A mudança de US$ 300 trilhões: a extinção da taxa LIBOR

A planejada extinção da taxa irá causar mudanças consideráveis na precificação de contratos, valores de ativos nos balanços, modelos de valuation e hedging, além de potencialmente dar mais poder aos bancos centrais para aplicar suas políticas monetárias

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(Getty Images)
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Uma das maiores mudanças não comentadas do sistema financeiro será a extinção da taxa LIBOR, benchmark mais utilizado em contratos de crédito no mundo, até o final de 2021.

Com mais de US$ 300 trilhões em ativos denominados em LIBOR no mundo todo, a planejada extinção dessa taxa irá causar mudanças consideráveis na precificação de contratos, valores de ativos nos balanços, modelos de valuation e hedging, além de potencialmente dar mais poder aos bancos centrais para aplicar suas políticas monetárias.

A taxa LIBOR: London Interbank Offered Rate

LIBOR é a taxa de juros interbancária média que bancos em Londres estimam pagar uns aos outros em empréstimos sem garantias.

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Por ser uma taxa que leva em consideração o custo de capital médio entre bancos, e por ser estimada em vários períodos futuros e moedas diferentes, como três e seis meses, a taxa LIBOR é usada como principal benchmark para indexação na emissão de títulos de dívidas, derivativos e, inclusive, financiamentos de imóveis.

Os motivos da substituição: volatilidade durante a Crise de 2008 e o Escândalo de 2012

Até a grande recessão, a taxa LIBOR tendia a operar com um spread constante acima de instrumentos de money market (curto prazo), como taxas do Tesouro dos EUA e Overnight Indexed Swaps (OIS).

A partir de 2007, no entanto, os spreads das taxas LIBOR começaram a aumentar acentuadamente e perderam sua correlação, até então existente, com outros instrumentos de curto prazo.

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Na segunda metade de 2008, a 3M LIBOR atingiu um spread recorde de 364 bps sobre o OIS, e 458 sobre o Tesouro dos EUA.

O motivo do aumento desse spread é que, por não ser um empréstimo com colateral, a LIBOR leva em consideração o risco dos próprios bancos em seu pricing.

Antes da crise, esse premium era quase zero, mas, a partir do momento no qual incertezas de liquidez abalaram o sistema financeiro, os bancos se tornaram mais cautelosos ao emprestar capital entre si.

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Além disso, como a recessão aumentou o risco do próprio sistema financeiro e expôs o risco individual de cada banco, os bancos abandonaram os empréstimos não garantidos, preferindo operações interbancárias compromissadas, com títulos do governo ou de alto grau de investimento como garantia.

Assim, a taxa LIBOR, que por natureza é baseada em empréstimos interbancários sem colaterais, viu o volume transacionado no benchmark diminuir. Apesar disso, ela continuou sendo a principal referência para contratos de crédito.

Embora os empréstimos interbancários diretos e sem colateral levem em consideração a saúde e liquidez do mercado para seu pricing, esse modelo faz com que a política monetária de bancos centrais seja menos efetiva, uma vez que a taxa padrão para contrato é determinada apenas entre partes privadas.

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Em um segundo cenário, no qual ativos, como títulos do Tesouro, são usados como colateral, os bancos centrais podem exercer uma maior influência no custo das taxa interbancárias com operações em mercados secundários.

Escândalo de 2012: manipulação da taxa LIBOR

A gota d’água foi o escândalo de 2012 envolvendo várias instituições financeiras e que revelou a manipulação dos bancos sobre a taxa LIBOR para benefício próprio.

Ao final do escândalo, e após várias deficiências terem sido expostas durante a crise, agências regulatórias globais, principalmente europeias e americanas, concordaram em interromper a publicação da taxa LIBOR até o final de 2021.

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A principal alternativa: SOFR (Secured Overnight Financing Rate)

Vários benchmarks diferentes já foram propostos, desde o SONIA (Sterling Overnight Index Average), no Reino Unido, até a taxa SOFR, proposta pelo Federal Reserve de Nova York em 2018.

Diferentemente da LIBOR, e levando em consideração a tendência de mercados interbancários assegurados por títulos de alto grau de investimento, ambas as taxas são baseadas em transações interbancárias com garantias. No caso do SOFR, por exemplo, ela é baseada no repo market de Treasuries (títulos da dívida dos EUA).

Vale ressaltar que outras alternativas mais similares à LIBOR também emergiram, como a Ameribor, que também é baseada em transações interbancárias sem colateral.

Mas, por ser um mercado sem garantias, o custo de capital indexado ao Ameribor é mais alto que o SOFR. Assim, os principais participantes da Ameribor ainda são as instituições financeiras menores, que não possuem um volume de colateral adequado para atuar no repo mark.

Pós-LIBOR: os riscos, custos e oportunidades de arbitragem

A principal grande mudança na substituição da taxa LIBOR está no valor de mercado dos mais de US$ 300 trilhões em ativos que tem seu valor atrelado a essa taxa.

A aposentadoria da taxa padrão do mercado usada por décadas não apenas forçará instituições a recriarem seus modelos de valuation, precificação e estratégias de hedge, como também potencialmente mudará o fluxo de caixa das instituições financeiras e exigirá que os ativos no balanço dessas instituições sejam precificados novamente.

Além disso, todo esse volume financeiro em contratos precisará ser renegociado e ajustado para a nova taxa. Esse cenário não apenas abrirá espaço para arbitragens, como também provavelmente desencadeará uma série de processos legais relacionados à mudança da precificação de contratos existentes.

Atualmente, a maioria dos contratos possui uma cláusula chamada fall-back provision, na qual, num cenário de ausência de uma taxa padrão, a última taxa publicada disponível será usada.

Num cenário em que renegociações não se concretizem, a última taxa LIBOR publicada se tornará a taxa usada até o final dos contratos ativos.

Na prática, isso significa que os empréstimos que uma vez possuíam taxas variáveis, tornaram-se fixos e, sem dúvida, terão ganhadores e perdedores com essas mudanças.

Elevando o grau de complexidade, a correlação entre LIBOR e as principais alternativas não é necessariamente fixa.

Obviamente, as taxas SOFR e SONIA são menores que a LIBOR, por causa de suas garantias. Mas, mesmo assim, o spread entre SOFR e LIBOR não é fixo, já que ela varia consideravelmente com o tempo.

Dessa maneira, simplesmente corrigir o spread nos contratos não será o suficiente.

Analisando todos os complexos cenários na transição entre taxas e a necessidade de renegociar contratos, inclusive de ativos de crédito em cartões e imóveis com pessoas físicas, outro risco relevante para os bancos é o dano na reputação.

As Alternativas Ainda Possuem Defeitos:

As novas taxas propostas são todas baseadas em transações overnight, enquanto a LIBOR é liberada em múltiplos vencimentos futuros.

Nesse contexto, instituições financeiras ainda enfatizam a necessidade da existência de um benchmark em várias moedas e datas de vencimento diferentes. Apesar disso, contratos futuros indexados em SOFR e outros benchmarks poderão suprir essa necessidade.

No caso do SOFR, por exemplo, esse mercado já é maduro. Enquanto isso, o mercado futuro de Ameribor foi anunciado só recentemente.

Além disso, alternativas como SOFR e SONIA são baseadas em transações seguras, como os repurchase agreements de títulos como garantia. A LIBOR, por sua vez, não é.

Embora, como mencionado, isso aumente a eficiência das políticas monetárias, essa nova taxa leva em consideração apenas o risco base da economia e não corresponder ao spread de risco e liquidez real das do mercado e empresas, colocando um peso grande nos bancos centrais para subsidiar os premium de risco do mercado em cenários de estresse do sistema financeiro.

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Matheus Tavares dos Santos

Matheus é analista de investimentos em fundos de hedge na maior asset management do mundo. Em cargos anteriores, ele foi trabalhou em um fundo de Venture Capital com foco na América Latina e teve experiencias em bancos brasileiros e norte-americanos assim como na bolsa de valores brasileira.