Montadoras x locadoras: o império contra-ataca

Montadoras (mesmo com os seus passos de tartaruga) começaram a enxergar a locação de veículos um nicho de mercado em que também podem atuar

Raphael Galante

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

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Caro leitor, digníssima leitora: dentro daquela nossa filosofia de escrever no conceito “rodriguiano” de ser (de mostrar a vida como ela é), sempre achamos meio esquisito o endeusamento feito às empresas de locação de automóveis listadas na B3.

Num primeiro momento, na visão do estagiário, a gente deixava para lá. Afinal de contas, somos daqueles que acreditam que título de capitalização é um bom negócio!

Além disso, temos um zilhão de excelentes analistas que conseguem enxergar uma série de fatores, onde o estagiário meio “zarolho” não consegue ver…

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Mas, como são mais de 20 anos estagiando no setor automotivo, nós tínhamos (temos) algumas dúvidas. E quais eram as nossas dúvidas?

Quando conversamos com a “gringaiada”, a visão que tínhamos (naquele mundo acima da linha do Equador) era de que o negócio de locação – apesar de ser bom – possuía margens operacionais bem estreitas. Era basicamente matar um elefante por dia, para retirar só 1 kg de filé mignon.

Tanto que uma das montadoras mais tradicionais do mundo (a Ford), se desfez da Hertz lá em 2005, já que, na visão deles (e da grande maioria das montadoras), o mercado de locação de carros não é um grande negócio – para eles. Só relembrando que, em maio deste ano, a Hertz entrou com pedido de recuperação judicial.

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Mas, descendo para o mercado abaixo da linha do Equador, e entrando em terras tupiniquins, eis que encontramos a jabuticaba, que só existe por aqui!

E aí, a pergunta que a “gringaiada” faz para nós é: como isso é possível?

Na visão simplista do estagiário, a grande sacada delas (locadoras) é que elas (sabiamente) utilizam de todas as ferramentas jurídicas/tributárias para fazerem grandes aquisições de veículos e, posteriormente, os revenderem.

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Na nossa visão, elas estão mais para grandes lojistas de carros usados (ou seminovos) do que de locação… Lógico que a operação de locação ainda é rentável. Tivemos o advento da “uberização” no mercado de trabalho, terceirização das frotas e por aí vai. Mas o “core business” (para nós) é mais na compra e venda do carro.

E não tem nada de errado nisso… ponto positivo para todas elas! Elas perceberam que existe uma pressão de produção mínima pelas montadoras, que existe uma série de brechas tributárias/jurídicas, e cresceram nesse conceito.

E as montadoras as viam (algumas ainda as veem) como uma parceira. Aquela parceria no estilo: “tá ruim, mas tá bom”, mas não deixa de ser uma parceria. Queria eu lá atrás não ter comprado o meu título de capitalização, mas sim comprado – por exemplo – ações da Localiza.

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E tudo seria lindo e maravilhoso!

S-E-R-I-A

Mas quando foi que elas pisaram na bola?

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Um dos pontos que eu imagino é que uma boa parte dos executivos que tocam as locadoras devem ter sido aquelas crianças criadas a base de pera-com-leite, ou eram crianças criadas em apartamento com carpete… ou algo do gênero.

A regra universal de quando você é criado na rua é: nunca arrumar treta com alguém que seja maior do que você. E a segunda regra é que, se você arrumou a treta, lembre-se: quem bate esquece, quem apanha, nunca!

E aí, elas bateram… e se esqueceram!

O que aconteceu? Há uns 3-4 anos, teve uma locadora que decidiu, depois de um ano, devolver um lote de carros que havia adquirido. E devolveu pelo mesmo preço que pagou. Foi uma medida AUDaciosa que essa locadora tomou junto com essa montadora que não vamos nomear.

Gente… vocês têm ideia? Imagine – por exemplo – você comprar 100 carros a R$ 80 mil (R$ 8 milhões), e, depois de um ano, chegar na montadora e dizer que não gostou, pedir o dinheiro de volta e devolver a frota?

Foi mais ou menos isso que aconteceu…

E a regra mais universal de todo setor automotivo é: NUNCA ME DEVOLVA UM CARRO!

NUNCA! Nem em sonhos… e essa regra é uma regra universal que transcende todo o multiverso!

Mesmo se você tiver um contrato dizendo que pode fazer isso, você NÃO pode fazer isso! Sabe… é daquelas regras/leis para “inglês ver”.

Mas, não… o caboclo tinha que ir lá e me devolver um lote de carros. Vocês não têm noção do perrengue que isso gerou na montadora!

Parecia a Revolução Francesa… a guilhotina ceifou diversas cabeças – e não foram as do baixo clero.

E, neste momento, o rastilho de pólvora foi acesso!

O que o pessoal começou a pensar: se tem uma locadora que tem a coragem de fazer uma presepada dessas com outra montadora, eu posso ser a próxima. Vários executivos que fazem a gestão de contas com locadoras começaram a pensar duas vezes na hora de negociar. Da mesma forma que as montadoras (mesmo com os seus passos de tartaruga) começaram a enxergar a locação de veículos um nicho de mercado em que também poderiam atuar.

Foi neste momento que as montadoras decidiram contra-atacar!

Primeiro, foi a Toyota com o seu Kinto:

Depois, tivemos a CAOA-Chery com o seu programa de locação:

A penúltima (semana passada) foi a Volkswagen, lançando seu programa de locação de veículos:

E nesta semana (será lançado na sexta-feira), vai para a rua o programa da Fiat. Mas não da montadora FIAT, o da associação dos concessionários Fiat (ABRACAF). Eles (os concessionários) decidiram montar uma empresa de locação de carros (a LEVEN), pois, afinal de contas, a ABRACAF possui mais de 521 concessionárias associadas espalhadas pelo Brasil inteiro, e nada melhor do que elas próprias para depois revenderem o veículo seminovo. A previsão da ABRACAF é ter 100% de adesão dos seus 521 concessionários no menor espaço de tempo.

Como disse no começo do texto, existe um zilhão de excelentes analistas que conseguem visualizar melhor o que poderá acontecer com os papéis das locadoras que são listadas na B3, diferentemente do estagiário aqui. Mas o que ouvimos/percebemos dos players do setor automotivo é que as montadoras (e concessionárias) decidiram contra-atacar com tudo o mercado das locadoras. E, aqui, as locadoras terão que ter muita “força” para poder aguentar o tranco.

Essa possível fusão Localiza-Unidas é um claro sinal disso.

Mas, mesmo assim, nos atrevemos a indicar um cenário bem nebuloso para as locadoras (acho que vou continuar com meu título de capitalização…)

E aí, o que achou? Dúvidas, me manda um e-mail aqui. Ou me segue lá no Facebook, Instagram, Linkedin e Twitter.

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Raphael Galante

Economista, atua no setor automotivo há mais de 20 anos e é sócio da Oikonomia Consultoria Automotiva