulo Guedes em detrimento de seus antagonistas no governo. O presidente, ainda que se sinta tentado pela ideia de um programa de renda robusto que mantenha alta sua aprovação, parece ter entendido as consequências negativas para a economia e mesmo para sua popularidade, em médio prazo, que teria uma manobra mais ousada para viabilizar o programa sem respeitar o teto.
Concorre ainda para essa visão a posição reiterada por Rodrigo Maia nos últimos dias de que não colocará em votação a prorrogação do período de calamidade para permitir a continuidade do Orçamento de Guerra a partir do ano que vem. Para que o presidente da Câmara mude sua posição, é necessário um movimento muito assertivo de Bolsonaro nesse sentido. Tal posicionamento do presidente é possível, mas não é nosso cenário principal em um contexto de redução gradual da gravidade da pandemia e de recuperação de indicadores econômicos.
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A posição firme que Paulo Guedes tem manifestado desde que reuniu forças para derrubar a ideia dos precatórios, como fez em sua participação no XP IMF, também dificulta uma iniciativa do governo nesse sentido.
Com isso, o ministro da Economia cria barreiras também para que a ala política do governo tenha forças suficientes para bancar uma proposta criativa, que implique revisão ou burla do teto de gastos. Uma decisão do governo em sentido contrário também geraria uma situação de difícil sustentação com a equipe econômica, o que acaba se tornando uma espécie de impeditivo para que vá em frente.
É preciso ressaltar, entretanto, que devem permanecer as pressões de integrantes do governo – ainda que este grupo tenha perdido um pouco de espaço nas discussões que ganharam publicidade nos últimos tempos – e da ala militar, além de parte de deputados e senadores, por uma solução “fácil”, no sentido de criar receita vinculada ao programa de renda. Neste caso, seria necessária uma alteração no teto para acomodar a despesa mais elevada, já que a regra é sobre os gastos e não sobre o saldo primário.
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Também é necessário lembrar que há propostas no Congresso em defesa da exclusão simples do programa de transferência de renda do teto de gastos – e daí pode partir a maior pressão na direção de um cenário alternativo.
Ainda assim, nossa percepção neste momento, em decorrência do que expusemos acima, é que esse grupo não tende a sair vitorioso — depois das eleições municipais é possível que as discussões sobre o programa de renda se deem num cenário menos contaminado pelo imediatismo do voto popular.
Se há possibilidade de entendimento pela preservação do teto e contra a prorrogação do estado de calamidade, há pouca sintonia para que o Congresso aprove, até o fim de 2020, gatilhos ou revisão de despesas que permitam a acomodação de um programa robusto dentro do orçamento. A proximidade das eleições para a presidência das duas Casas exige acordos com partidos da oposição, ou pelo menos a sinalização de boa vontade com eles, o que dificulta ainda mais a aprovação dessas medidas. E vale mencionar que as propostas de usar o Orçamento de 2020 – normal ou de guerra – para financiar uma extensão do auxílio emergencial em 2021 são tecnicamente inviáveis ou muito arriscadas.
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Nesse cenário – em que o governo não patrocina uma proposta de revisão do teto e não há um desequilíbrio de forças suficiente para permitir a extensão do estado de calamidade nem uma revisão profunda de despesas – vemos o impasse se alongar para 2021, com um programa de transferência de renda dentro dos limites orçamentários, ainda que menor que o projetado inicialmente – possivelmente com uma remodelação de marca que dê algum conforto ao presidente –, mas sem a necessária regulamentação do teto que dê conforto para os próximos orçamentos.